Entrevista. Joana Lobo Antunes: “A cultura científica é uma chave que permite às pessoas descortinar o mundo”

por José Malta,    25 Fevereiro, 2023
Entrevista. Joana Lobo Antunes: “A cultura científica é uma chave que permite às pessoas descortinar o mundo”
Joana Lobo Antunes / Fotografia de Rui André Soares – CCA
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Joana Lobo Antunes é um dos rostos mais conhecidos da comunicação de ciência em Portugal. É licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa e doutorada em Química Orgânica pela Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha, tendo passado, também, pela Universidade de Pádua, em Itália. Actualmente, é professora de Comunicação de Ciência, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e coordenadora da área de Comunicação, Imagem e Marketing do Instituto Superior Técnico. Entre 2017 e 2020, foi presidente da SciCom Pt (Rede de Comunicação e Ciência em Portugal) e faz parte da equipa coordenadora do “90 Segundos de Ciência”, o programa da Antena 1 que dá oportunidade a um cientista de explicar, diariamente, o seu tema de investigação durante um minuto e meio. Recebeu-nos, no passado dia 17 de Fevereiro, no Museu de Geociências – Décio Thadeu, um dos espaços de ciência mais ilustres do Instituto Superior Técnico.

Fez a licenciatura em Ciências Farmacêuticas e doutorou-se em Química Orgânica. Passou por vários centros de investigação, quer em Portugal, quer no estrangeiro, e hoje dedica-se, exclusivamente, à comunicação de ciência. Como é que surgiu esta transição entre as quatro paredes do laboratório de investigação científica e o palco da comunicação de ciência? O facto de ter começado a dar aulas e de ter tido uma passagem pelo teatro ajudou-a nessa passagem?

Sim, isso foi absolutamente fundamental. Quando voltei para Portugal, depois do meu período em Santiago de Compostela e em Pádua, comecei a dar aulas na Universidade Lusófona. Uma das coisas divertidas em se dar aulas é que temos o mesmo público, todas as semanas. Nessa altura, quando estava a escrever o doutoramento e a dar aulas, surgiu, então, o desafio de fazer teatro. Quando comecei a fazer teatro comecei a pensar no corpo e no espaço de uma forma diferente que usava até então. Percebi a importância de usar a voz para que a pessoa da última fila nos ouça, a importância de usar o corpo, de uma forma ou de outra, consoante o efeito que queremos. Ao mesmo tempo que dava aulas ia experimentando algumas dessas coisas que aprendia, como a improvisação teatral e a colocação de voz. Consequentemente, uma das coisas em que comecei a pensar foi o seguinte: como era surpreendente os professores universitários não terem qualquer formação de como se dar aulas, ou de como se usar o tempo. 

Tinha duas horas de aulas e nunca ninguém me disse qual era a quantidade de matéria. Tive de aprender por experimentação e erro. A minha primeira aula foi espetacular, a matéria que tinha programado para aquele tempo foi impecável do início ao fim e fiquei super autoconfiante. Na segunda semana, ao fim de meia hora, já tinha esgotado a matéria porque não sabia como é que aquilo se fazia. Ficou muito claro para mim como era surpreendente o facto de não ter sido ensinado aos professores universitários esta coisa cénica de dar aulas, porque dar aulas não é só passar o conhecimento. Se fosse só passar o conhecimento, as pessoas liam livros e já estava. Para além de lerem livros, têm de existir pessoas que lhes dêem aulas: é muito importante a maneira como se dá aulas, a ligação humana presencial e a maneira como nós falamos a linguagem não verbal, a maneira como olhamos para as pessoas, a maneira como usamos o espaço ou a forma como usamos o material acessório. O dar as aulas não é só para dar a matéria, é muito mais do que isso! É motivar as pessoas para aquela área, é para mostrar como aquilo é interessante, até para partilhar algum entusiasmo, o entusiasmo das coisas que se comunicam. Isso foi muito importante para me dar conta de que não sabia, e os meus colegas também não sabiam.

Comecei, então, por organizar formações para os meus colegas, para partilhar estas técnicas que tinha aprendido. Nessa altura gostava muito da parte científica e de passar o conhecimento científico. Mas também me interessou muito ajudar outras pessoas a passar o conhecimento científico. Uma das coisas que me ficou muito clara é que fui, sempre, muito apaixonada por ciência e por todo este processo científico, mas a maior parte das pessoas não é. Uma das coisas que funciona é conseguir com que haja mais pessoas tão apaixonadas a passarem os seus temas quanto eu. Acontecia, muitas vezes, verificar que os meus colegas eram muito bons científica e tecnicamente naquilo que faziam, mas não tinham a capacidade de explicar isso às pessoas que estavam de fora da ciência. As pessoas que não dominavam o léxico não conseguiam perceber aquilo que se estava ali a passar. Comecei a perceber que havia um espaço a precisar de ser ocupado por alguém que se dedicasse a fazer esta ponte, à qual me dedico agora: por um lado, ajudar investigadores a conseguirem ser embaixadores da sua ciência e, por outro, criar oportunidades para isso acontecer. 

