Entrevista. Valter Lobo: “É também papel dos artistas fazer com que as pessoas vivam outras realidades, sonhem outras vidas”
“Um Sofá, Uma história” é uma conversa informal entre o diretor artístico do CLAV-Centro e Laboratório Artístico de Vermil com os convidados das CLAV Live Sessions sobre as suas carreiras, processos de criação, arte, cultura, opiniões sociais e outros temas da sociedade, ou seja, dar a conhecer ao público um pouco mais o “ser” que esta por detrás do artista.
Valter Lobo apresenta as canções de “Mediterrâneo” e alguns temas inéditos a incluir no próximo disco a editar em 2021. Sempre com o português em punho e voz pujante, com as componentes lírica e sonora marcadas por um grande sentimentalismo e melancolia, o músico trabalha uma reaproximação ao calor humano e ao mundo. Um grande valor da nova música portuguesa e um nome de quem se vai ouvir falar bastante nos próximos tempos.
Valter Lobo é um cantautor que se deu a conhecer com um “Inverno EP”, em 2012, que rapidamente o levou para palcos como o CCB e a Casa da Música, no âmbito do Misty Fest, assegurando as primeiras partes de Scott Matthew.
Com o primeiro álbum “Mediterrâneo” em 2016, de onde se destacam canções como “O Governo não sabe nada do nosso amor”, “Quem me dera” ou “Oeste” afigurou-se como um escritor de canções em português da nova geração a não perder de vista.
A melancolia permanente a pautar as sensações e uma intensidade nas performances ao vivo já lhe valeram elogios rasgados de muitos ouvintes e artistas, entre eles o singer songwriter irlandês, vencedor de um Oscar da Academia, Glen Hansard, que o convidou a participar com as suas canções durante os seus concertos.
Alberto. Boa noite, bem-vindos mais uma vez a “Um sofá, uma história” e desta vez acolhemos aqui no CLAV e nas Clav Live Sessions Válter Lobo. Válter, muito obrigado pela tua presença. Costumo sempre iniciar esta conversa de uma forma muito simples e objetiva, como é que tu vês a tua experiência aqui neste dia?
Válter. Boa noite Alberto e família, a minha experiência foi ótima, é um prazer estar aqui nestas sessões e conhecer também o vosso espaço, o vosso projeto e conhecer toda a equipa e foi um momento bonito, até por tudo, pela altura e que estamos, foi uma saída de casa devidamente controlada e acaba por ser mais um momento íntimo. Embora despido do publico que outrora costuma aqui estar, mas ficara para a história, para os cadernos da história.
Olha uma coisa, eu sei que estás a preparar um novo disco, queres falar um bocadinho connosco sobre esse novo disco?
Posso falar sim. Eu gosto de dizer, como curiosidade, que o ano passado já tinha um quase pronto, no entanto quando entramos nesta situação nova deixei de me identificar com algumas canções e comecei a escrever outras novas, estão praticamente terminadas, era para serem apresentadas em fevereiro mas também as condições não permitiram mas sempre com energia positiva e serão mais à frente, em principio em abril e vem um bocado no meu registo de cantautor e pronto, como é que hei de dizer?! São 9 ou 10 canções que já estão praticamente prontos, só estão agora a ter alguns condimentos e vai um bocado no meu registo de guitarra e voz, também com mais instrumentos adicionados, mas é sempre aquela coisa do lobo solitário a cantar o mundo.
E já tem nome este novo trabalho?
Tem, tem nome, acho que em princípio vai ser este, eu vou revelar até, vai chamar-se “a primeira parte de um assalto”.
Muito interessante. Não tem nada a ver com estas questões relacionadas com as corrupções, as políticas?
Não, não. É só um assalto meramente emocional ou sentimental e às vezes é preciso algo mais brusco, que nos deixe entrar noutro patamar espiritual, físico e então é um bocado a pensar nessa parte. É quase um manual de instruções para nos deixarmos levar num assalto a nós mesmos e a outra pessoas que não seja a título material.
Pessoalmente gosto imenso do título, acho que vai ficar no ouvido de toda a gente. Diz.me la uma coisa, como é que é o teu processo criativo? Quando esta a criar, a escrever, a compor, vais para algum sítio específico ou não? Baseias-te em que tipo de histórias, em gentes, em locais? Como é que é isso?
