Casa para viver para todos: uma utopia realista

Todas as pessoas em Portugal terem uma casa para viver: será isto uma utopia ou uma realidade à distância de menos 0,1% do PIB?
Neste inverno, mais uma vez, surgiram notícias sobre europeus que não têm condições económicas para aquecer adequadamente a sua casa. Se o frio é um grande constrangimento para quem não tem casas adequadas, no caso das pessoas em situação de sem-abrigo pode mesmo ser fatal. No outono de 1967, na Finlândia, entre 40 e 50 pessoas em situação de sem-abrigo morreram de frio depois de, no verão desse ano, ter sido encerrado um centro de acolhimento em Helsínquia.
Em 2008, o governo finlandês implementou um programa que tinha como objetivo reduzir o número de pessoas em situação de sem-abrigo através do modelo Housing First. Este modelo foi altamente eficaz. Se em 2008 existiam 7.960 pessoas em situação de sem-abrigo na Finlândia, em 2023, este número já tinha sido reduzido para 3.429, enquanto na União Europeia esse número mais que duplicou (em 2023, a estimativa era de 895.000).
Mas, afinal, o que é o Housing First? O Housing First é um modelo cujo princípio fundamental se baseia na ideia de que a melhor forma de reintegrar uma pessoa em situação de sem-abrigo na sociedade é, antes de mais nada, proporcionar-lhe habitação permanente e estável, sem exigir que cumpra etapas prévias, como o tratamento de eventuais dependências ou conseguir um emprego estável.
Este modelo tem mostrado resultados mais eficazes que os modelos tradicionais. Ao garantir primeiro a habitação, as diferentes etapas da reintegração na sociedade tornam-se mais fáceis.
Em Portugal, este modelo já é aplicado em diferentes zonas do país, nomeadamente em Lisboa, onde a associação CRESCER já atribuiu casa a 131 pessoas em situação de sem-abrigo. Destas, 90% não voltaram à situação de sem-abrigo, desmistificando o mito de que a maioria das pessoas nesta situação quer viver na rua. Para além disso, a percentagem de pessoas integradas que consumiam substâncias diminuiu de 90% para 45%, a adesão à medicação aumentou de 10% para 96% e o contacto familiar passou de 19% para 47%, entre outros resultados positivos.
Apesar do sucesso deste modelo, imaginar um país sem pessoas em situação de sem-abrigo ainda parece uma realidade utópica. Mas, na realidade, a solução deste problema pode ser mais viável do que imaginamos.
Ora vejamos: em Portugal existem 13.128 pessoas em situação de sem-abrigo. Se partirmos da premissa de que o custo das soluções para cada pessoa nessa situação (alojamento, alimentação, higiene, serviços de saúde, despesas legais, entre outros) se situa em 1.707 euros por mês, valor baseado num programa espanhol de Housing First (9), isso totalizaria cerca de 269 milhões de euros por ano, o que corresponde a uma despesa permanente inferior a 0,1% do PIB de Portugal em 2024.
Para além disso, o Housing First gera ainda poupanças noutras áreas, como em centros de acolhimento e serviços de urgência. Adicionalmente, há que ter em conta o contributo financeiro dos seus beneficiários, no caso português, com cerca de 30% dos seus rendimentos (caso os tenham).
Este é um exemplo de compromisso orçamental que poderia reunir um largo consenso em Portugal, contando com todos os partidos de esquerda que têm no direito à habitação uma das suas principais bandeiras (já Sérgio Godinho dizia que só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação), mas também com o centro-direita. Note-se que Jan Vapaavuori, ministro da habitação da Finlândia na altura em que foi implementado o Housing First, fazia parte do Partido da Coligação Nacional de centro-direita.
Este texto, que se baseia em pressupostos, que são naturalmente discutíveis e contestáveis, não pretende apresentar uma solução simples para um problema que é complexo, mas sim contribuir para a ideia de que é possível que todos os seres humanos do nosso país tenham uma casa para viver.