Easy Rider
Batman e o imBatível Batmobile, Lucky Luke e o fiel Jolly Jumper, Lone Ranger e o bravíssimo Silver, Han Solo e a lendária Millennium Falcon, Michael Knight e o espectacular KITT: tudo parelhas de heróis e seus fantásticos veículos. Não desfazendo dos citados, falto eu e, pela sua dinâmica, velocidade de reação e repentismo, o Pastelão.
Há um par de anos decidi-me por um automóvel híbrido: prezo o ambiente como qualquer pessoa de bom-senso, mas não tenho condições para ter uma viatura plug-in. Assim, optei por um modelo que, pelo que percebi, dispõe de um motor elétrico que se auto-carrega através da locomoção proporcionada por um outro motor, a combustão, por sua vez alimentado a gasolina — aquilo que o vendedor referiu como “o melhor de dois mundos”. Compreendi, mais tarde, que os “mundos” mencionados seriam provavelmente o “devagar” e o “lento”. E que a classificação “híbrido” seria porventura resultante do cruzamento genético entre um só cavalo (de potência) e um burro (de engenharia). Talvez poupe o planeta, mas não os meus nervos. A marca, de origem asiática, bem que o apresenta como “irreverente” — de facto, este menino só anda à velocidade que ele quer.
As primeiras impressões foram excelentes. Junto ao stand de vendas, circulámos apenas com o motor elétrico: a ausência de som e a suavidade da direção fez com que me sentisse um autêntico “condutor do futuro”. O pior foi quando atingi a autoestrada.
O facto de ter mudanças automáticas ainda aumentou o sentimento de impotência, perante a falta de potência evidenciada. Questionei-me se não seria aselhice minha; faltaria com certeza carregar nalgum botão, tipo “turbo boost”, como o do Knight Rider. Liguei para o concessionário: não havia nada a fazer. Encontrei, na internet, uma análise a este modelo num site britânico da especialidade. O adjetivo utilizado para descrever a caixa de velocidades era nada menos do que “slothfull”, preguiçoso. Já o motor era descrito como “letárgico”, e a aceleração como “torturantemente lenta”.
Confesso ter sentido alguma raiva por falarem assim do meu carro. Ele não é calão, é apenas demasiado pesado para a genica que tem — digamos que consigo identificar-me.
Decidi aceitá-lo como é, e foi assim que o baptizei, com ternura, de “Pastelão”. Às vezes arrependo-me. Em primeiro lugar, porque esta alcunha não deixa de me causar alguma fome. Por outro lado, desconfio que, mais dia menos dia, serei atacado por alguma brigada do politicamente correto que poderá acusar-me de car shaming. E há ainda a questão de me associarem à viatura. Quando dou boleia a amigos, faço questão de dar as boas vindas ao Pastelão, fazer um breve resumo da viagem e informar que, durante a mesma, os cintos deverão manter-se apertados sem excepções. Tudo isto numa voz indecifrável de piloto de aviação, porém neste caso abafada não por um intercomunicador manhoso, como no caso dos aviões, mas pelo barulho do motor em esforço. Algumas crianças, filhas desses amigos, adoram passear no Pastelão e acham graça ao nome que passaram a chamar a todos os modelos iguais que encontram na rua. Quando me vêem chegar, logo exclamam “lá vem o Pastelão!”. Como é óbvio, incautos pensam que a petizada se refere ao condutor, ao invés do conduzido. E quando me observam saindo da porta da frente, num estilo calmo e descontraído, insistem em não perceber a evidência.
É nestas alturas que me penitencio por não ter chamado ao meu companheiro de viagens O Grande Cronista… do Asfalto. “Olhem, olhem, já vejo ao longe o Grande Cronista do Asfalto…”. Um Kerouac de quatro rodas.
Bom, tenho que ir atestar este sacaninha. Ponho a tocar Born To Be Wild, dos Steppenwolf, e carrego no botão da ignição. Arranco sem pressa e quase sem barulho — o futuro pode vir devagar.
Penso melhor e mudo para a canção do Lucky Luke: “I’m a poor lonesome cowboy…”. Tem outro ritmo. Anda lá, Pastelão. Ena pá, até ruge!