Cat Power procura a estabilidade em “Wanderer”
Cat Power é o resultado da silenciosa e intrigante revolução interior de Chan Marshall. Autora de alguns dos grandes singles marcantes das décadas de 90 e 00, como The Greatest, e de grandes covers da mesma altura, como Sea of Love, Marshall contava até ao passado ano já com nove álbuns, lançando agora um décimo. O penúltimo, “Sun”, provavelmente o seu melhor álbum de originais, transmitiu a dor, perda e revitalização da cantautora, sendo um álbum mais forte em instrumentalização, com batidas intensas a marcar desde o inicio aquilo que Chan declarou em “Cherokee” como “It’s my way”. O álbum foi uma rebelião face à quietude dos que o antecederam: Marshall sofreu, e isso refletiu-se tanto em estúdio, como no concerto que deu no Super Bock Super Rock de 2014, em que se apresentou inconstante e instável – mas sempre grata.
Ora, anos depois regressou a Portugal com uma abordagem completamente diferente. No CCB, embalou-nos sozinha, com um piano de cauda. A sua voz rugosa, crucial para o cancioneiro folk rock das duas últimas décadas manteve-se igual, mas houve um retorno ao passado. Uma rejuvenescida paz de espirito parece manifestar-se neste novo “Wanderer”, 6 anos após o último lançamento, nos quais, mais que a concertos, Chan se dedicou à familia, tendo tido um filho, com quem se apresenta na capa do álbum. Este parece só ter sido possível com a partida da Matador, editora que se rejeitou a publicá-lo por falta de hits, como conta Marshall em entrevista ao New York Times. A mudança para a Domino permitiu-lhe lançar o álbum que queria, uma reflexão sobre o amor, a independência e a maternidade.
Sonicamente, este mistura as facetas mais calma e energética de Cat Power. O álbum abre com o tema que lhe da o nome, onde a cantora abraça as suas origens sulistas. É tenro e delicado, mas com uma mensagem cerrada sob o minimalismo dos ecos vocais em que se dispõe – “Twist of fate would have me sing at your wedding / With a baby on my mind and your soul in between”. A familiaridade é retomada em “Horizon”, um tema composto para “Sun” que não chegou a integrar a tracklist final do mesmo. Modesto e simples musicalmente, transparece sem aparato a intenção que lhe é adjacente, uma ode à família, um agradecimento aos do seu passado, que através do nome – horizonte – nos transporta também para este futuro da maternidade que Chan vive desde a composição do tema. Talvez por isso tenha optado por resgata-lo para este álbum, e ainda bem, já que é em “Wanderer” que melhor se contextualiza.
“You Get” e “Woman” são os maiores retornos instrumentais a “Sun” neste álbum, e as memórias mais frescas que detemos do som de estúdio da cantora. Em “Woman”, acompanhada de Lana del Rey, Chan enaltece-se face às adversidades, particularmente às que teve com a editora antiga, que trata agora com algum escárnio – “If I had a dime for every time / Tell me I’m not what you need / If I had a quarter, I would pull it together / And I would take it to the bank and then leave”. Marshall optou por levar a sua adiante, em vez de se deixar deter por motivações gananciosas. Isso significou também que os arranjos e produção ficaram ao seu encargo, e daí conseguiu tirar então o melhor de todas as suas multitudes: O cover que faz da “Stay” de Rihanna reitera a sua capacidade de transformação musical e sintetização instrumental, despindo a música de todo o seu aparato pop e destacando a vulnerabilidade lírica da mesma, conferindo-lhe diferentes possibilidades de interpretação; “Robin Hood” funciona como que um rearranjo de “Werewolf” de 2002, libertando-o mais uma vez de camadas excessivas, neste caso dos overdubs vocais; e as duas abordagens diferentes à mesma construção melódica em “In your face” e “Me voy”, a primeira, mais intensa, com o habitual recetor “You”, cujas vontades parecem ser antagonizadas pela segunda, que no fim do álbum funciona como a despedida de Marshall. Cripticamente, o “You” – “You never need, you’re American / You never take what you say seriously / You’re on the bed / You’re on the ledge of things” – é substitudo pelo “I” – “I am leaving / Me voy, me voy / Good is gone”, prevalecendo a autonomia sobre a cedência.
Em “Wanderer” Cat Power mantém sólida enquanto artista, mas mais que isso, Chan Marshall parece reencontrar-se, agora mais focada, mais plena. Nele a cantora não procura entregar um álbum de reinvenção, nem uma reprodução da imediatez de “Sun”. “Wanderer” é singular no seu próprio domínio e apresenta-se como um álbum de solidificação daquilo que Marshall melhor sabe fazer, e nisso a cantora volta mais uma vez a exceler.