Destroyer, despido em ‘Ken’
Ken é o último dos (já) 12 álbuns de Destroyer, e o que mais se assemelha a um dos melhores álbuns da banda, Kaputt, para sempre indissociável do grupo. O nível de sensibilidade a que Ken nos expõe é tão elevado, que assusta. A abertura de “Sky’s Grey”, com a sua batida tímida, deixa que Dan Bejar brilhe em toda a sua magnificência, informando-nos que esteve a preparar o novo Oliver Twist. A canção aumenta as expectativas para as músicas que se advinham, até ao fade out que poderia prolongar-se infinitamente. Assim sabemos que o que se segue é bom.
As letras de Bejar são únicas. De tão simples podem, sem grande prejuízo para o ouvinte, ser entendidas como pessoais ou como crítica social. Este jogo lírico não está ao alcance de todos, e o acompanhamento musical, muitas vezes mínimo, nu e despido do instrumental, realça a sinceridade e crueza destas letras. “In the Morning” abre com bateria e uma distorção que acompanha toda a faixa até à frase final: “Bands sing their songs and then disappear into the rhythm of the night”, em que o vocalista se refere à efemeridade das bandas no panorama atual. A atitude, segundo ele, deve ser de aceitação, de modo a conseguirem aproveitar a viagem.
“Tinseltown Swimming in Blood”, “Cover from the Sun” e “Saw You at the Hospital”, são canções que nos oferecem imagens quase cinematográficas, e esta é, em grande medida, a beleza de Ken. Permite-nos viajar, durante as suas músicas, para um universo efabulado e visualmente apelativo. Especial ênfase para “Saw You at the Hospital” e a sua mágica história acompanhada ao piano. A sua dinâmica acompanhada de saxofones espaçados e batidas pouco pronunciadas poderia passar como foleira. Contudo, tal não acontece, pois a produção cuidada não o permite.
A crítica social mais direta ocorre em “A Light Travels Down the Catwalk”: “Strike an empty pose/A pose is always empty”, sobre a alienação atual que, mal ou bem, toca a todos. Em “Sometimes in the World”, Dan informa-nos que há coisas pelas quais não pode pagar, por apenas ter dinheiro, e, com a segunda metade da música – apropriada para ser entoada ao vivo a acompanhar o artista – é inevitável concordarmos com ele. A guitarra de “Rome” acompanha a letra enigmática da faixa, e é muito este jogo que é realizado com as canções que se seguem.
O álbum não é para ser entendido ou intelectualizado, mas sim sentido. Só assim o assombro inicial se mantém, esquecendo o que é dito e atentando aos sopros e distorções da guitarra. A atmosfera é muitas vezes pouco clara e ansiosa, como a banda pretende, sendo exemplo disso “Stay Lost” e, num registo mais eletrónico, “La Regle du Jeu”, que finaliza o álbum.
A dificuldade em colocar os 44 minutos de Ken numa caixa estilística evidencia a singularidade do álbum. Estamos perante uma subversão da pop, com vestígios de música eletrónica e, eventualmente, ambiente. Felizmente, não é nenhum desses estilos, mas sim uma combinação melódica e aparentemente simples, que resulta num álbum que tão depressa não desaparecerá. A banda estará presente no festival Vodafone Mexefest, a decorrer na Avenida da Liberdade, em Lisboa, entre 24 e 25 de Novembro.