‘Drunk’, pequenos disparos musicais de destreza instrumental e composição apelativa
Thundercat. O nome que Stephen Bruner escolheu para si reflecte a mestria da sua arte, um relâmpago de enorme astúcia instrumental canalizado pelo seu imponente baixo de seis cordas. O seu percurso é caricato e as influências variadas: antes de se embrenhar na fusão de jazz, funk e neo-soul que hoje ostenta, o artista fez parte da banda de metal Suicidal Tendencies onde esteve durante nove anos. Além do seu trabalho como baixista nesta banda, Stephen também se destacou como músico de sessão em vários projectos aclamados: o seu maior contributo foi no álbum To Pimp a Butterfly de Kendrick Lamar, um dos melhores álbuns da presente década; Thundercat foi um dos colaboradores mais importantes na génese deste projecto e além de emprestar as suas habilidades como baixista esteve extremamente envolvido no processo criativo.
Em 2011 surge a sua primeira aventura a solo, The Golden Age of Apocalypse, uma fusão de géneros unidos sob as suas malhas incríveis de baixo e o seu falsete suave. O primeiro trabalho mostra a génese de Thundercat como cantor e denota um ênfase na parte instrumental, com uma produção de Flying Lotus, um dos seus colaboradores mais frequentes, que adorna de sintetizadores crepitantes vários momentos do álbum. Mais recentemente lançou o EP/mini álbum The Beyond/ Where the Giants Roam em 2015, uma pequena amostra do seu poderio musical com vários pormenores instrumentais interessantes e batidas adequadas à voz carinhosa de Stephen, funcionando como um prelúdio para o novo álbum Drunk. “Lone Wolf and Cub” é o ponto mais alto de um projecto que abre o apetite para o futuro musical do baixista.
Dois anos depois do seu prelúdio, Drunk surge imponente e com vigor. Os deveres de produção são maioritariamente levados a cabo por Flying Lotus com o auxílio de Thundercat em alguns dos temas. A técnica magistral do baixista está presente e transparece claramente em temas como “Captain Stupido”, uma bossa-nova moderna guiada por uma melodia de baixo forte e uma bateria digital, ou “Uh Uh”, um grande show de baixo efervescente e em sucessão rápida, uma faixa instrumental de qualidade coberta de movimentos melódicos velozes e tensos. A nível de letras, a escrita de Thundercat mostra uma evolução: está mais pessoal, o artista define cada vez mais a sua visão lírica e junta ainda mais humor às suas letras “biográficas” (exemplos dessa folia são a epifania de fim de noite de esquecimento da carteira em “Captain Stupido”, o miar ridiculamente adorável e o sonho de vida de gato em “A Fan’s Mail (Tron Song Suite II)” ou a visão sarcástica sobre a invasão avassaladora da tecnologia em todos os aspectos da nossa vida retratada em “Bus in These Streets”). Há também mais emoção na sua abordagem: “Them Changes” junta um instrumental com muita pinta a uma letra que discute a perda de amor de forma sincera e subjectiva e “Walk On By” exibe uma atmosfera mais introspectiva, uma música leve em que Thundercat discute a tristeza da solidão auxiliado por uma prestação discreta do convidado Kendrick Lamar.
Há mais jams em Drunk, músicas de maior “alcance” e destinadas a uma audiência maior. Muita gente conhece Thundercat pelo baixista que é o excelente contributo que dá aos projectos em que colabora mas menos gente o conhece como o artista que demonstra ser. Músicas como “Show You the Way”, “Friend Zone” e a mais rudimentar “Drink Dat” pretendem mostrar a imagem pessoal de Thundercat de forma assertiva e esclarecedora aliando-a a algo que soe apelativo e agradável a vários ouvidos. Mas apesar de Drunk apresentar uma sonoridade viva, a transposição de ideia para música não é a melhor. A tracklist é impressionante: 23 músicas distribuídas por pouco mais de 51 minutos. Mas muitos dos temas não apresentam o desenvolvimento e a maturação que definem uma música estruturada. A composição fenomenal de Thundercat e a sua habilidade sagaz de baixista têm valor mas um grande número de músicas nem dura o tempo suficiente para percebermos o que são ou o que significam. A única reacção que transparece em músicas como “Jameel’s Space Ride”, “Day & Nite”, “I Am Crazy”, “Drunk” ou “Jethro” é de interrogação perante o seu fim abrupto ou curta duração. Aliado a esse factor está a repetição cantada que mostra um alcance vocal reduzido, pecando pela semelhança entre melodias invocadas pelo timbre agudo de Stephen. A nível de escrita Thundercat nunca soou tão ele próprio como em Drunk mas a nível harmónico ainda há espaço para melhoria.
Drunk é vida, ou pelo menos a sua representação musical. O álbum é composto por pequenos disparos musicais de destreza instrumental e composição apelativa, um espaço sónico através do qual Thundercat nos abre portas para o seu universo, a sua visão escrita e musicada. A própria capa do álbum é reminiscente de um artista imerso no seu mundo, uma realidade em que confronta o dia-a-dia em pequenos desabafos, discutindo aspectos mundanos da vida com um groove bem cimentado e uma voz descontraída, confortável no seu papel melódico pintalgado com piada. Thundercat já se cimentou como um dotado baixista, um virtuoso do seu instrumento, mas o seu crescimento enquanto artista continua e Drunk é um passo na direcção certa.
Músicas preferidas: “Captain Stupido”; “Uh Uh”; “Friend Zone”, “Them Changes”
Músicas menos apelativas: “Day & Nite”; “Drink Dat”; “The Turn Down”