Eleições Legislativas. Ciência e Investigação: a mudança urgente no combate à precariedade e à falta de fundos
A pensar nas legislativas de 2019, a Comunidade Cultura e Arte preparou uma série de artigos que pretendem dar ao conhecer aos leitores as medidas e as orientações específicas de cada partido que, no próximo dia 6 de Outubro, irá a votos. Com base naquelas que são das problemáticas mais importantes do país, confrontamos, em cada texto, ideias e visões de todo o espectro político.
A ciência e a investigação em Portugal são dois dos temas que mais têm passado despercebido nos media. No meio de tantas notícias sobre economia, saúde, educação ou ambiente, temas que merecem ter a sua relevância nas notícias que nos chegam, a investigação científica é um tema que tem tido cada vez menos tempo de antena. Quando as coisas boas acontecem, nomeadamente os sucessos da investigação em Portugal, os projectos de renome que envolvam grandes fundos, ou até o reconhecimento internacional, o mediatismo é repentino e a projecção da notícia para primeiro plano é algo recorrente. Porém, existe um universo obscuro por detrás do sistema instaurado na investigação e que só conhece quem nele trabalha. A realidade é muito dura para aqueles que pretendem fazer uma carreira de investigação em Portugal pois é um caminho repleto de adversidades e esta é uma imagem que nunca é passada para fora. O sistema científico no nosso país continua cheio de lacunas, burocracias e perguntas sem resposta, estando muito longe de parecer algo normalizável.
Portugal nunca foi uma potência científica a nível mundial e continua ainda muito longe de o ser. Comparativamente aos países da União Europeia que produzem ciência em grande escala, estamos a anos-luz de ter um nível de investigação de excelência que nos permita entrar nos mesmos índices destes mesmos países. De acordo com os dados mais recentes, o investimento médio dos países da União Europeia na área da Investigação e Desenvolvimento (Research and Development, ou simplesmente R&D) é de 2.07% do seu Produto Interno Bruto. Países como Alemanha, Áustria, Suécia ou Dinamarca possuem investimentos superiores a 3% do seu PIB, sendo casos de referência da investigação científica não só a nível europeu mas também a nível mundial. Para além de termos um PIB inferior à média da União Europeia, um investimento de 1.37% desse mesmo PIB é uma fatia muito mesmo muito pequena para uma ciência que hoje funciona com base na situação precária de quem a faz. Os projectos europeus, nomeadamente as bolsas ERC (European Research Council, uma espécie de liga dos campeões da investigação científica), conseguem trazer fundos muito superiores àqueles que esta fatia confere aos centros de investigação tornando em alguns casos a investigação mais competitiva. Para além dos Laboratórios Associados, existem cada vez mais empresas a terem a sua secção de R&D bem como os centros criados com dinheiros privados, nomeadamente start ups e spin-offs, que têm sido recorrentes não só em Portugal, mas também noutros países cientificamente mais desenvolvidos.
Tendo em conta os nossos recursos, consegue-se fazer ciência com muito menos ovos do que os outros países da União Europeia e isso faz com que saibamos jogar com aquilo que temos à disposição. Continuamos a ser um caso de sucesso em diversas áreas da investigação e existe um reconhecimento no exterior por isso mesmo. Somos também um país com uma forte presença feminina na ciência, tornando-nos também num caso único do sucesso das mulheres na ciência, onde o mais recente estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) avalia Portugal como exemplo de país onde a igualdade de género na ciência é uma realidade. Conseguimos, com um orçamento muito reduzido, fazer por vezes aquilo que outros com orçamentos bem maiores conseguem também fazer. No entanto, embora os nossos feitos na ciência sejam consideráveis para a realidade que existe, estes não conseguem disfarçar todo um sistema de precariedade e de incerteza que há na carreira de investigação científica. Quem se aventura na investigação científica é porque possui uma grande paixão pelo ofício, remando contra todos os factores negativos que a maré do futuro vai trazendo. Hoje é quase certo que grande parte dos mais recentes doutorados terão que se aventurar em investigar noutros países, ou em empresas que têm o seu departamento de R&D próprio e que estejam abertas na contratação de doutorados, ou noutras actividades que nada têm a ver com a investigação científica.