Nisso tive uma enorme sorte, e precisamos de ter sorte com as oportunidades que nos ocorrem. Na altura, havia não só bolsas de pós-doutoramento individuais, como havia bolsas para uma área a que se chamou “Promoção e Administração da Ciência e Tecnologia”. Concorri a uma dessas bolsas e tive a enorme sorte de ser seleccionada para ter uma bolsa dessas — só eram atribuídas quatro por ano. Foi o que me permitiu dedicar-me, em exclusivo, à comunicação de ciência. A partir daí, a minha carreira descolou porque, de facto, é necessário haver pessoas que façam aquilo que eu e outros como eu fazem. Estou, constantemente, a tentar puxar mais pessoas e a criar oportunidades para que haja mais pessoas a poderem fazer isto. Não chega a haver uma só pessoa, é preciso muitas pessoas a fazê-lo em conjunto. Por um lado, ajudar os investigadores a falar da sua ciência de forma interessante e cativante, e por outro criar oportunidades para que o possam fazer. 

Este é o binómio a que nos devemos dedicar enquanto comunicadores de ciência. Ainda que um investigador possa dar, por exemplo, duas palestras por ano, é muito importante que estas palestras sejam interessantes e cativantes: que as pessoas possam sair de lá a pensar, “finalmente percebi!”, em vez de, “esta pessoa deve ser muito inteligente porque fala com palavras meias estranhas que eu não percebo muito bem. Mas ele ou ela deve perceber daquilo que fala, mesmo que eu não esteja a perceber”. Cria aqui uma décalage e nós sabemos isso dos dados dos eurobarómetros que temos. O mais recente, de 2021, diz-nos que as pessoas querem mesmo saber de ciência, querem ouvir os cientistas, mas um dos problemas que identificam é que os cientistas ainda não são bons a comunicar. Ainda temos muito espaço para crescer, para que haja um interesse maior pelas diferentes áreas científicas.

“Quando comecei a fazer teatro comecei a pensar no corpo e no espaço de uma forma diferente que usava até então. Percebi a importância de usar a voz para que a pessoa da última fila nos ouça, a importância de usar o corpo, de uma forma ou de outra, consoante o efeito que queremos.”

Joana Lobo Antunes

Dá aulas, desde 2012, no mestrado de Comunicação de Ciência. Este é um curso que está repartido entre duas instituições da Universidade Nova de Lisboa, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) e o Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) António Xavier. Deveria existir uma maior conexão entre mais instituições, de ciências exactas, com sociais e humanas, de forma a que houvesse mais cursos deste género em Portugal? E que estes, consequentemente, permitissem aos cientistas comunicar a sua ciência?

Sem dúvida. Esse mestrado nasceu, precisamente, na altura em que o reitor da Universidade Nova de Lisboa queria promover as diferentes áreas. A ideia era juntar vários saberes diferentes. Foi aí que, também, tive a enorme sorte de começar o meu pós-doc na altura em que nasceu este mestrado. Foi uma tempestade perfeita, mas no bom, não no mau. Os meus orientadores eram a Ana Sanchez, do ITQB, e o António Granado, da FCSH, que são os coordenadores desse mestrado. Esta junção das ciências sociais e humanas com as ciências exactas é muitíssimo importante e relevante. Durante muitos anos, falava-se de um certo divórcio entre os cientistas e os jornalistas, e que os cientistas se queixavam muito da iliteracia científica dos jornalistas. Aquilo que identifiquei, quando comecei a fazer pesquisa para o meu pós-doc, foi uma clara iliteracia comunicacional por parte dos cientistas. Em particular dos das ciências exactas, da saúde e de outras ciências que não a da prática do jornalismo. As pessoas não sabem mesmo o que é necessário para comunicar nem como funciona o jornalismo. Se nós não sabemos do que é que um jornalista precisa para fazer uma boa notícia, e se atira com jargão e com informação técnica, o jornalista não consegue fazer um bom trabalho de comunicação para o público em geral. 

Os jornalistas são os gatekeepers [os profissionais que definem o que é susceptível de ser notícia ou não] para o mundo em geral, aquilo que as pessoas gostam de designar por “público em geral”, que aos meus alunos digo que não existe. Quando fazemos um produto e temos de comunicar ciência para fora, temos de ter um público alvo muito claro em mente. Ou são crianças, ou são jovens ou são adultos. Se for qualquer pessoa que se interesse por ciência, isso é tão vasto que nem consigo conceber um plano comunicacional nem uma linguagem adequada. As pessoas que estão de fora não têm de ter qualquer conhecimento sobre ciência. Aliás, muitas vezes, a ciência quer fazer comunicação por motivo alimentar. Ou seja, por querer mais estudantes ou por querer mais financiamento. Mas aquilo que é mais importante, quanto a mim, é darmos cultura científica às pessoas, independentemente de elas virem ou não para a ciência. 