Posso dividir em duas partes, uma é a observação da realidade e nos extraímos e pomos cá fora a nossa observação da realidade como a sentimos, por outro lado há uma parte ficcional, abordo muito a temática amorosa, do amor, do romance, que não é um romance banal, mas sim um romance dos filmes, daqueles cartazes dos anos 60 e também muito ficcionado, muito mágico ou seja, como eu ando sempre com estas ideias na cabeça é quase encontrar uma linguagem e pola nas canções. Faço sempre no mesmo registo, ou seja, eu escrevo muito facilmente porque ando sempre a pensar nestas coisas.
Gostas mais de fazer os teus espetáculos a solo ou em banda?
Com banda fiz pouquíssimas vezes, eu cada vez gosto mais a solo ou só com o Jorge, que me acompanha. Isto de uma perspetiva porque eu não me costumo propor a fazer um espetáculo de banda e luz e mega som. Acho que não sou esse artista. Gosto de pensar que algumas pessoas que vêm aos meus concertos que é para estarem comigo, ou seja, se eu estiver a solo, permite-me falar, permite-me transmitir as minhas ideias, tocar, ir ao meu ritmo e cada um ser diferente ou seja, há uma série de artistas e bandas que têm um espetáculo standard que o repetem 50 vezes ou 100, é sempre igual e o meu pode ser sempre diferente, ou seja, isto é consoante o público, o sitio, o dia, não é nada ensaiado de uma maneira a que pareça um produto. É personalizado.
Isso é um tentativa de reviver por exemplo o fim, o durante a ditadura em Portugal, daqueles cantautores que nós conhecemos e que tanto valorizamos, que andavam com a guitarra às costas e faziam o seu concerto em qualquer sítio para a população? É um bocadinho esse conceito?
Nunca pensei muito nisso, mas acaba por embarcar um bocadinho nesse espírito, mas gosto dessa liberdade, de poder ser assim, isto é muito fácil, eu vou e não tenho de ter uma logística quase empresarial de ter uma banda, uma equipa, toda em conjunto e organizada. É sentir que estou em casa e, a qualquer momento, posso ir tocar e também é uma liberdade nisso de expressão, de não ter ninguém a depender de mim, porque estava ensaiado de determinada maneira, de poder interromper uma música a meio, porque me lembrei de alguma coisa e já aconteceu a meio de uma música estar a pensar “agora lembrei-me, o que é que vocês acham sobre determinado assunto ou sentem assim ou se não sentem” e a música prossegue, ou seja, também tenho essa ideia de criar um momento inusitado para quem vá ver.
Isso é aquilo que chamávamos há uns anos que era o agitador de massas, que de certa forma também põe o publico a pensar, és um bocadinho isso?
Quero ser, não sei se é um agitador, mas penso sempre que posso inspirar alguém um bocadinho e inspirar alguém, seja a mudar, seja a viver um bocadinho diferente, seja a imaginar ou a sonhar mais um bocado e também acho que da parte artística é também parte do nosso papel fazermos com que as pessoas vivam outras coisas e, se a realidade está aqui, naquele dia, naquele momento, se eu poder desviar a pessoa um bocadinho desse caminho e até impulsionar e inspirar a outra coisa é isso que é a minha intenção. Que não seja um mero entretenimento e, passado uma hora, já se esqueceu e voltou à vida normal. Eu gosto sempre da sensação de, quando alguém vem a um concerto meu, passado algumas horas ou um dia ou dois e recebo uma mensagem “olá Valter, estive a pensar naquilo que disseste.” Pelo menos uma pessoa atingi, já mudou e está a pensar fazer outra coisa e mudar, também conto a minha história de vida, que mudei de profissão, que mudei de área, e quero que as pessoas façam isso no sentido de irem ao seu encontro de se sentirem bem, eu quero é que as pessoas se sintam bem.
É isso mesmo, acabaste de falar uma coisa interessante. Sabes que o objetivo destas conversas é também dar a conhecer um bocadinho o artista, não só aquele “deus” que está no palco, mas também o que esta por trás, não é?
Que não é o meu caso que não sou nenhum deus.
Tu falaste agora numa coisa, tu mudaste de profissão, tu eras advogado ou pelo menos exerceste essa profissão durante alguns anos, o que é que te fez mudar assim de uma forma, passar daquele técnico sempre de gravatinha, com toga para um artista?