Depois de um governo que realizou uma série de medidas de contenção e de cortes em todos os sectores onde a investigação não foi excepção, havendo quem denominasse tais medidas por “poda da ciência”, o actual governo ignorou as necessidades dos investigadores numa altura onde supostamente houve uma reversão da nossa situação económica. Apesar de um pequeno aumento no valores das bolsas de investigação (cerca de 1%), valores esses que se mantinham inalterados desde 2002, bem como um aumento significativo de bolsas de doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), órgão responsável pela avaliação e financiamento de bolsas e projectos de investigação, a realidade não pode ser avaliada apenas e só por estes números. O sistema actual não oferece nada de novo e existe um vício altamente alucinante em bolsas e bolseiros que torna a prática da investigação científica numa actividade quase marginal. Desde 2016 que deram entrada no PREPAV (Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública) 5891 requerimentos do ensino superior e da ciência. Desses mesmos 5891, 170 obtiveram aval positivo para contratação, sendo que apenas um é destinado à carreira de investigação científica. Hoje a ciência em Portugal viva às custas de um sistema subnutrido, sustentado pela precariedade dos investigadores e os sinais de melhoria ao longo dos últimos anos são quase desprezáveis. Quem se aventura no mundo da investigação em Portugal tem que estar cada vez mais preparado para a instabilidade e para a incerteza, caminhando em terrenos com muitas armadilhas e obstáculos pelo meio.
O pessoal docente nas universidades encontra-se cada vez mais envelhecido e existe também um aproveitamento dos investigadores e bolseiros para darem aulas, fugindo às suas funções de investigação, para além de que as universidades apenas têm interesse na contratação de professores. A integração dos investigadores nas universidades tende a ser um processo lento e que gera desinteresse por parte de quem as gere. De momento existe um muro entre os investigadores e as universidades e há que fazer esforços para o derrubar. Apenas a investigação de excelência, assim como também as ligações com as empresas, permite que haja uma transferência de conhecimento nas universidades que promova a formação de pessoas altamente qualificadas para a entrada no mercado de trabalho. Numa época de novas eleições, existe a oportunidade de estudar as medidas dos partidos políticos em relação ao mundo obscuro escondido por detrás da investigação científica. No geral, os partidos abordam o aumento do investimento, as questões da sustentabilidade e do reconhecimento da carreira de investigação como algo laboral, havendo até alguma unanimidade nas medidas apresentadas. Contudo, cada programa tem as suas diferenças, e há que analisá-las de forma a que haja uma maior distinção entre as ideias apresentadas.
O programa eleitoral do PS foca-se numa “maior capacidade para enfrentar os desafios de uma economia cada vez mais assente na ciência, no desenvolvimento tecnológico e na inovação”. Compromete-se em aumentar o orçamento da ciência atingindo um valor de 3% do PIB em investigação e desenvolvimento até 2030, valorização, apoio e reforço das carreiras de investigação para níveis adequados à dimensão de cada instituição, e conseguinte rejuvenescimento das carreiras docentes do ensino universitário e politécnico. O PS propõe ainda a criação de incentivos à intensificação do registo de modelos de utilidade e de patentes nacionais e internacionais, e o apoiar na execução de projectos de investigação.
A adopção de uma “Estratégia para a Ciência e a Inovação” é a bandeira do PSD no que toca à ciência, tendo como base três desígnios fundamentais: desígnio identitário, desígnio funcional ou operativo e desígnio estratégico. Tem como propostas o forte investimento em recursos humanos, a promoção das políticas de cultura científica na sociedade e o fortalecimento das estratégias de inovação e de internacionalização, bem como uma forte ligação ao sector empresarial, querendo também uma simplificação administrativa e a desburocratização das instituições científicas. A nível de investimento, o PSD tem a ambição de atingir, até 2030, o valor de 5% do PIB de investimento (publico e privado) nas três áreas do triângulo do conhecimento (Ensino Superior, Ciência e Inovação, incluindo a Sociedade de Informação), deixando dentro destes 5% a parte que será eventualmente atribuída à ciência, investigação e desenvolvimento.
