“Crente”, o triunfo de Luana do Bem

por João Estróia Vieira,    16 Novembro, 2024
“Crente”, o triunfo de Luana do Bem
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Já na estrada com “Crente”, o novo solo de Luana do Bem com uma série de datas esgotadas (levando a datas extra em Lisboa também elas já sem bilhetes disponíveis) é um triunfo do stand-up em Portugal, destacando-se tanto pelo conteúdo quanto, sobretudo, pela execução impecável da humorista. Cirurgicamente escrito, o texto vai muito além da simples coleção e recital de histórias engraçadas. Há um conjunto de ligações pensadas com inteligência, que explora ângulos inesperados e amplia o alcance da palavra escrita. O resultado, num todo, é coeso.

Ao invés de se apoiar em episódios aleatórios ou dispersos, a Luana do Bem traz-nos uma série de histórias pessoais (verdadeiras ou não, deixa-se ao critério ou “à crença” de quem as ouve) que partem sempre de um ângulo ou premissa cómicas nas dinâmicas sociais com que a humorista se debate/debateu. Essa estrutura narrativa cria um fator extra de ligação, a proximidade já existente entre o público e uma artista que — à falta de melhor palavra — tem o dom de ser likeable junta-se a um texto que nos aproxima da sua própria vida e dinâmica pessoal e familiar.

Outro ponto de destaque no solo é a sua capacidade de complementar as palavras com a interpretação em palco. Luana transforma cada frase em algo visual e, portanto, próximo, com uma presença de palco que dá corpo e expressividade às histórias que conta e que resulta no momento alto do solo. Falo da história sobre a sua participação num programa de televisão onde Luana, habilmente, mimetiza inicialmente ir ao telemóvel buscar cábulas sobre a comunidade LGBT, sobre a qual não se sente à vontade em falar por achar que não tem conhecimento suficiente. Segundos mais tarde, Luana é confrontada com uma questão que não sabe responder, pausa e volta a curvar-se a fazer o gesto de ter voltado ao telefone. É um momento de desespero cómico (para nós, sendo que para ela será só desespero) onde, para o público, Luana não teve de dizer nada, sendo que o silêncio e o seu mimetizar da repetição da ação trabalharam o humor do momento que resultou em inevitável e bem audível gargalhada geral. A sua interpretação desta cena e o timing perfeito da ação, por si só, eleva o episódio a um dos momentos mais memoráveis do solo. Não foi preciso texto adicional, bastou a repetição de um gesto “no ponto”.

Ressalvo ainda o bit “Eu estive lá” sobre a Casa dos Segredos, ou melhor, um rant sobre a Casa dos Segredos. Um momento de puro riso com a enumeração de vários momentos eternizados nas redes e na nossa cultura popular que a Casa dos Segredos já deixou nos últimos muitos anos. Mesmo que não se veja o programa, conhece-se muitos desses tesouros da nossa história televisiva aqui revisitada pela Luana do Bem, que, em “Crente”, eleva ainda mais o seu estatuto no Humor em Portugal, mostrando-se como uma humorista completa, acessível e que domina tanto a palavra quanto a sua interpretação, criando um espetáculo que transcende o riso fácil.

Com este solo, Luana não só conquista o riso do público, mas também o respeito pela sua capacidade de transformar histórias pessoais em momentos de pura explosão cómica, para deleite de quem foi afortunado o suficiente para conseguir bilhete para a poder ver ao vivo.

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