“Cidade Rabat”, de Susana Nobre: o cinema feito representação da realidade
Este artigo pode conter spoilers.
Há o filme e há a conversa sobre o filme. Ainda que seja difícil separar as duas. Tal como é difícil separar em Cidade Rabat a ficção da sua própria representação. Pois foi isso que pensámos logo que vimos o filme ainda antes da partida para Berlim. Aliás, um filme que veio remetido pela conversa anterior com Susana Nobre, a propósito de No Taxi do Jack, à distância da comunicação digital, quando há dois anos foi exibido num festival de Berlim, numa edição a decorrer apenas online, devido à pandemia. É então neste regresso a Berlim, e também ao Fórum, que se cruzam também estas duas conversas, ligadas pelo cinema de Susana Nobre (ler entrevista).
É um cinema de ficção, um filme de argumento, diz-nos Susana. Sim, mas é ao seguirmos o filme que percebemos as nuances. Logo a começar pela presença da actriz Raquel de Castro, numa inesperada estreia no cinema, em que é difícil de não a encarar como um espelho provocatório de Nobre. Mais: a realizadora e produtora, aparentemente, negoceia “certos aspectos biográficos”, mesmo aqueles tocados pela perda, e mesmo quando os produz, observa e dirige atrás da câmara. É a isso que chamamos representação da realidade. Mesmo que seja para ver coisas diferentes. Pois a ideia de perspectiva não deixa de ser diferente, pelas possibilidades e liberdade que possibilita. E porque se trata de uma ficção, certo?
Talvez esteja mesmo aí a força deste filme, que parece esconder muito mais do que aquilo que aparenta revelar. Ou, então, pelo jogo do próprio cinema. Sempre tão rigoroso, quase milimetricamente. Independentemente de parecer (e ter sido mesmo) feito com amigos, colegas, um cinema participativo, comunitário mesmo. E a pensar na proximidade com as pessoas. Talvez seja mesmo isso o mais importante.