“Clímax”: uma (nova) experiência sensorial de Gaspar Noé

por João Estróia Vieira,    15 Fevereiro, 2019
“Clímax”: uma (nova) experiência sensorial de Gaspar Noé
“Clímax”, de Gaspar Noé
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Onde acaba a provocação e começa o conteúdo? Terá a arte de produzir conteúdo, ou sequer conter significado ou é-lhe bastante a sua concepção per si? A crítica de Cinema, ou a sua comunidade, quase “persegue” alguns dos enfants terribles do Cinema, retirando-lhes crédito por as suas obras não acompanharem, por vezes, um significado, uma linha clara de condução. O que não conseguimos qualificar assusta-nos e, por defeito ou feitio, temos a tendência a repelir o que não entendemos.

Mas, e o que não tem de ser entendido? E a experiência vivida enquanto tal? Gaspar Noé é já um dos irredutíveis habituais neste debate, mas provavelmente terá conseguido com este Clímax o seu filme mais consensual em todos os aspectos, muito por culpa de se ter mantido longe de uma frivolidade que acompanhava Love, e se ter reaproximado da viagem que é Enter The Void.

“Clímax”, de Gaspar Noé

Clímax acompanha uma espiral de loucura alucinatória de um grupo de dançarinos fechados num ginásio ao som de uma banda sonora endiabrada naquela que é, para o espectador, uma experiência sensorial, sobretudo. Uma mistura de sexo, pornografia, drogas e loucura, meticulosamente estruturadas numa coreografia apoteótica. Enquanto Irrevérsible digladiava com a sua própria estrutura (cronologia inversa, nem sempre bem conseguida por Gaspar Noé), e os filmes mais recentes levavam a debater sobre o seu próprio conteúdo, é este Clímax, um filme que de uma teórica construção leva a uma desconstrução, que retiramos a obra mais coesa do autor francês.

A história é supostamente verdadeira, mas os nomes são outros. Ocorrido em 1996, este evento onde um grupo de dançarinos se juntam para dançar, conviver e gravar descamba com LSD na sangria que servia de bebida espiritual à festa. É o mote para que à tal construção se sobreponha uma desconstrução, numa cadeia de acontecimentos que se desenrola à medida que o LSD nos toma conta do raciocínio e os instintos deixam de ser ponderados, passando ao estado primitivo. Sem qualquer filtro entre o sexo e violência, a ambição pelo contacto seja ele de forma agressiva ou apaixonada, numa quase obsessão ou de desejo de possessão, Clímax é um festim para os olhos, para os ouvidos, e para o desejo.

Gaspar Noé em “Clímax”

Os planos sequência, a câmara invertida e o legado de um profissional provocador como é Noé estão lá todos. A leitura não é fácil, nem muito menos a definição do sentido ou orientação da obra. A espiral é destrutiva, o resultado é o que se pensa conseguir prever de uma obra que nasce de um desejo quase anárquico, mas ainda assim resulta num coreografado e bem conseguido resultado. Trata-se portanto de um dos filmes mais bem conseguidos em todos os aspectos, menos nos de representação de actores, mas não foi com esse sentido que o filme foi criado.

Num plano central da história temos sempre Selva (irónico?) com a elegante e selvagem (teria de se usar esta descrição) Sofia Boutella. O diálogo parte de uma sinopse dada por Gaspar a todos os actores e dançarinos. O importante não é o que é dito, mas sim o que é feito e a forma como é levado e transportado ao público por eles. Segundo o autor, foram apenas dados os motes de conversa, o necessário ao desenvolvimento e acção. O resto – e é aí que está a magia – sai directamente da natureza humana. Primária, selvática, louca, sexual e portanto, todos os condimentos que Gaspar Noé sempre ambicionou colocar numa obra sua, mas nem sempre da melhor forma. Até agora. Um videoclip musical e intratável, com tudo aquilo que o ser humano é.

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