“Drácula”: do entusiasmo ao desastre

por João Miguel Fernandes,    10 Janeiro, 2020
“Drácula”: do entusiasmo ao desastre
Drácula / Fotografia de Robert Viglasky
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Quando Steven Moffat e Mark Gatiss, criadores da série “Sherlock”, anunciaram uma série sobre Drácula, os seus fãs ficaram loucos, embora as últimas temporadas de Sherlock tenham sido um pouco criticadas. Criada em 2010, Sherlock, a série protagonizada por Benedict Cumberbatch e Martin Freeman é uma das mais populares dos últimos anos.

Existem mil e uma adaptações da famosa obra de Bram Stoker ao pequeno e grande ecrã, mas esta adaptação de Moffat e Gatiss é diferente de todas as outras. Dividida em três episódios, esta adaptação percorre vários séculos, cidades e personagens secundários, que vão desde freiras de um convento de Budapeste a um jovem médico de uma Londres actual. A série tem logo à partida vários problemas de narrativa, mas como ponto forte conta com dois excelentes personagens e interpretações, nomeadamente Claes Bang como Drácula e Dolly Wells como Sister Agatha (ou Van Helsing). Os problemas com a narrativa não afectam muito a qualidade do primeiro episódio, que é de longe o melhor, mas começam a surgir como um problema no segundo e arruínam completamente o terceiro.

Drácula / Fotografia de Robert Viglasky

O primeiro episódio retrata a viagem do advogado Jonathan Harker (John Heffernan) um castelo na Transilvânia. Maioritariamente contado através de flashbacks, a narrativa inicial é interessante e cativante, principalmente graças ao desenvolvimento do personagem de Drácula e à excelente personagem de Sister Agatha, claramente a melhor personagem do primeiro episódio. Após se instalar no castelo e conhecer a pessoa que o contratou, Harker começa a perceber que vai ser difícil sair do castelo e regressar à sua amada Mina. Ao longo do episódio, Harker é vítima de estranhos pesadelos que lhe tiram as forças enquanto Drácula começa a rejuvenescer cada vez mais.

O mais surpreendente neste primeiro episódio é o equilíbrio entre terror/horror e comédia. Tanto Drácula como Sister Agatha têm excelentes diálogos que nos remetem imediatamente para o mundo misterioso de Sherlock. Existem também momentos de puro horror, tanto psicológico como visual, que nos levam para um mundo tenebroso. A nível de realização há também muitos pontos positivos. Estamos perante uma obra cuidada do ponto de vista de planos e houve claramente ambição de criar algo diferente e de grande qualidade. O realizador deste episódio, Jonny Campbell, tem aqui momentos de mestria, algo que já nos habituou em Westworld e Doctor Who.

Drácula / Fotografia de Robert Viglasky

O personagem de Drácula é brilhante em certos momentos. Claes Bang conseguiu personificar da melhor forma este personagem carismático, adicionando-lhe um toque de sensualidade tão necessário quanto o lado monstruoso do personagem. O equilíbrio do personagem no tom cómico, de horror e sexual da-lhe bastante profundidade, sendo sem dúvida um dos pontos altos da série.

O segundo episódio destapa um pouco mais os problemas narrativos/de argumento do primeiro: soluções à última da hora para qualquer problema e twists que parecem lógicos, mas que no fundo são apenas caminhos fáceis para fugir de um argumento enrolado em si próprio. Este episódio segue a estrutura do primeiro no sentido em que é contado de uma forma similar, através de flashbacks, embora o cenário seja mais claustrofóbico. Toda a acção passa-se a bordo de um barco que segue para Londres. O objectivo de Drácula é começar a devorar presas com um maior grau intelectual e mais sofisticadas, daí ter escolhido Londres como destino. É neste episódio que a personagem de Sister Agatha brilha ainda mais, embora no final destoe um pouco daquilo que vinha sendo a sua personalidade base.

O segundo episódio tem vários toques de Agatha Christie, misturado com muitos momentos idênticos à série Sherlock. Embora tenha personagens secundárias interessantes, a sua conclusão é insatisfatória, muito graças aos problemas de argumento já referidos. Contudo, o personagem Drácula continua a brilhar e a crescer cada vez mais, isto até chegarmos ao terceiro e último episódio.

Drácula / Fotografia de Robert Viglasky

Para este terceiro episódio parece que alguém ignorou tudo o que tinha sido feito e quiseram apenas inventar algo diferente. Estamos perante uma terrível conclusão para uma série que estava a ser até aquele momento interessante. Antes de mais passamos do século XIX para uma Londres actual, onde estes personagens simplesmente não fazem sentido. Drácula parece quase uma figura de um filme cómico enquanto a personagem da Sister Agatha é substituída por uma descendente, mas a actriz é a mesma. Introduz-se dois novos personagens que em quase nada acrescentam para a narrativa e que estão pessimamente mal interpretados, Lucy (Lydia West) e Jack (Matthew Beard), além de toda uma panóplia de incongruências narrativas que só servem para ridicularizar tudo aquilo que tinha sido feito.

É difícil descrever o quão mau este último episódio é, e torna-se ainda mais complicado entender qual era a ideia dos seus criadores, já que tudo o que acontece roça o ridículo. Até a nível técnico tudo parece falhar. A realização de Damon Thomas é trapalhona e com uma péssima montagem.

Esta adaptação de Drácula é interessante em vários momentos e apresenta dois bons personagens nos dois primeiros episódios. É equilibrada e mantém-nos interessados com a sua comédia, horror e mistério, mas quando chegamos ao final do segundo episódio começamos a duvidar de tudo o resto resultando num terceiro que arruína totalmente a experiência. No fundo, estamos perante uma série que vive graças a dois personagens e alguns bons momentos, e isso não é simplesmente suficiente.

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