Dez anos de “It’s Blitz!”, dos Yeah Yeah Yeahs: o Outono também tem o seu encanto
Há dez anos atrás, alguns dias depois do lançamento de It’s Blitz!, Karen O, a vocalista dos Yeah Yeah Yeahs (YYY) deu uma entrevista em que afirmava que a banda tinha chegado ao Outono da sua carreira. It’s Blitz! sucedia a dois projectos que os estabeleceram como uma das grandes bandas de rock da primeira década do século XXI. Depois de o ouvirmos, percebemos o que O queria dizer. É um álbum onde se ouvem vários temas melancólicos, sendo o projecto mais emocional da banda, que se afasta da estética sonora dos seus primeiros trabalhos. No entanto, a energia que caracteriza a banda continua a transparecer, mais transfigurada e madura, e It’s Blitz! destaca-se pela evolução que denota na progressão sónica dos YYY.
No início da sua carreira, o que separava esta banda nova-iorquina da concorrência era o facto de serem uma das bandas de rock mais distintas do revivalismo garage rock desta época. Ostentavam um som cru, com riffs curtos e pesados, e uma prestação vocal versátil de O, que tanto podia ser selvagem e imprevisível, como contida e sincera. Fever to Tell, o seu primeiro álbum, introduziu um trio de misfits energéticos que conseguiram canalizar essa energia para possantes temas como “Date with the Night”, “Black Tongue” e “Rich”, ou belíssimas baladas como “Maps”. A palavra-chave aqui é emoção e, qualquer que fosse o ambiente, os YYY tinham-na para dar e vender, algo que ficou especialmente claro na sequela Show Your Bones. Mas enquanto que esse álbum pouco se afastava da estética de Fever to Tell, It’s Blitz provou que os YYY são mais do que uma (muito) boa banda de rock.
O álbum foi a passagem da garagem para o estúdio, literalmente: foi um álbum pensado e criado praticamente todo em estúdio, algo cada vez mais raro. Na maioria dos casos, é um sítio para gravar ideias já cimentadas e desenvolvidas, mas para os YYY foi o local de criação. Este método pouco usual traduziu-se numa abordagem mais polida da banda à escrita de músicas e numa caminhada que os levou para universos sonoros que não esperavam. A surpresa foi para todos e é impossível não referir a influência de um mundo mais digital no rock analógico que a banda apresentou noutros tempos, começando pela potente “Zero”, que inicia a viagem musical com um rombo eléctrico penetrante que se mantém resoluto, sem nunca ser demais. Esta divagação enalteceu as qualidades da banda sem nunca suplantar o que veio antes.
Ainda assim, há momentos em que os YYY mostram versões mais trabalhadas de algo dos seus trabalhos anteriores. “Dull Life” começa calma, mas transforma-se numa malha rápida e cheia de genica, e “Shame and Fortune” não destoaria de um híbrido entre Fever to Tell e Show Your Bones. Mas, quando chegamos a “Dragon Queen”, é como se “desbloqueássemos um novo nível”: é algo diferente para a banda, desde a guitarra envolta em delay até à melodia alterada de O, é um passo em frente inesperado mas bem-vindo. Já “Heads Will Roll” é diferente, mas enquadra-se na estética dos YYY. Tem o mesmo ímpeto que qualquer uma das malhas dos álbuns anteriores, simplesmente troca o mosh pit pela pista de dança, fazendo-o de forma triunfal, com a voz poderosa de O a comandar ordens de dançar até morrer, às quais obedecemos cegamente.
E, finalmente, aquela capacidade que O e companhia têm para criar músicas que se alojam nos locais mais profundos da nossa alma e despertam sentimentos belos, íntimos, nossos. It’s Blitz! é sem dúvida o palco onde o fazem melhor. “Soft Shock” é um dos destaques, apesar de atrasar a pedalada do álbum nos seus primeiros momentos de arranque – algo que desculpamos de bom grado. Sob um ambiente electrónico estéril com sintetizadores graves que se sobrepõem a tudo na mistura, O canta mais alto e a sua voz traz toda a emoção necessária à música, tristonha e derrotada. “Skeletons” vai mais longe. É esparsa e atmosférica, com a voz de O como a peça central na música e baquetas a imprimir um movimento marchado e resoluto. Já “Hysteric” vive no espectro oposto: há uma leviandade associada à música, uma epifania amorosa em que percebemos que não há nada nem ninguém que nos complete como a nossa cara-metade, em que nos deixamos levar pela música, de olhos fechados e coração aberto.
O álbum termina com “Little Shadow”, um dos momentos mais vulneráveis e tocantes de todo o projecto, uma balada progressivamente mais complexa em que a entrega de O não se altera, mantendo-se tímida e contida. “To the night, will you follow me?”, ouvimo-la perguntar. Assim se despedem os YYY, terminando o álbum de forma perfeitamente digna e adequada, e convidando a que os sigam em direção ao futuro, em direção a novos horizontes. It’s Blitz! foi um ponto de inflexão na carreira dos YYY. Foi um momento de extrema sinceridade emocional e um aprimorar de uma caminhada que ainda hoje tem repercussões no panorama musical, uma viagem surpreendente para a banda e para os seus fãs. Dez anos depois vale a pena recordar esta bela obra de arte, que prova que o Outono também tem o seu encanto.