No fundo, o artista sempre esteve lá, o Direito foi a minha formação e, depois de ter uma formação, à partida, seria a minha profissão, era das poucas armas que tinha para poder trabalhar, acho que me valeu muito o Direito, deu-me um arcaboiço para outras coisas que eu sei fazer, para escrever, para falar, saber e conhecer outras coisas, mas eu sempre pensei e é isto que eu também gosto de transmitir, será que eu vou estar pouco tempo neste mundo? Será que vou ter de passar a grande parte do meu tempo dento de um escritório sentado a fazer isto? E depois apercebi-me que não era este o meu papel, o meu papel não vai ser este, o meu papel vai ser outro. E, se eu gosto realmente de tudo o que tem a ver com a música e não é só tocar e escrever canções, mas tudo que esteja à volta da música, da arte e da cultura eu vou ter que viver para isso, nem que me custe muito. Então por aí é que parti para outra altura e disse “não, vou ter de deixar isto”, não completamente porque ainda estou um bocadinho ligado, mas mudei. Vou quebrar aqui.
Tu tens tido ao longo da tua carreira, iniciaste presumo em 2012 com o EP, ao longo destes anos que tenho visto e o que fui acompanhando da tua carreira, porque eu vou acompanhando de certa forma as carreiras do pessoal, dos artistas mais novos, dentro daquilo que é a nova geração de artistas, és um artista conceituado no meio, respeitado também pelos colegas e isto para quê? Esta tua variante do Direito, do estudo do Direito que é muito importante também a consegues pôr ou disponibilizá-la para a defesa da própria classe artística? Isto partindo do princípio de que eu sei que tu és vogal de uma das instituições que defendem os artistas. Isso também é importante para os artistas terem também artistas que são técnicos especializados que possam contribuir para a salva guarda dos nossos direitos?
Sim, completamente. Posso dizer uma coisa que é, eu não sou um ativista, há artistas que são ativistas, recorrentes nas redes sociais, na televisão e vão nas manifestações. Eu não tenho muito esse feitio, eu gosto de fazer, é a minha maneira de ser, as coisas de uma forma mais orgânica, às tantas foi o Direito que me trouxe a isso, saber como é que funcionam as coisas, às tantas, eu tenho de as fazer de outra forma, às tantas, a minha função não é estar na rua com um megafone a gritar, mas é tentar falar com as pessoas, esclarecer pessoas e tentar ajudá-las. Referindo que estou ligado a uma das sociedades de gestão coletiva que é a GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas -, na qual também faço aconselhamento jurídico aos artistas no Porto, além de fazer parte da direção. E é esse o meu papel, aos artistas não só mas aos músicos, a atores e bailarinos e tentar informá-los dos direitos que têm, tentar encaminhá-los para assuntos quaisquer que tenham em contencioso e também explicar-lhes como é que poderiam de alguma forma gerir as suas carreiras artísticas, porque, às vezes, há uma coisa tão simples, como explicares como é que funciona a Segurança Social, como é que funcionam as Finanças, como é que devem fazer com as atividades.
Tudo isso são informações importantes e eu vejo-me mais nesse papel do que estar a dar a cara em frente a uma manifestação que é completamente legitima, válida, necessária mas eu não sou tanto essa pessoa, sou mais essa de estar na parte de ajudar os artistas e tenho feito individualmente a muita gente quer na GDA quer fora dela, vejo-me mais aí nesse aspeto. Ainda ontem aconteceu às 10:30H da noite perguntaram-me uma série de dicas e então dei o meu número de telefone. Estive uma hora ao telefone com uma pessoa que nunca vi a cara a explicar-lhe como é que poderia fazer isto, como é que poderia fazer aquilo, como gerir os seus direitos, entre muitas outras coisas.
Isso também é importante, às vezes é mais importante estar por trás na resolução dos próprios problemas do que ir para a rua gritar só por gritar, também sabemos perfeitamente que muitas vezes acontece.
Acho que são as duas coisas importantes, só devemos pensar em qual é a nossa posição e acho que a minha posição não é tanto essa, é outra.
Claro. Para tentar perceber, o Valter Lobo artista como é que tem visto o papel do estado ao longo deste último ano, que está a fazer 1 ano que infelizmente existe esta questão pandémica e que alterou de uma forma significativa o papel da cultura e dos artistas, como é que vês isso, enquanto artista?