A cultura científica é uma chave que permite às pessoas descortinar o mundo, como os problemas da pseudociência, os problemas da COVID-19 ou os problemas da vacinação. As pessoas, quando têm cultura científica, conseguem questionar e, quando lhes aparece uma informação muito apetitosa à frente, sabem dizer, “esperem, isto é demasiado bom para ser só o bolo. Isto deve ser só chantilly e não deve ser só bolo”. Tal e qual como uma publicidade em que pensamos que é caramelo e, afinal, é um líquido qualquer que fica mais bonito na fotografia, e é necessário perceber isso. A cultura científica é aquilo que permite às pessoas não se deixarem enganar, tal como com as pulseiras que equilibram os chacras e coisas do mesmo género.

Joana Lobo Antunes / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Existe uma clara falta de jornalistas especializados em ciência. Os jornalistas de ciência deveriam ser cientistas especializados em jornalismo ou jornalistas especializados em ciência? Da mesma forma que os historiadores de ciência são maioritariamente cientistas que optam por estudar a história do seu objecto de estudo e não historiadores que optam por estudar a componente histórica de um determinado ramo científico. No caso do jornalismo científico, também deveriam ser cientistas a serem jornalistas?

É muito curioso porque em Portugal, e no mundo, temos os dois casos e em qualquer das duas situações acho que funciona muito bem. Acho que o importante aqui é fazer um bom trabalho, e saber fazê-lo bem feito. Temos vários casos em Portugal de jornalistas de ciência que têm uma base científica e, depois, foram aprender as ferramentas do jornalismo e, também, temos o contrário: pessoas que começaram com as ferramentas do jornalismo e depois foram aprender sobre ciência. Acho que qualquer um dos dois caminhos pode funcionar muito bem. O Professor António Granado, que dá aulas de Jornalismo há muitos anos na FCSH, está sempre a exortar os seus alunos de Ciências da Comunicação a fazer um segundo ciclo especificamente sobre a área que querem cobrir. Quem quer cobrir política, que faça um mestrado em política; quem quer cobrir desporto, que faça um mestrado em desporto e quem quer cobrir ciência, que faça um mestrado em ciência. Ele acha que as ferramentas do jornalismo são aprendidas naqueles três primeiros anos formativos e, depois, os alunos aprendem sobre a área específica que querem cobrir e esta é uma opção. 

Outra opção, que acontece muito no mestrado de Comunicação de Ciência, é termos pessoas que vêm das áreas da ciência e que querem aprender ferramentas sobre comunicação, e também o contrário. Daquilo que vejo acontecer, vejo que ambas as situações funcionam muito bem. Estou a pensar, por exemplo, na Vera Novais, que é jornalista de ciência no Observador, ou a Sara Sá, que é jornalista de ciência na Visão e, agora, na Exame Informática. A Sara Sá é engenheira aeroespacial aqui do Técnico, a Vera Novais é bióloga da Faculdade de Ciências, e foram aprender as ferramentas do jornalismo. A Teresa Firmino, do Público, é de Ciências da Comunicação e, depois, aprendeu sobre ciência. Há de todas as combinações e todas elas podem ser muito boas. Qualquer um dos dois caminhos é possível, e é importante ter esses dois lados. 

Também não consigo fazer comunicação de ciência de todas as ciências, há ciências das quais eu não percebo mesmo nada. Às vezes isso é bom, se quisermos esmiuçar um bocadinho é bom. Eu costumo dizer às pessoas que o ideal, para ser não um jornalista mas um bom comunicador de ciência, é saber um bocadinho mas não demasiado. Porque quando nós sabemos muito, às vezes esquecemo-nos de fazer as perguntas básicas. Conhecemos tão bem aquela ciência, que às vezes aquilo é muito óbvio para nós. Quando não conhecemos tão bem, permite-nos fazer perguntas que, às vezes, levam a respostas mais interessantes — o sweet spot é ali algures no meio [risos]. 

“As redes sociais são um meio importantíssimo, tenho defendido isso e há muito tempo que tenho ajudado a que mais cientistas usem as redes sociais para fazerem divulgação de ciência.”

Joana Lobo Antunes

Parece que é mais fácil comunicar pseudociência do que propriamente a ciência em si. A pseudociência parece que chega mais depressa às pessoas do que a própria ciência, algo que foi muito visível no caso da pandemia. Nessa altura, houve aquilo a que se chamou uma infodemia, onde muita informação chegava às pessoas, grande parte dela falsa, e as pessoas assumiam tudo como verdades absolutas sem questionar essa mesma informação. Um dos grandes desafios da comunicação de ciência é tentar desmistificar estes mitos de forma a convencer as pessoas do que é, realmente, a ciência, e distingui-la daquilo que é a pseudociência? 

