cupcakKe entrega mais uma mistura confusa entre a música e o riso nervoso
Elizabeth Harris – ou cupcakKe, a rapper – é um entre muitos casos que emergiram para a fama por via de uploads no YouTube. Foi na plataforma que, com apenas 15 anos, lançou o primeiro videoclipe, cuja viralidade a levou a prosseguir o caminho musical. Sucede que esta viralidade, que se tornou ainda maior com o lançamento de “Deepthroat”, mais do que se prender à qualidade musical, vem da obscenidade fluída com que Harris se expressa. E se por vezes a vulgaridade vem por necessidade e vontade de reclamar a mulher enquanto ser sexual, muitas vezes acaba por ser só um compêndio de rimas de ponta da língua, cujas metáforas e comparações fazem questionar se ouvimos música composta para ser genuinamente apreciada ou uma versão mais atrevida de musica humorística.
Após um par de mixtapes e outro de LPs – em que o último dos quais, Queen Elizabitch, conteve tanto “CPR”, erótica sobre uma batida caribenha, como “Biggie Smalls”, um hino ao amor próprio – cupcakKe repete o processo em Ephorize, um mix de músicas que oscilam tematicamente entre o aplaudível e a fantasia de uma criança pré-pubescente. O álbum abre com o género de canção que teria feito dele algo muito superior àquilo que acaba por ser. “2 Minutes”, não apresentando cupcakKe com menos pujança e agressividade no flow que se tem tornado a sua imagem de marca, é mais gentil na sua abordagem, enquanto transmite uma mensagem de resiliência e restauração da auto-estima. Da mesma forma triunfam “Wisdom Teeth”, que, em termos de produção, difere do tema previamente falado – a par de “Navel”, lembra “Mask Off” de Future, com os sopros utilizados – e que celebra a rapper enquanto liricista, defendendo uma humildade que parece ter sido esquecida no género musical em que se insere; e ainda “Self Interview”, que sobretudo revolve em torno dos critérios dúbios usados para julgar a forma das mulheres encararem a sua sexualidade.
Contudo, mais que temas como os descritos – que se destacam tanto pelas mensagens que transmitem, como pela produção original – há um conjunto de musicas que parecem ir buscar a batida aos hits de verão de 2013 do DJ Mustard (com “Post Pic” e “Exit” a soarem previsíveis) ou procurar reproduzir esta nova hype sobre ritmos centro e sul-americanos, adaptando reggaeton e funk. Um exemplo desta última abordagem é “Crayons”, o que é um infortúnio, pois a celebração da igualdade e direitos LGBT que apregoa – e que contrasta com a homofobia e misoginia constantes num universo de hip-hop predominantemente masculino – acaba por ser ofuscada pela cafonice dos saxofones sugestivos de uma música de Pitbull.
Sobreposto a isto, está também o já referido carregamento de gíria sexual sobrepujante à matéria de conteúdo. Temas como “Duck Duck Goose” e “Spoiled Milk Titties” não fazem Harris brilhar em nenhuma vertente – criam apenas conversa em torno do seu nome, o que, inadvertidamente, traz consigo atenção. É importante compreender que fazer musica “sex positive” não é sinónimo de atabalhoar umas rimas ordinárias sem complexidade de articulação; ser “sex positive”, de um ponto de vista feminino, defende a reivindicação do corpo e voz da mulher. Celebrá-lo não equivale a banalizá-lo, e podemos vê-lo ser feito correctamente nas palavras de SZA (“Doves in the Wind”), Princess Nokia (“Tomboy”) ou, ainda num meio mais mainstream, Rihanna (“Sex With Me”). O que cupcakKe está a fazer com criações desta natureza, tem Peaches vindo a fazer há muitos anos, com uma perícia e uma criatividade superiores.
Ephorize tem os seus momentos. Uns melhores que outros, e outros desnecessários. Mesmo que nos seus piores momentos traga, diga-se, diversão, para uma recorrente audição do álbum apresenta-se inconstante e não propriamente cativante para alguém que procure ouvir música com conteúdo consistente. De Harris, ficamos então a aguardar um álbum em que resolva virar os seus esforços para aquilo que de melhor faz, em vez de sucumbir à controvérsia.