O Bloco de Esquerda justifica as suas medidas ao afirmar, com dados previamente apresentados, que as pessoas responsáveis pelas instituições do ensino superior recusaram contratar investigadores, tendo apenas interesse pela contratação de docentes. Afirma ainda que existe uma limitação dos recursos para a investigação e ensino superior, e que este é um problema que terá que ser combatido no futuro. Deste modo, o Bloco de Esquerda ambiciona atingir 3% do PIB no investimento em ciência e investigação já na próxima legislatura, bem como a revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica para todas as tarefas não formativas, e ainda a obrigatoriedade de contratação de investigadores e investigadoras ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, assim como um rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal ou comunitário.
O PCP defende “Um Sistema Científico e Técnico Nacional coeso e pujante” no qual pretende definir uma política científica que tenha em conta as necessidades nacionais, nas várias esferas da actividade económica, social e cultural. Como tal, o programa do PCP foca-se na revitalização, fortalecimento e expansão do sistema científico e técnico nacional com uma série de medidas: duplicação, até ao final da legislatura, do investimento por investigador ETI (Equivalente a Tempo Integral) no sector público, revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação e sua substituição por contratos de trabalho com valorização salarial e integração em carreira, recrutamento e formação de 10 mil técnicos e auxiliares de apoio à investigação e a criação de um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial.
Já o CDS-PP foca-se nos 3% do PIB entregues à investigação e desenvolvimento como meta a cumprir até 2030, querendo inserir essa mesma meta como algo fundamental no orçamento de estado. Apresenta medidas como a atualização das carreiras de docente e de investigador, numa conformação que permita interligação entre ambas, de modo a que seja possível haver uma ambiguidade na escolha da função do próprio investigador ou professor. Para além de afirmarem de que a ciência precisa de recursos humanos empenhados, onde deve haver concursos em diversos sectores de forma a evitar as candidaturas sistemáticas dos investigadores a bolsas, criando uma reforma na FCT, o CDS-PP quer que os investigadores das empresas não sejam prejudicados relativamente aos investigadores que fazem carreira em centros de investigação. Quer ainda que, até 2023, pelo menos 20% das Bolsas de Doutoramento concedidas pela FCT sejam destinadas a programas de doutoramento em contexto de empresa.
O PAN, que apresenta medidas que visam o combate da precariedade na investigação científica, como substituir bolsas de investigação por contratos de trabalho ou garantir aos investigadores uma carreira de investigação, apresenta uma medida que nenhum dos outros partidos apresenta. Pretende a outorga do grau de doutor pelas instituições de ensino superior politécnico, isto é a possibilidade de haver doutoramentos nas escolas politécnicas, desde que estas cumpram os rácios de doutorados na área científica do programa doutoral.
Em suma, os partidos políticos apresentam medidas que, no geral, pretendem promover o aumento dos fundos na investigação e o combate à precariedade, mas não conseguem especificar concretamente como se irá proceder à implementação dessas medidas. Não basta só apenas criticar o sistema e apresentar medidas simpáticas que sejam interessantes para o eleitorado; é necessário colocá-las em prática e, sobretudo, saber como as colocar de forma a que os objectivos sejam atingidos o mais rapidamente possível. A ciência continua a crescer e não temos sabido acompanhar o crescimento da mesma no que toca ao estado das carreiras de investigação. É cada vez mais necessária uma mudança urgente de forma a conseguir pontapear o sistema actual, que se torna cada vez mais retrógrado, caduco e obsoleto com o passar dos anos. Um país sem uma boa aposta na ciência corre o risco de colocar o seu futuro em xeque, ficando cada vez mais longe das grandes potências em vários aspectos. A educação, a saúde, a indústria e, por conseguinte, a economia ficarão altamente prejudicadas sem que haja um reforço na investigação científica que consiga salvaguardar o nosso futuro, gerando mais ciência, mais conhecimento, e melhores condições de vida às gerações que ainda hão de vir.