Acho que a pseudociência tem um trabalho mais fácil porque não tem nada de substantivo a comunicar. Eles só têm a parte da pele. Se tenho um corpo humano e quero falar das vísceras, tenho que passar a parte da pele, dos ossos, da carne e vou ter mais trabalho. Eles só querem passar a parte das emoções e, muitas vezes, não têm, de facto, nada de substantivo a comunicar, apenas desinformação. Até lhes interessa ficar por uma coisa meia vaga que permita às pessoas qualquer tipo de interpretação. A pseudociência vai muito pelas emoções, pelos medos das pessoas, por um conhecimento muito superficial. É um bocadinho conversa de taxista, um bocadinho de achismo sem qualquer sustentabilidade real e científica. Na comunicação de ciência, como queremos passar coisas muito substantivas e muito concretas, temos mais trabalho porque queremos ir além da cobertura do bolo, queremos chegar ao cerne da questão. Isso é mais difícil porque às vezes temos coisas um bocadinho mais aborrecidas. Podemos demorar mais tempo e os conceitos podem ser mais complicados, sem ficar tanto pela rama. 

Uma das coisas que a ciência tem evitado fazer, quanto a mim mal, é usar a emoção para comunicar e há diferentes maneiras de se fazer isso. Falarmos com entusiasmo é uma coisa sobre a qual não devemos ter medo, porque mostrar o entusiasmo e a paixão por aquilo que temos passa e comunica muito bem. É muito contagiante e é interessante para quem nos ouve. Às vezes, queremos passar uma imagem de seriedade porque levamos muitos anos a querer ser levados a sério: são doze anos de escola, mais cinco anos de faculdade para licenciatura e mestrado, mais três ou quatro anos para doutoramento. É muito tempo em que queremos ser levados muito a sério, porque se não falarmos de uma forma séria, as pessoas pensam que estamos a brincar e que não sabemos o que andamos a fazer. São muitos anos a formatar uma certa maneira de falar e parece que não podemos falar doutra maneira porque, senão, não somos levados a sério pelos nossos colegas. Mas quando não falamos com os nossos colegas podemos despentear o boneco, estar mais à vontade. O boneco não tem que estar sempre direitinho.

As pessoas da pseudociência estão na maior, isso é a praia delas! Despenteiam o boneco, são super emocionais, dizem que as vacinas causam autismo e que isto é tudo horrível! Aquele discurso do “eles lá, daquele lado, querem-nos fazer mal, querem-nos envenenar!”, apela a uma parte emocional. Todos nós temos uma parte de insegurança na nossa vida, temos uma parte de coisas que acontecem e que não sabemos explicar porque é que aconteceram daquela maneira. Quando, de repente, vem alguém dizer: “Está aqui! A culpa é da farmacêutica. A culpa é das vacinas. A culpa é da radiação electromagnética dos telemóveis.” E, depois, vem logo outra pessoa sustentar: “Sim, de facto, comecei a ter uma dor de cabeça, deve ter sido disso”. Esse factor, de repente, vai para um certo conhecimento intuitivo. Se tiver de explicar, “não, porque a radiação electromagnética dos telemóveis não tem essa capacidade penetrante”, e por aí fora, as pessoas já estão a dormir antes de chegar ao fim da frase.

Portanto, temos o trabalho mais difícil porque temos coisas reais e concretas para falar. O que temos de fazer é, mais ou menos, como o Shrek, o desenho animado que diz que os ogres são como as cebolas, têm muitas camadas. A ciência é a mesma coisa. Muitas vezes, parece que queremos ir logo ao cerne da questão da cebola, mas temos de ir devagarinho. Temos de fazer como os ogres e ir descascando camada a camada porque, senão, as pessoas não conseguem lidar com aquelas camadas todas e, depois, quase que desatam a chorar porque aquilo é tudo muito agressivo. Na pseudociência é tudo mais fácil porque só existe uma camada.

“Para aqueles que estão quase a entrar na faculdade é importante não ficarem muito tristes com o primeiro ano ser um bocadinho aborrecido. Mas faz parte, da mesma forma quando entramos num trabalho novo aquilo não é logo rock n’ roll, pois demora um bocadinho, temos que aprender as coisas.”

Joana Lobo Antunes

As redes sociais são um óptimo meio para se fazer comunicação de ciência. Nós, em Portugal, temos vários jovens que, através de ilustrações e de posts, mostram o sucesso e as dificuldades que estão a enfrentar, por exemplo, no seu trabalho de doutoramento. Mostram, também, nas redes sociais aquilo que fazem na sua investigação. O trabalho destes jovens, maioritariamente raparigas, não deveria ser mais valorizado tendo em conta que, para além de estarem a comunicar ciência, conseguem mostrar ao público em geral um pouco daquilo que fazem?

O problema dessa não valorização tem que ver com o facto de que o trabalho em prol da comunicação e da promoção pública de ciência não tem sido suficientemente valorizado na progressão da carreira dos cientistas. Creio que vá começar a ser valorizado em Portugal, não pelos melhores motivos, não porque não tenhamos, intrinsecamente, de valorizá-lo, mas porque vamos ser obrigados a isso devido a normas comunitárias. Neste momento, ninguém ganha um projecto europeu de ciência se não ficar muito claro qual é o seu plano para a divulgação da sua ciência. Não basta dizer, “sim, vou dar umas palestras, ou vou organizar umas conferências”. Tem de ser um plano à séria, uma coisa bem estruturada e bem pensada. A União Europeia já obriga a que se usem as redes sociais para fazer a divulgação e promoção da ciência. Em Portugal, isto não tem sido suficientemente valorizado e é, de facto, um problema. Significa que estamos, apenas, dependentes de uma motivação intrínseca tão forte que leva essas pessoas a cortarem o seu tempo de lazer e o seu tempo de descanso para fazerem produtos de comunicação de ciência que oferecem, livremente, através das redes sociais e de outros meios. 

