“Clímax”: uma (nova) experiência sensorial de Gaspar Noé
Onde acaba a provocação e começa o conteúdo? Terá a arte de produzir conteúdo, ou sequer conter significado ou é-lhe bastante a sua concepção per si? A crítica de Cinema, ou a sua comunidade, quase “persegue” alguns dos enfants terribles do Cinema, retirando-lhes crédito por as suas obras não acompanharem, por vezes, um significado, uma linha clara de condução. O que não conseguimos qualificar assusta-nos e, por defeito ou feitio, temos a tendência a repelir o que não entendemos.
Mas, e o que não tem de ser entendido? E a experiência vivida enquanto tal? Gaspar Noé é já um dos irredutíveis habituais neste debate, mas provavelmente terá conseguido com este Clímax o seu filme mais consensual em todos os aspectos, muito por culpa de se ter mantido longe de uma frivolidade que acompanhava Love, e se ter reaproximado da viagem que é Enter The Void.
Clímax acompanha uma espiral de loucura alucinatória de um grupo de dançarinos fechados num ginásio ao som de uma banda sonora endiabrada naquela que é, para o espectador, uma experiência sensorial, sobretudo. Uma mistura de sexo, pornografia, drogas e loucura, meticulosamente estruturadas numa coreografia apoteótica. Enquanto Irrevérsible digladiava com a sua própria estrutura (cronologia inversa, nem sempre bem conseguida por Gaspar Noé), e os filmes mais recentes levavam a debater sobre o seu próprio conteúdo, é este Clímax, um filme que de uma teórica construção leva a uma desconstrução, que retiramos a obra mais coesa do autor francês.
A história é supostamente verdadeira, mas os nomes são outros. Ocorrido em 1996, este evento onde um grupo de dançarinos se juntam para dançar, conviver e gravar descamba com LSD na sangria que servia de bebida espiritual à festa. É o mote para que à tal construção se sobreponha uma desconstrução, numa cadeia de acontecimentos que se desenrola à medida que o LSD nos toma conta do raciocínio e os instintos deixam de ser ponderados, passando ao estado primitivo. Sem qualquer filtro entre o sexo e violência, a ambição pelo contacto seja ele de forma agressiva ou apaixonada, numa quase obsessão ou de desejo de possessão, Clímax é um festim para os olhos, para os ouvidos, e para o desejo.
Os planos sequência, a câmara invertida e o legado de um profissional provocador como é Noé estão lá todos. A leitura não é fácil, nem muito menos a definição do sentido ou orientação da obra. A espiral é destrutiva, o resultado é o que se pensa conseguir prever de uma obra que nasce de um desejo quase anárquico, mas ainda assim resulta num coreografado e bem conseguido resultado. Trata-se portanto de um dos filmes mais bem conseguidos em todos os aspectos, menos nos de representação de actores, mas não foi com esse sentido que o filme foi criado.
Num plano central da história temos sempre Selva (irónico?) com a elegante e selvagem (teria de se usar esta descrição) Sofia Boutella. O diálogo parte de uma sinopse dada por Gaspar a todos os actores e dançarinos. O importante não é o que é dito, mas sim o que é feito e a forma como é levado e transportado ao público por eles. Segundo o autor, foram apenas dados os motes de conversa, o necessário ao desenvolvimento e acção. O resto – e é aí que está a magia – sai directamente da natureza humana. Primária, selvática, louca, sexual e portanto, todos os condimentos que Gaspar Noé sempre ambicionou colocar numa obra sua, mas nem sempre da melhor forma. Até agora. Um videoclip musical e intratável, com tudo aquilo que o ser humano é.