Tento estar sempre no centro que é no do bom senso. Por um lado, eu sei que é difícil, ou seja, ninguém está preparado, que em tempo recorde dar rapidamente apoios e como e que vão fazer esses apoios sem saber onde é que estamos e para onde é que nós vamos é complicado. Por outro lado, estão lá pessoas a trabalhar e a defender, ou melhor, deviam estar a defender a parte cultural e a parte artística e acho que não estão a fazer muito bem. Como é que eu posso explicar isto da melhor forma?! Por um lado, não gosto de me queixar, por outro lado, há um dever, ou seja, estão a representar o Estado, estão a fazer um serviço público, mas também, se nós pensarmos que, até este período, nós representamos muito pouco, quer para o Estado, quer para a própria população não é?! A cultura é sempre um bem menor, um bem desnecessário, um bem facilmente desligado, nunca estamos em primeiro lugar e nunca estaremos e a falta de apoios também acaba por ser um bocado o espelho do que já representamos em relação à população e ao Estado há muitos anos. Agora, o que eu vejo é que podia haver pelo menos mais respostas, mais clareza no que se quer fazer.
É porque o pior disto tudo é haver silêncio e as pessoas passam um ano e nunca há respostas e, pelo menos, as pessoas que venham dizer assim: “a nossa ideia é esta, ainda não conseguimos fazer, nós estamos a planear a melhor maneira, nós estamos a fazer de tudo” e o que parece é que os artistas gritam, gritam, gritam e, quando falo dos artistas, falo de todo o meio artístico e cultural, mas ninguém responde. É como dentro de uma gruta, só se ouve o eco. E é preciso haver essa proximidade do estado também, chegar e dizer “não, a nossa ideia é esta, a nossa ideia é construir um estudo de artista, igual ao que há em França, igual ao que há em outros países, ou o mais aproximado possível, vamos dar uns apoios imediatos”, de que tipo? De que forma? Adaptado à nossa realidade, que eu também sei que Portugal não é a Alemanha. Falta essa proximidade, falta essa resposta e, depois, valorizar mais, pré e pós-pandemia, todo o mundo cultural, porque somos sempre, e não falo só dos músicos, falo de tanta coisa. Nós não falamos do teatro, não falamos de pessoas que fazem produções para outras comunidades, como vocês trabalham, comunidades mais pequenas. De repente, resumimos a cultura ao Teatro Dona Maria, ao Teatro Nacional de São João, aos coliseus, e a cultura não é só isso, a cultura é em todos os tempos, aqui em Vermil é cultura também e temos de pensar nesse âmbito.
Para finalizarmos, acho que a conversa está ótima e se calhar tínhamos aqui muito para falarmos, mas também temos de seguir algumas regras. Queres deixar uma mensagem para quem nos esta a ver e a ouvir em relação ao futuro próximo?
Não sou propriamente esse mensageiro, que parece que tenho sempre a frase na ponta da língua, porque não tenho. Às vezes, a melhor maneira é deixar transparecer o que eu penso para mim e eu penso que, se estudarmos um bocadinho a história, todos os nossos familiares antepassados passaram por períodos críticos e a verdade é que a nossa geração ainda não tinha passado por nenhum. Pelo menos nascido depois da Revolução de Abril, ninguém passou por nenhuma dificuldade deste tipo e isto vai fazer parte da nossa história também e eu tento olhar para isto como um período menos bom, tentar ir buscar o melhor possível, e, embora pense isto de alguma forma sendo um privilegiado, de maneira a que não me falta nenhum bem essencial para já, espero que não falte a nenhum de nós, mas que nós pensemos nisto como um período que vai passar, vai demorar, vai ser difícil mas vai fazer parte da nossa história. Eu não tento ver isto de uma forma como o mundo acabou, está a desabar e temos todos de cada um por si, não vejo assim, vejo que temos de ter alguma calma, alguma paciência e ver um futuro diferente. Aguentarmo-nos aqui um bocadinho, as pessoas são demasiado apocalípticas, eu uso muito este termo, e não podemos ser assim. É um período pior e vai haver um período melhor, nós vamos estar lá.
De certeza absoluta que irá haver um período melhor. Costumo finalizar estas conversas informais por agradecer a tua presença aqui mais uma vez.
E obrigado eu pelo vosso convite.
E dizendo sempre, sempre que vocês precisem e se precisares desta casa, daquilo que nós somos, daquilo que nós temos aqui, as nossas portas estão abertas porque também é essa a nossa função social e enquanto instituição. Agradeço-te mais uma vez e deixo para todos que nos estejam a ver a seguinte mensagem simples: protejam-se, porque o que é mais importante neste momento é a saúde e passarmos esta fase que é complicada e que chegamos ao final dela com vida e com saúde, porque, aí, temos todas as forças necessárias para continuarmos. Obrigado mais uma vez, Válter.
Obrigado eu pelo vosso convite e a toda a equipa e ao projeto que vocês estão de parabéns, também são um exemplo e desejo-vos a maior força e que no que poder ajudar também eu estou aqui.