As redes sociais são um meio importantíssimo, tenho defendido isso e há muito tempo que tenho ajudado a que mais cientistas usem as redes sociais para fazerem divulgação de ciência. Agora que estou no Técnico, estou a tentar fazer o mesmo aqui. Ainda é pouco usado em Portugal e no mundo, também. As pessoas acham que as redes sociais servem só para partilhar as fotografias das férias e do gatinho fofinho, não percebendo o valor enorme que tem em se usar as redes sociais como veículo de promoção e divulgação da ciência, seja ela qual for. Mas é completamente diferente usar-se o Twitter, o Instagram, o Facebook, o TikTok ou o LinkedIn para isso. São redes sociais completamente diferentes que precisam de linguagens diferentes, de formas de mostrar a ciência diferentes. Não estarmos a usar isso para a comunicação de ciência é um desperdício de potencial. Alguns de nós já o fazem, alguns projectos são óptimos e muitíssimo interessantes. É muito curioso estar a mencionar que são, essencialmente, raparigas porque somos o país da OCDE com mais mulheres na ciência, pelo menos na base da carreira. No topo da carreira é outra conversa porque isso tem já que ver com todo o resto da sociedade, não só da ciência — há um número maior de homens na liderança do que mulheres. É muito interessante que sejam as mulheres que estejam a tomar muitas dessas dianteiras. Também há homens, mas ainda bem que assim é.

Joana Lobo Antunes / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Temos, hoje, um grande número de mulheres na ciência, e Portugal é um excelente exemplo disso. Temos uma mulher ministra da Ciência e Ensino Superior, uma mulher presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), várias mulheres que dirigem centros e grupos de investigação e que estão na vanguarda da investigação científica. Por outro lado, temos uma ciência altamente precária em Portugal. Este factor não acaba, também, por mascarar a importância de sermos um exemplo a nível mundial na igualdade de género na ciência?

Acho que é ao contrário. Infelizmente, uma coisa que é notória, é que só existe uma preponderância de mulheres em ambientes que são percepcionados como pouco valorizados financeiramente ou em termos de poder. Penso que é, exactamente, pelo facto das carreiras científicas não estarem suficientemente valorizadas em termos de ordenados, de carreira, de progressão e poder real, que existem mais mulheres do que homens. Porque, normalmente, quando há carreiras que são percepcionadas com maior nível de influência, de poder e também de poder de compra, são maioritariamente masculinizadas. Penso que há, aqui, uma inversão da causa e da consequência. Penso que há mais mulheres na ciência em Portugal do que nos outros países porque, a ciência, é percepcinada pela sua ligação a carreiras precárias, sem evolução, em que as pessoas estão lá pelo bom karma. Normalmente, os homens são muito mais pragmáticos nas suas escolhas de vida e vão à procura de uma coisa mais valorizada. Ninguém vem para ciência pelo salário competitivo. 

Da mesma forma que a estabilidade das carreiras de investigação científica é altamente marginalizada em Portugal, a comunicação de ciência também acaba por sofrer do mesmo mal? Até porque, temos um valor de investimento muito inferior ao da média Europeia e, desde há vários anos, que é sempre cerca de 1.6% do nosso PIB. Isto não tem também influência na comunicação de ciência em Portugal?

A comunicação de ciência, como área e como área de prática profissionalizada, é uma coisa muito recente em Portugal. Os primeiros institutos de investigação que tiveram alguém dedicado, exclusivamente, à comunicação de ciência foram o IGC (Instituto Gulbenkien de Ciência), o ITQB (Instituto de Tecnologia Química e Biológica – António Xavier) e o IBMC (Instituto de Biologia Molecular e Celular) no Porto, e depois mais tarde o IMM (Instituto de Medicina Molecular – João Lobo Antunes). Todas elas unidades de investigação que não estavam, necessariamente, ligadas a faculdades e precisavam de ter a sua visibilidade. Não estavam ancoradas a nenhuma faculdade e muitos dos seus líderes vieram do Reino Unido ou dos Estados Unidos, onde a comunicação de ciência era uma realidade. A ciência nestes países foi sempre muito valorizada pois não chegava terem uns cientistas a fazer umas coisinhas, era necessário profissionalizar a comunicação de ciência. Foi a partir de mais ou menos 2006, muito recentemente, que começou a haver algumas pessoas de comunicação de ciência a serem contratadas. E tem sido um lentíssimo caminho para a profissionalização da comunicação de ciência. 

