“Children Playing Adults” mostra a adolescência e o despertar dos Balter Youth
Com origens na cidade do Porto, os Balter Youth são mais um projeto musical nacional dos últimos anos, despertando durante a Universidade, apesar de já estarem unidos os seus cinco elementos: Inês Pinto da Costa, a vocalista, João Freitas, o guitarrista (José Pedro Gonçalves também colaborou com a guitarra, assim como José Nuno com a bateria, tendo ambos saído no entretanto), Henrique Tomé, o viola-baixista, Mariana Monteiro, a pianista, e Gonçalo Cabral, o baterista. Na base, e traduzido para português, o nome do grupo: a juventude que dança sem grande engenho ou graciosidade mas que desfruta dos seus movimentos e do seu entusiasmo. É, na realidade, aquilo que os seus primeiros singles fizeram antever, com uma maturidade melódica e com um tratamento técnico que se percebe ser apurado e capaz, procurando um rock que deambula entre o soft rock e o progressivo, distanciando-se de algo mais pop e comercial. “Detour”, lançado em 2018, e “Blackbox”, de 2019, que abriram as portas para o disco lançado em 2020, de seu título Children Playing Adults, fruto de um trabalho que se estendeu por esses anos. Todas as músicas estão escritas em inglês (à exceção da primeira, que não tem letra), sem grande complicação e com composições que têm tanto de acessíveis como de ressonantes com a experiência de quem as ouve.
Com Luís Rodrigues como produtor do álbum e João Bessa responsável pela masterização do disco, o trabalho desenvolvido mostra estes pequenos passos que a banda vem dando, embora já começando a ganhar o seu espaço. É um disco que os seus membros dedicam aos fãs, aos familiares e aos amigos, lançado com sentido de oportunidade, numa fase de isolamento social, com o sentido de gratidão e de atenção para dar resposta à situação vigente. Aliás, essa resposta também é complementada com a presença de Inês Pinto da Costa e de João Freitas no primeiro episódio da série “Espetáculo em Casa”, da RTP Play, tocando a faixa “Primavera”.
A “Intro” apresenta, desde logo, a tal suavidade instrumental que tão bem sabe, embora conseguindo criar algumas disrupções que caem bem ao ouvido. Juntam-se baixo, guitarra elétrica, piano digital e bateria para dar uma harmonia bem sustentada e encorpada. A voz chega-nos em “Faces” e é terna, reconfortante e limpa, que ajuda a perceber este desvendar do crescimento que se faz sentir durante o disco. Há uma história que é contada, que é a descoberta e a experimentação da vida. De facto, os instrumentos conseguem captar toda este pano de fundo, trazendo uma paz e uma tranquilidade que ajudam a que a música entre sem pedir com muito jeitinho.
A seguir, está “Blackbox”, o segundo single lançado pelo grupo, que bem aguçou o apetite deste disco. Os instrumentos sobem um tom e mostram mais algum atrevimento, que se encaixa em pleno com a estabilidade da parte vocal. O fim é verdadeiramente empolgante e ajuda a captar aquela aura de irreverência que a adolescência não deixa escapar. A “Primavera” brota uma flor que é irrigada pela serenidade emanada do início do álbum, com a voz e a guitarra a conjugarem num diálogo puro e musicalmente polido. Não há problema para a própria voz subir umas notas acima, incorporando essa polidez que faz com que o som se sinta realmente primaveril.
Abrindo a segunda parte do álbum, “Ongoing” é a faixa mais extensa do disco (só “Chase”, a última, ombreia com oito minutos exatos) e dá uns ares de maior progressividade à música. É de facto notável o gosto e o sabor já tão maduros, como se a Primavera estivesse mesmo a acabar e o Verão, que apresenta os frutos crescidos da anterior estação, estivesse mesmo aí. “Detour”, o primeiro single que a banda lançou, chega-nos com mais andamento e com algum arrojo, quase como se o peso da responsabilidade caísse no adolescente habituado à diversão, desligado do compromisso. É o “Detour” que desvia a serenidade que decora este álbum, mas que, visto para lá dele, percebe-se que é quase um repto a um coming of age que a música permite verbalizar.
“Plugged Out” é quase como um desligar da corrente que as preocupações da idade adulta começam a fazer sobressair. Elas vão chegando, mas a vontade de manter a vivacidade bem na linha da frente é patente, fazendo viver a identidade, que tanto pode ser questionada nesta fase. Novamente, as notas altas estão lá e não abrem espaço para que se descaiam, seguindo com firmeza e segurança. Por fim, é “Chase”, que aproveita a nota final da música anterior e que anuncia que o adolescente nunca será apanhado, esse adolescente que vagueia e que procura a salvaguarda da sua liberdade, pelo dia e pela noite, pelas ruas e pelos campos. A perseguição parece que domina a atenção por uns breves instantes, em que só se ouve guitarra e pouco mais, mas acaba como devia, com amplitude vocal e instrumental, com o aguçar de uma vontade que tão bem se sabe exprimir deste modo.
O primeiro disco dos Balter Youth é, assim, uma boa surpresa para quem os desconhece e percebe que se trata de um grupo bem recente, com apenas dois singles lançados antes deste álbum. “Children Playing Adults” perspetiva, assim, aquele tão turbulento coming of age entre a adolescência e a idade adulta, entre a leveza da vida e o peso das suas responsabilidades. A sua música, sustentado numa voz afável mas assertiva, numa conjugação instrumental capaz e virtuosa e num tratamento de som e numa produção de qualidade, capta toda esta dimensão. O próprio alinhamento do álbum tem sentido, com todas as faixas a entenderem-se bem entre si e a proporcionarem um disco surpreendente pela qualidade que mostra, sem destoar muito na sua identidade, mas que pode ser risonho, daqui em diante, nos fones de quem o ouve, e de seguida nos palcos. Quiçá o ansiado despertar da adolescência.