Doclisboa 2019 com homenagem a Sophia de Mello Breyner, Daniel Johnston e D. A. Pennebaker
Mais confirmações na programação de Heart Beat sugerem um olhar mais aproximado para o reino não só da música, mas também da literatura e do documentário ‘rock’ e o papel essencial que retêm.
Daniel Johnston, o músico de culto norte-americano, que (nos en)cantou (com) as suas doces melodias, com as suas canções de poesia do mundano, faleceu a 11 de Setembro deste ano. A influência de Johnston no mundo da música não só é evidente, como prevalecerá: a sua voz, a sua música marcaram – e irão certamente marcar – gerações de artistas. Assim, em homenagem a este músico, o doclisboa programou uma sessão especial, integrada na secção Heart Beat.
Nesta sessão, será exibida a curta-metragem de Gabriel Sunday, Hi, How Are You Daniel Johnston, um verdadeiro documento biográfico, germinado de uma entrevista íntima com o músico, que reencontra e junta o artista não só aos seus sonhos mais expansivos, mas também às personagens do seu passado; e o filme-concerto de Antony Crofts, The Angel and Daniel Johnston – Live at the Union Chapel, que celebra Johnston num dos momentos mais aclamados da sua carreira.
Da poesia da música de Johnston, à poesia de Sophia de Mello Breyner. Um dos filmes mais aguardados desta secção é indubitavelmente a Estreia Mundial de Sophia, na Primeira Pessoa, de Manuel Mozos. Um documentário que traz a escritora, um dos maiores e mais premiados ícones da literatura portuguesa, ao local onde a memória social se encontra com um intenso trabalho de pesquisa. Do Porto a Lisboa, da Granja a Lagos, do Mar Atlântico ao Mediterrâneo, da Grécia ao 25 de Abril, viajámos pelas paixões e decepções de uma vida e obra dedicadas à busca pelo real, a liberdade e a justiça. Um filme possuído pela mais bela melancolia, que nos mostra quem foi Sophia: a mulher dentro da poeta cuja missão era “olhar, ver e dizer que viu”.
Fechando a programação Heart Beat, o mundo do cinema é celebrado com a homenagem ao trabalho de D.A. Pennebaker, com uma cópia restaurada de Don’t Look Back, um retrato de cinema verité que revê Bob Dylan durante a sua digressão por Inglaterra em meados dos anos 60. Recentemente falecido, Pennebaker filmou desde David Bowie a John F. Kennedy, e viria a fazer um contributo fundamental não só para a constituição da iconografia de vários músicos – a de Dylan talvez a mais marcante -, mas também para a história do documentário cinematográfico.
Baudelaire, Blaufuks, entre outros na secção Da Terra à Lua
Da Terra à Lua completa a sua programação da 17ª edição do Doclisboa. O Doclisboa anuncia Un Film Dramatique, de Éric Baudelaire, depois da sua notável passagem pelo Festival de Locarno (Selecção oficial) e pelo TIFF, este ano. Um filme que dialoga com as intuições criativas de vinte alunos da escola Dora Maar nos subúrbios parisienses naquele que foi um projecto experimental que reúne quatro anos de trabalho. Humoroso, intimista e elucidativo, o filme de Baudelaire debate a urgência de questões como etnia, descriminação, entre outras representações variadas de poder e identidade, enquanto uma geração que cresceu com selfies e YouTube se debate com a natureza colaborativa do cinema, dentro do qual se vêem tornar autores das suas próprias vidas.
O festival anuncia igualmente três estreias mundiais, de três produções portuguesas.
Pierre-Marie Goulet regressa três anos depois de Antes das Pontes, para um filme que evoca a permanência silenciosa da cultura muçulmana na cultura portuguesa, na sua procura pelo sentimento de uma analogia subterrânea em imagens e sons. A partir de dados topográficos e culturais portugueses e turcos, O Último Sonho – Além das Pontes tece os laços entre dois universos aparentemente tão distantes um do outro.
Segue-se uma nova versão de Judenrein, de Daniel Blaufuks. Um trabalho pessoal de dez minutos, que resgata imagens amadoras de uma velha bobine de cinema da década de 80, obtida no e-bay, e que vem a examinar a história de uma pequena aldeia polaca, constituída na sua maior parte por população judaica, agora desaparecida no rescaldo do seu retorno de campos de concentração.
Sonhámos um País, de Camilo de Sousa e Isabel Noronha, ilustra (e denuncia) a história dos campos de reeducação, em Moçambique. Um filme que analisa, nos dias de hoje, uma realidade pós-colonial pouco conhecida, onde o antagonismo da libertação pós-independência no país é fortemente explorado através da utilização de arquivos fílmicos de Camilo de Sousa (captados, na altura, para a FRELIMO, com propósitos propagandísticos), em combinação com uma conversa entre Camilo de Sousa e Isabel Noronha.
Dentro deste mesmo quadro reflectivo, juntam-se 143 rue du désert, de Hassen Ferhani, um filme sobre uma mulher que recebe camionistas, sem-abrigos e sonhos no meio do deserto Argelino, que também se destacou na última edição do Festival de Locarno; Suzanne Daveau, de Luisa Homem, que traça o esboço de uma mulher aventureira que atravessa o século XX, até aos dias de hoje, guiada pela paixão da investigação geográfica; e Zustand und Gelände, galardoado no Festival de Marselha com o prémio para Melhor Primeiro Filme, de Ute Adamczewski, que procura representar a ‘custódia protectiva’ e debruça-se sobre a supressão e resistência de oposição política, experiências traumáticas, através de uma grande amplitude de materiais de arquivo.
A concluir, dois filmes: Adolescentes, de Sébastien Lifschitz, – cuja estreia mundial se deu na Semana da Crítica do Festival de Locarno – pinta um retrato raro de França e da sua história recente na sua ilustração de duas adolescentes que, dos 13 aos 18 anos, sofrem transformações radicais que marcam as suas vidas diárias para sempre; e La Vida en Común, um filme de Ezequiel Yanco, que cria um discurso que mistura a História com pequenas histórias, contornando identidades complexas em primeiro plano numa comunidade indígena no norte da Argentina.