Eu própria não faço só comunicação de ciência aqui no Técnico, sou responsável pela comunicação toda do Técnico. Tem uma fatia dedicada à comunicação de ciência mas faço tudo o resto também, apesar de achar que a comunicação de ciência é toda a locomotiva de tudo isto e que levará, necessariamente, o nome das instituições atrás. Durante seis anos, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) atribuiu bolsas de pós-doutoramento individuais em “Promoção e Administração da Ciência e Tecnologia”, que foram extintas na altura em que o Nuno Crato era ministro. Nessa altura, fizemos barulho, petições, porque a ideia disso era pegar em pessoas que tivessem formação cientifica e dar-lhes financiamento para fazerem comunicação de ciência.

Isso acabou, e não havendo um financiamento e estratégias claras e centrais do ministério e da fundação, fica completamente dependente de cada instituição achar se é ou não estratégico. Eu estava no ITQB, e o ITQB achava que era estratégico ter pessoas e um gabinete para fazer comunicação de ciência — eles faziam. O Técnico, agora, desde que cá estou, passou a considerar estratégico haver comunicação de ciência e estamos a tentar fazer com que todas as 23 unidades de investigação tenham uma pessoa em exclusivo para fazer comunicação de ciência. Mas é um caminho. Quando cheguei, destas 23 unidades de investigação só três tinham comunicadores de ciência. Neste momento, já vamos em sete ou oito, é um caminho que se faz. 

“Há pessoas que acham a comunicação de ciência, em teoria, uma coisa muito atraente mas, depois, na prática, têm pouco jeito para aquilo. Podem ter muito entusiasmo, mas pouco jeito. É preciso alguma autoconsciência para se ser capaz. Mas o essencial é gostar daquilo que se faz e não ter medo do aborrecimento, porque é preciso, também, e vai acontecer.”

Joana Lobo Antunes

Um dos motivos pelos quais roubo do meu tempo para estar aqui a conversar convosco ou para dar palestras é porque, lá está, sou mulher e acredito que é importante dar cara e partilhar do meu entusiasmo pela comunicação de ciência. Se o fizer, tenho esperança que isso se traduza em mais pessoas para a comunicação de ciência e de mais instituições a acreditarem na importância de comunicar ciência. Vou falar à UTAD (Universidade de Trás os Montes e Alto Douro), vou falar à UBI (Universidade da Beira Interior), vou falar ao Minho, vou falar a todo o lado porque as pessoas percebem a importância. Mas depois pensam, “e agora como operacionalizamos isso?” Muitas vezes, convidam-me para falar e eu vou lá e explico-lhes como é que aquilo se faz e, para mim, a maior alegria é ver nascer mais pessoas formadas em comunicação de ciência em mais sítios. Quem me dera a mim ter imensa concorrência! É a coisa que eu mais desejo, ter muita concorrência e de muita qualidade! Quem ganha com isso é o país, o mundo, os cidadãos e toda a gente.

Tenho todo o gosto em partilhar o mais que consiga. Ao fazermos isto, cada vez que falamos e defendemos a importância da comunicação de ciência, são sementes que estamos a largar para que haja mais pessoas assim. Espero que contratem as melhores pessoas — quanto melhor for o trabalho dessas pessoas, são mais os frutos desse trabalho e vão querer continuar a investir. Isso é muito importante e acredito nisso, ninguém me paga mais por fazer isso [risos]. Então, quando vou, presencialmente, a essas palestras, até perco dinheiro. Sim, pagam-me o bilhete de comboio e pagam-me o almoço, mas depois tenho que ir de táxi e perco tempo, são logo dois dias em que não estou a aproveitar para trabalhar no Técnico. Quando fazemos isto, é mesmo porque acreditamos que estamos a trabalhar para o bem comum. Somos assim um bocadinho tolinhos, mas ainda bem que há uns quantos assim [risos].

Joana Lobo Antunes / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Entre 2017 e 2020 foi presidente da SciCom Pt (Rede de Comunicação e Ciência em Portugal) e hoje faz parte da equipa do “90 Segundos de Ciência” um programa de que permite que a ciência chegue de uma forma simples e prática ao público, sendo exibido diariamente na Antena 1 há mais de seis anos (desde Novembro de 2016). Tendo em conta que existem cerca de 50 mil cientistas em Portugal, este é um programa que tem muito para oferecer à sociedade?

Espero que sim, e que haja financiamento para continuar! Estas coisas são muito bonitas e eu posso dar palestras de borla, mas depois não posso contratar equipas para trabalhar de borla. A ideia do “90 Segundos de Ciência” nasceu quando eu e o António Granado, que estivemos na génese desse programa, andávamos há muito tempo a lamentarmo-nos publicamente de que não havia ciência suficiente nos meios da comunicação social. Houve um dia em que um dos nossos estudantes do mestrado de Comunicação de Ciência tinha ido fazer um estágio no Reino Unido e tinha falado de vários programas que existiam na rádio e na televisão. Nós pensámos, “bem, um programa de televisão é muito caro. E se nós propuséssemos um programa de rádio?” Antes de se chegar aos “90 Segundos de Ciência”, o programa teve inúmeros formatos, foram meses de brainstorming.

