Em ‘2012-2017’ de Against All Logic (Nicolas Jaar), dançar ao seu som é a expressão artística

por Miguel de Almeida Santos,    13 Março, 2018
Em ‘2012-2017’ de Against All Logic (Nicolas Jaar), dançar ao seu som é a expressão artística
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Imaginem-se por um momento a entrar no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT). Compram o bilhete e exploram o museu. Numa sala do museu vêem escuridão, mas a sala está claramente aberta ao público. Entram na sala e ouve-se “Être” de Nicolas Jaar soar pelos quatro cantos, triunfante, única, o seu som de água a ouvir-se bem alto e as vozes, algumas guturais e inexplicáveis, a preencherem o espaço deixado pelo piano. A obra de arte é a música, a meticulosa peça que abre o primeiro álbum da discografia de Nicolas Jaar, Space Is Only Noise. E não é um caso isolado na obra do artista: Pomegranates, uma banda sonora alternativa criada por Nicolas Jaar para o filme A Cor da Romã – lançado em 1968 e escrito e realizado por Sergei Parajanov – confunde ainda mais as barreiras entre música e arte sonora.

Este tipo de criações do artista são complexas, atmosféricas, com elementos abstractos ao longo da sua duração, que elevam Jaar para além da música electrónica, em direcção a algo superior. No entanto, o talento e a versatilidade de Nicolas Jaar permitem-lhe tanto fazer música para ser exposta no museu como para pôr toda a gente a dançar numa festa no terraço do MAAT (desde os vinte anos que Jaar mostra a sua sintonia com a música house e uma tremenda habilidade para incitar pés irrequietos). Em ambos os casos, há um facto inescapável: a música de Jaar é sensorial. E isso ouve-se em toda a sua discografia, seja em nome próprio ou como A.A.L. (Against All Logic), outro nome artístico sob o qual Jaar já lançou alguns temas na sua editora, Other People, e sob o qual lança agora 2012-2017.

Neste novo projecto, afasta-se da música mais abstracta de Space Is Only Noise e Pomegranates e da vertente mais política que transparece no seu segundo álbum, Sirenssem nunca esquecer os elementos essenciais de uma boa música. Ao longo do álbum somos confrontados com uma harmonia de loops e uma panóplia de sintetizadores e percussões explorados por Nicolas Jaar nos variados ambientes musicais que o músico cria e que mostram as diferentes facetas de Jaar na música electrónica. Temas como “Hopeless” com um arranhar na sua batida ou “Some Kind of Game” são música mais imediata, dançável, enquanto “Cityfade” ou “Such a Bad Way” revelam algo mais descontraído e progressivo, com vários detalhes musicais ao longo da sua duração.

O músico alia esta polivalência a um metódico uso de samples, adaptando-se a essas músicas para construir as suas. “This Old House Is All I Have” inicia o álbum com uma mensagem profética sobre o mundo, rodeada por uma imensidão comichosa de baixo, antes de dar lugar a um instrumental suave com ocasionais estrondos de abrasão, como se estivéssemos rodeados de mar e fôssemos ocasionalmente salpicados por uma onda mais forte. Essa dualidade entre letra angustiante e instrumental relaxado revela uma simbiose entre dois elementos que se opõem, como observar uma explosão nuclear de cocktail na mão. Jaar revisita a música soul que inspira a primeira faixa do álbum na assertiva “Now You Got Me Hooked” e na convidativa “Know You” mostra uma batida funk confiante com direito a solo de teclas.

Nos momentos finais do álbum vemos Nicolas afastar-se dessa sonoridade; nota-se de forma natural uma transição de A.A.L para Nicolas Jaar. Refugia-se no mundo da sua electrónica e mostra as músicas que mais espelham o seu estilo distinto de produção como  “Flash in the Pan”, que parece soar adornado por uma sombra, algo taciturno, um tema ponderado e resguardado para dançar a ver chuva a cair. Em “You Are Going to Love me and Scream” ouve-se uma sample triste que introduz um clímax musical acolchoado seguido de uma entusiasmante melodia intermitente. E “Rave on U” termina o projecto mostrando a mestria de produção de Jaar numa música que se repete sem nunca soar igual, ao som de um motivo musical que se vai tornando cada vez mais distorcido e abstracto.

Há algo que une todos os temas de 2012-2017: a atenção ao detalhe, um modo meticuloso de construir uma música. É o som certo no momento certo. E isso já é apanágio de Nicolas Jaar. O músico norte-americano deambula pelo mundo da electrónica e expande-o, fazendo-o com uma ambição tremenda. Os objectivos são diferentes e neste novo álbum não nos quer a pensar ou a ouvir arte; só nos quer pôr a dançar. É um lançamento descontraído, algo para Nicolas e os seus fãs se entreterem enquanto trabalha na próxima peça musical de arte sonora que certamente mostrará. Ainda assim, seja qual for a expressão artística que Jaar decida abordar ou o nome sob o qual decida assinar, fica a certeza de que vai sempre mostrar-nos música construída com uma progressão que nos fará acompanhá-la até ao último compasso.

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