Diane Kruger: ‘[In the Fade] é um filme sobre neo-nazis na Alemanha, mas podia ser sobre jihadistas’
Prepare-se para ser desafiado de uma forma radical. No novo filme de Faith Akin, Uma Mulher Não Chora, exibido em maio passado na secção competitiva do festival de Cannes e finalmente nas nossas salas, seguimos o destino da personagem de Diane Kruger depois de acordar do trauma em que o marido turco (Numan Acar) e o filho de seis anos perderam a vida num ataque terrorista por um casal neo-nazi.
Akin confronta-nos mesmo com esse lugar onde somos perturbados e assaltados mesmo por um sentimento de vingança. Algo que apenas equacionávamos em termos psicológicos, acaba por assumir uma forma real. Pode ser perigoso colocar as coisas nesta perspetiva, mas em todo o caso este filme poderoso faz-nos refletir no mundo em que vivemos.
Enconrámo-nos com Diane em Cannes, a poucas horas de receber a Palma de Prata para Melhor Atriz dos filmes em competição no festival. Pela energia e força que destila, em cada cena, já quase que antecipávamos este resultado. Um prémio bem merecido por uma performance devastadora desta atriz de origem germânica mas aqui a fazer o seu primeiro filme alemão.
Apesar de ser alemã de origem, este é o seu primeiro filme falado em alemão, certo?
Sim é verdade. Saí da Alemanha quando era ainda muito jovem, teria uns 15 anos. E não era atriz sequer nessa altura. Por isso, estava há muito tempo à espera deste filme. É quase um paradoxo que aconteça esta primeira exibição aqui em Cannes. Conheço os filmes do Fatih há muito tempo. Marcaram a minha geração.
De resto, conheceu o Fatih aqui em Cannes, não foi?
É verdade, conheci-o em Cannes há alguns anos. Nesse sentido, o filme foi concebido aqui.
Como sentiu a reação do público?
Senti o amor. Mas senti-me aliviada, porque este não é um filme fácil. Senti também um profundo sentido de apreciação, porque coloquei tudo neste filme. Não quero saber se ganha ou não algum prémio. Eu saltei desse precipício. Esta dedicação é algo que carrego comigo há muito tempo. De certa forma, algo muito pessoal.
Claro que este filme tem um tema muito forte, algo que afeta toda a gente. Como foi enfrentar as escolhas com que se depara esta personagem?
Eu sabia disso quando li o guião, mas como atores não podemos julgar a nossa personagem. Temos de nos fundir nela, temos de andar nos sapatos dela. Neste caso, propomos algo e o público pode aperceber-se, refletir e decidir o que faria nessas circunstâncias.
Deixou Hamburgo para seguir uma carreira de modelo. Sentiu aó alguma ligação com a representação?
Não, isso é apenas vestir umas roupas. Gosto da profissão de manequim, mas isso não é apenas vestir e fazer pose, não estamos a representar. De certa forma é até o oposto da representação. Fazemos pose para a câmara e assumimos uma atitude sexy. Mas é aí que nos sentimos menos naturais e vulneráveis. Quando mais mostrarmos as nossas falhas, melhor será.
De que forma operou essa transformação na personagem e onde encontrou esses sentimentos de dor e vingança?
Eu sofri ao longo da minha vida e senti tristeza. Preparei este filme ao longo de muito tempo. Estive em Hamburgo durante dois meses antes de começar a filmagem, mas quando percebi que as coisas estavam a mudar foi quando conheci mulheres que perderam maridos e muita gente que perdeu os seus filhos em crimes muito violentos. Ainda sinto isso, é muito difícil de descrever. É uma energia que estas pessoas carregam. Como conseguem lidar com essa perda que é tão poderosa que não podemos voltar as costas e não deixar de a carregar. Alguns perderam os filhos os entes queridos e nunca viram os seus corpos. Todos disseram que o mais difícil era não poderem despedir-se… (nesta altura, não consegue evitar a emoção e as lágrimas nos olhos).
Este é um filme sobre o aumento da violência e o racismo. É também um filme muito político. Sentiu-se bem a tocar nesses temas?
Claro que há um ponto de vista político. Este é um filme sobre neo-nazis na Alemanha, mas poderia ser sofre jiadistas. Poderia ser sobre qualquer outro tipo de crimes de ódio. O ataque é apenas o que acontece. Mas para mim, o filme é sobre aquilo que fica para trás. E como conseguimos viver com isso. Vivemos num mundo onde estas coisas terríveis tornam-se números e imagens horríveis que vemos durante dois dias. Ninguém fala sobre as pessoas que ficam para trás. Talvez por isso tenha sentido tanta empatia sobre a minha personagem.
Entrevista de Paulo Portugal, em Cannes, em parceria com insider.pt