Às tantas, decidimos avançar, conseguimos algum financiamento, arranjámos uma estação de rádio e decidimos fixar este formato que é muito ambicioso! O programa é diário e é um cientista diferente todos os dias. Isto é uma trabalheira de produção porque, de repente, quando veio o dinheiro e a rádio disse que sim, tivemos que começar a trabalhar no assunto seis meses antes de o programa ir para o ar. Tínhamos que ter uma data de entrevistas já feitas, porque a partir do momento em que a Antena 1 nos garantia o espaço em antena, tínhamos que garantir que todas as semanas iam para lá cinco novos cientistas, todos eles diferentes e todos eles muito bons. A minha parte no programa é fazer a produção, ou seja, vou à procura dos cientistas em todo o país, alguns portugueses no estrangeiro e por aí em diante. Quando isto começou, pensei, “bem, e agora onde é que os vou encontrar?” [risos]. 

O facto de termos conseguido montar o “90 Segundos de Ciência” é também um sucesso da comunidade de comunicadores de ciência. Aquilo que eu fiz foi contactar todos os comunicadores de ciência de todos os institutos de investigação, faculdades e universidades do país e pedir-lhes “estamos a pôr isto de pé, ajudem-nos!”. Aquilo que nós queremos é ir além dos cientistas que aparecem em televisão que são uma fatia minúscula destes 50 mil cientistas. O que nós dissemos foi, “ajudem-nos a encontrar as histórias que ainda não conhecemos”, porque nós vamos aos sites individuais dos cientistas ou dos projectos e ficamos mais ou menos na mesma. Precisamos muito dos comunicadores para nos identificarem as pessoas e os projectos e nós pedimos “por favor mandem-nos listas e nós vamos aí e entrevistamos aqueles que forem e que fizerem sentido”. Se virem o programa, vocês veem claramente quais é que são as instituições que têm melhores comunicadores. São aquelas que vão activamente, estão constantemente em contacto connosco, à procura de mais pessoas e de mais histórias, e a ajudar-nos a encontrar. Quanto mais comunicadores de ciência houver em mais instituições, melhores histórias nós conseguimos contar e mais protagonistas nós conseguimos encontrar. Porque são eles e elas que estão no terreno, eles e elas é que conhecem os cientistas e os projectos!

Quando vejo um resumo ou um abstract, às vezes fico logo de cabelos em pé. Matemática, por exemplo, tive de falar com dez pessoas da Matemática para ter conseguido entrevistar alguém de Matemática. Queremos ter todas as ciências, e eu dizia, “não percebo nada do que eles fazem!” Vou aos sites, vejo o resumo dos papers e dos projectos e não consigo, sozinha, pôr aquilo na rádio porque não percebo. Não sabia, também, se eles conseguiam explicar aquilo que fazem de uma forma perceptível para um ouvinte da Antena 1. Por isso, precisei de muitos cúmplices para lá chegar, e precisamos de muitos cúmplices para continuar a fazer o “90 Segundos de Ciência”. As instituições podem-nos ajudar e nós agradecemos todas as ajudas. Já ganhámos vários prémios porque acharam, de facto, que este programa não só dá a conhecer, mas também permite ter um arquivo, um retrato da ciência que está a acontecer e que está a ser feita neste período: que temas é que interessaram aos cientistas, que projectos é que foram feitos e que tipo de investigação é que se andou a fazer. Permite-nos ter um retrato e uma visão da dimensão. Provavelmente, as pessoas nem sabiam que havia tantos cientistas de tantos lados do país a fazer tanta coisa. 

Já a SciCom começou com um congresso. Dantes, não havia, sequer, espaço para os comunicadores de ciência se conhecerem uns aos outros e saberem o que é que cada uma andava a fazer. Há um congresso que é o PCST (Public Communication of Science and Technology) que acontece a cada dois anos, uma vez na Europa, e na vez seguinte fora da Europa. Cada vez que o encontro era na Europa, íamos lá e conhecíamos colegas nossos, do nosso país, que não fazíamos a menor ideia que existiam e que faziam coisas incríveis em Portugal. Em 2012, quando estava a almoçar com a Sílvia Castro que também fazia comunicação de ciência, na altura no IGC, ela disse-me, “é incrível que tenha de ir a Florença ou ao Rio de Janeiro para saber o que está a ser feito em Coimbra ou no Porto! Porque é que não fazemos uma coisa destas em Portugal?”

Aí, nasceu o primeiro Encontro Nacional de Comunicação de Ciência, e foi feito no Pavilhão do Conhecimento porque éramos aqui de Lisboa. As pessoas começaram logo a dizer: “Porque é que não organizaram no Porto? Porque é que não organizaram em Coimbra?” Disse-lhes logo: “Parabéns! Acabaram de ganhar a comissão organizadora para o congresso do ano quem vem!” Ficaram congelados, disseram logo, “ai não era preciso!” [risos] Da mesma forma que a Comunidade Cultura e Arte não existe se alguém não se chegar à frente para fazer acontecer, os encontros de comunicação de ciência só existem se alguém se chegar à frente para os fazer acontecer! Mas eles lá organizaram no Porto no ano seguinte. Depois, nesse ano, alguém disse que era de Lagos e gostava de organizar em Lagos, e lá fomos nós a Lagos. 

