Da depressão à revolução
Do silêncio eu faço um grito!
Quando uma pessoa não se sente amada, naturalmente deprime-se. O Coimbra de Matos diz-nos num artigo de 1983 publicado na revista Análise Psicológica (disponível aqui) que a depressão é tanto mais grave e profunda quanto mais precoce e intensa foi a separação do Eu dos seus desejos. Ou seja, quando vivemos num império de deveres ou de direitos, sem espaço para a espontaneidade e para o desejo. A pessoa priva-se. Castra-se. Não há liberdade.
O Coimbra de Matos dizia-nos que para que alguém seja capaz de sair de um estado depressivo é preciso zangar-se. A tristeza, emoção básica por detrás da depressão, convida-nos a um estado de inacção, tira-nos a voz e viramo-nos para dentro. Por outro lado, a raiva convida-nos a acção, a virarmo-nos para o exterior e a ganharmos voz. Devolve-nos a liberdade. Só se zanga quem tem energia. Num lugar de letargia emocional, não há energia. A zanga invoca um confronto, seja connosco, seja com um outro. A zanga invoca o diferente, algo que se opõe ao resto.
Quando nos zangamos com o nosso estado depressivo, saímos da inacção e passamos a colocar as coisas em movimento. Criamos uma revolução. Essas coisas podem ser emoções, ideias, crenças, lugares ou pessoas. A depressão ou um estado depressivo é como se fosse uma jaula, onde aprisionamos o nosso Eu, dele próprio, do mundo, dos outros e do exterior. Do silêncio da letargia emocional é preciso soltar um grito, recuperar-se a voz, respeitar-se o Eu e ver o Outro e o mundo. Zangamo-nos com uma parte de nós e damos voz a todas as outras partes. Estas outras partes precisam de ressignificar a vida, de voltar a ganhar propósito, de reestruturar.
E é gradualmente que saímos da nossa jaula, que vamos progressivamente voltando a um Eu mais inteiro, mais cuidado e mais ouvido. Por Nós e pelos Outros. Em relação consigo e também com o mundo.