“Deep Wave Data Dark Web Daemons”, de Trevor Something: amor de verão no ciberinferno
Trevor Something chega para Deep Wave Data Dark Web Daemons mais pesado e mais sombrio, como transmitem a capa do álbum e a verbosidade do título. O romance, a tecnologia e as referências aos anos 80 continuam a ser parte do seu estilo, mas, desta vez, as ideias não tomam vez, vão misturadas para o forno e quando saem é adicionado um véu de trevas e diabos que torna a experiência numa espécie de caverna escura no Sillicon Valley do inferno onde os demónios se juntam para sexo — todavia, sem desistir da sua veia veranil, Trevor ainda nos conta como se apaixona lá.
Este novo álbum é um passo em frente em relação a último disco, Microwaves (lançado há menos de um mês), caracterizado por uma maior monotonia. Os dois álbuns apenas se distinguem pelos temas principais e pelo som mais soturno de Deep Wave Data Dark Web Daemons, ainda que as faixas finais de Microwaves já caminhassem nesse sentido.
Deep Wave Data Dark Web Daemons abre usando nuances do trap em “Devil in Disguise”. Começa a mostrar o caminhar do artista para esta prometida nova experiência, ganhando no final uns reverses típicos de música com estes temas. Um refrão bem construído e uma melodia extraordinariamente bem integrada são o atrativo e perfazem uma bela entrada. Do nada, com “Enter the Demon”, música altamente rítmica, estamos no synthwave que define o início da discografia de Trevor, o que se mantém até esta ficar mais agressiva com os filtros na voz que a puxam para o centro temático do álbum. “Cybersex” indica que Trevor já entrou no jogo da sedução, foi levado pelo súcubo. A letra é explícita, ainda que sem o uso de palavras fortes. O tratamento da voz está inconsistente, porém, o instrumental astutamente temporizado e o enquadramento temático acrescentam valor à faixa.
“God’s Greed” é uma continuação narrativamente importante para “Cybersex”, onde o vigor sexual se esgotou e abriu caminho para a submissão do afeto. A letra é das mais bem conseguidas, as teclas que alternam com as secções vocalizadas estimulam a música e a oscilação é um destaque. “Machina” parece resultado de Björk e Jamiroquai no inferno dentro de uma televisão com estática. A respiração de fundo dá-lhe um toque interessante, mas o instrumental tem dificuldade em progredir e fica-nos pouco sem ser a abrasão do refrão.
E a partir daqui tudo muda. Temos descanso em “Infinite Nothing”, o tempo baixa significativamente, instala-se o minimalismo e há mais momentos a sós com o instrumental. A pausa no refrão vai connosco e a manipulação dos sons que caem por cima é muito bem conseguida. “Dream Sequence” é o interlúdio e sabe a um exorcismo suave, mas dos bons. Quando nos preparávamos para mais agressividade depois da pausa que formam as duas últimas faixas, subitamente, o álbum desiste e volta ao típico som do músico, no estilo de Ultraparanoia (2018). O problema é que esta parte vence, a nova sonoridade não é competição para os sons habituais, e, ainda para mais, estão aqui com mais impacto do que os lançamentos recentes do artista — a confusão está garantida.
“The Ghost” é quase angelical. A progressão é mágica, a melodia está sabiamente escondida no refrão, os coros e os pads dão as mãos perfeitamente, a ressonância é um mimo. Há pouco para não gostar nesta faixa, que é também o single. “Deep Inside” chega tranquila do final de “The Ghost” e estabelece-se com um refrão contagiante e uma percussão convicta. O pano de fundo sonoro está um pouco sobrecarregado e por vezes interfere na fronte, mas nunca tira mérito à faixa nem atrapalha a prestação vocal bem entregue. O final traz uma melodia de alta frequência que arranha positivamente e invoca glória quando assenta por cima das teclas de piano e do vento no fim. Colando ao final ventoso de “Deep Inside”, vem a chuva com violino de “Are You There?”. Apesar de mais monótona, “Are You There?” vem dar uma apta conclusão à obra. A dicção não é ideal, mas o ciclo do instrumental sabe levar-nos para o planalto final da experiência, sobretudo com a elevação que proporciona o último minuto e meio. “Selling My Soul” (que infelizmente não vem nas edições físicas do álbum) serve de créditos finais. Mais uma melodia bem trabalhada, mais um bom refrão e as melhores transições do álbum.
Ao contrário de discos passados, Trevor consegue exprimir mais variedade nas músicas mais sensíveis. O álbum muda de figura à medida que avança, perdendo as características diabólicas e voltando ao normal, o que revela que a direção da restante lista de músicas foi uma inovação que ficou a meio. É bom ver que a frequente discografia está a tentar divergir por novos caminhos, a preencher novos espaços, mas não que se perde quando o faz. Há que apontar que a estrutura das músicas não varia muito: início brando e seco, refrão curto e cíclico, nova melodia ou filtragem no final, regresso total ao refrão e corte de tracks progressivo; que o cantar de Trevor continua a ser cansativo em ambiente de álbum; e que a letra mantém-se pouco comunicativa.
Trevor Something está a perder-se um pouco na sua vasta discografia, demasiados lançamentos parecem dividir o valor e a novidade cada vez mais. Os últimos trabalhos, menos inspirados, culminaram nesta tentativa de fuga, mas Trevor ficou a meio caminho, com metade do corpo preso na areia movediça onde se amontoam os numerosos álbuns. Quando essa âncora for levantada haverá novo alento e, até lá, podemos sempre contar com momentos ocasionais da genialidade do costume. No final de contas, fica-nos um álbum forte com “The Ghost”, “Deep Inside” e “Devil in Disguise” a liderar, mas sem esquecer “Are You There?” e “Selling My Soul”, pelo outro lado, “Machina” e “Cybersex” ficam mais aquém. As músicas mais lentas estão muito à frente de tudo o que o artista lançou de semelhante e isso é um avanço. Nota-se o cansaço criativo, mas é difícil negar o valor de Deep Wave Data Dark Web Daemons.