Não queríamos fazer a associação, só queríamos fazer os congressos. Mas percebemos que para fazer a gestão financeira dos congressos era muito complicado. Ou tínhamos uma associação que tinha um NIF próprio para pagar as viagens às pessoas, os caterings e afins ou, então, era uma complicação e vimos isso nos primeiros congressos. Pensámos que o melhor era chegarmo-nos à frente e fazer uma associação. Daí nasceu a SciCom, foi uma coisa mais ou menos orgânica e por necessidade. Na verdade, a SciCom faz este encontro anual de comunicação de ciência que é muito importante. Às pessoas que me contactam e me perguntam, “também quero ser comunicador de ciência, como é que faço?”, digo, “vão ao SciCom, é a melhor maneira”. Assim conhecem a maior parte das pessoas que faz este tipo de trabalho no país e conseguem identificar, “eu gosto deste projecto”, “eu não gosto deste projecto”, “gosto deste projecto mas não gosto desta pessoa”, “este projecto é parecido com o outro mas esta pessoa é mais fixe”.

Quando as pessoas vão lá, apresentam-se e dão-se a conhecer às pessoas. Como ferramenta de Networking é espetacular! Ao fim de um certo tempo, percebi que da mesma forma que ninguém quer organizar os congressos, também ninguém quer organizar as associações, portanto, pensei, “bom, já fiz três anos, passo ao outro e não ao mesmo”, porque era uma coisa para a qual dava o meu tempo. Ninguém me pagava para ser presidente da SciCom, era eu que achava que era importante haver uma coisa deste género em Portugal, e temos de ser todos a trabalhar para o bem comum. Passei a tocha à Vera Novais, que tem continuado muito bem esse trabalho e acho que é importante a alternância democrática — não temos de ser os mesmos a fazer tudo. Não me importo de chegar à frente e de ser uma cara da comunicação de ciência, mas não tenho de ser a única! Acho que é mesmo importante haver mais pessoas.

Joana Lobo Antunes / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Sendo uma das caras mais carismáticas da comunicação de ciência, que mensagem gostaria de deixar aos mais novos que estão a terminar o secundário e a tentar entrar em cursos superiores de ciência e mesmo para aqueles que gostariam de envergar pela comunicação de ciência e que têm talento para comunicar ciência?

Para os mais novos ou para os mais velhos, o que quer que seja, acho que o mais importante é que façam coisas de que gostam muito. A vida é muito dura, a vida é difícil e há muitos momentos difíceis. De vez em quando, temos coisas muito boas a acontecer na vida mas, no geral, aquela coisa do 10% de inspiração e 90% de suor é mesmo assim. Acho que a coisa mais importante é gostar-se muito daquilo que se faz porque correr por gosto cansa, mas cansa um bocadinho menos. Tenho amigos meus, mais velhos, que têm filhos que também já estão a entrar na faculdade e que querem que eu dê alguns conselhos. Tenho alguma dificuldade em dar conselhos do género, “faz isto ou faz aquilo”, mas posso dar pistas, porque aquilo que é mesmo importante é as pessoas fazerem o que gostam.

Para aqueles que estão quase a entrar na faculdade é importante não ficarem muito tristes com o primeiro ano ser um bocadinho aborrecido. Mas faz parte, da mesma forma quando entramos num trabalho novo aquilo não é logo rock n’ roll, pois demora um bocadinho, temos que aprender as coisas. É muito importante gostar-se do que se faz, às vezes acontece uma pequena desgraça que é uma pessoa gostar muito de uma coisa para a qual não tem qualquer talento. Também gostava de cantar, mas não tenho a voz da Aretha Franklin, nem de perto nem de longe, apesar de gostar muito de cantar na mesma. É preciso ter consciência das suas forças e das suas limitações, e de ter a humildade de ser capaz de andar à volta disso. E se tiver bons amigos, melhor ainda! Os bons amigos são aqueles que dizem, “olha, estiveste muito bem, correu muito bem!”, mas os melhores amigos são aqueles que dizem, “há ali esta parte que tens de melhorar, aquele tom de voz, se calhar, ficava melhor assim, aquela palavra não se percebia”, ou às vezes, dizer mesmo, “se calhar é melhor dedicares-te à pesca”.

É um bocadinho confrangedor ver que às vezes há pessoas que insistem em fazer uma coisa. Na comunicação de ciência acontece, às vezes, o mesmo, como no Ídolos. Quando vemos aqueles castings para o Ídolos, qualquer um de nós, mesmo sem formação musical, vê que, claramente, aquela pessoa nunca vai viver da música na vida e que está um pouco enganada. Na comunicação de ciência também acontece isso: às vezes, há pessoas que acham a comunicação de ciência, em teoria, uma coisa muito atraente mas, depois, na prática, têm pouco jeito para aquilo. Podem ter muito entusiasmo, mas pouco jeito. É preciso alguma autoconsciência para se ser capaz. Mas o essencial é gostar daquilo que se faz e não ter medo do aborrecimento, porque é preciso, também, e vai acontecer.

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