Entrevista a Tyroliro, nova aventura musical de Giliano Boucinha
“Um sofá Uma história” é uma conversa informal entre o diretor artístico do CLAV-Centro e Laboratório Artístico de Vermil com os convidados das CLAV LIVE SESSION sobre as suas carreiras, processos de criação, arte, cultura, opiniões sociais e outros temas da sociedade, ou seja, dar a conhecer ao público um pouco mais o “ser” que esta por detrás do artista.
Olhemos ao espelho e encontremos a nossa identidade, subjugada pelo tempo e pelo espaço. Tyroliro é a nova aventura musical de Giliano Boucinha, músico de outras e muitas andanças. Já nos mostrou Utter, Colibri, Paraguaii, é também membro e compositor em Captain Boy e revela-se, agora, a solo com o seu disco de estreia “Tu és Brute”. Sabemos logo, pelo início, ao que vamos. O pano de fundo é o folclore, a nossa infância, presa por remendos, quase caída no esquecimento e que agora, qual icebergue da psic, vem à tona. Vivências, histórias, fantasias, perspectivas, sonhos, tudo isto é fundido e dado a ouvir, numa bandeja sonora bem misturada. Este é, de longe, o trabalho mais pessoal e intimista de Giliano Boucinha. Vemos o risco, o ardor, o prazer, enfim, a astúcia dum músico multifacetado que deambula pela música mais dançável, através do uso com mestria da simbiose entre guitarra jingada e sintetizadores herméticos, pelo rock mais convencional mas com pitadas de cordas clássicas e onde, em suma, vemos quase correr três décadas de música aos nossos ouvidos. É do que é feito o artista que nos é dado a ouvir; do início ao fim.
A lírica de Tyroliro mostra-nos o à vontade com que nos conta a sua história: do preâmbulo até ao fim. Conta nos histórias com história, fala-nos sobre a esperança, sobre o erro do que é ser humano, do que é o mundano e idílico, do que todos gostávamos de ser, sobre o infindável desejo de nos superarmos, sobre a dança, sobre lágrimas, sobre Roma, sobre relações e ações. Enfim, sobre tudo o que o que une, verdadeiramente, as peças das nossas vidas e nos faz construir uma linha que nos guia a memória, o pensamento e nos permite ter a nossa própria noção de identidade. Nem tudo é belo e perfeito, mas nem tudo está perdido. É na incerteza sobre o futuro, a morte e a vida que Tyroliro se vai rebuscar no passado, na memória, no tradicional, no seu Minho, e constrói o éter da sua história e da sua visão.”Tu és Brute” fala diretamente para nós. Somo todos nós, aqui, chamados a capítulo. O resultado só pode exigir que nos afundamos nele, do início ao fim. Respiremos de alívio, diz nos ele: a nossa memória está bem viva e do nosso passado, só pode nascer o futuro. Apesar do incitamento, inicial, ao choro, ficará a dúvida: língua da sogra ou pipocas? É uma questão que só nos pode deixar felizes.
Olá boa-noite, bem-vindos mais uma vez a “Um Sofá, Uma História”. Desta vez com o Gil.
Boa noite.
Boa noite. Que veio aqui com o seu novo projeto. Projeto que, no meu ponto de vista, é muito interessante, que foge um bocadinho aquilo que ele nos está habituado a dar enquanto artista e enquanto músico. É um projeto a solo que tem como nome “Tyroliro”. Gil, porquê deste nome?
Ora bem, “Tyroliro”, a razão é muito simples, eu tinha um avô que tinha a alcunha de tiroliro e, basicamente, na altura que tinha de escolher o nome para o projeto achei pertinente escolher esse nome, porque representa um bocado este lado Minhoto que também tenho nas letras e na musicalidade, e como é-me familiar achei que podia ser um nome interessante para o projeto. Basicamente foi isso, não há mais nada.
Como é que tu caracterizas este teu novo trabalho? Se o consegues caracterizar, eu acho que consegues.
Olha, a última vez que tentei rotular isso, até foi com o pessoal da Gig, que é a minha agência, eles próprios também rotularam como o retrowave minhoto. Achei engraçado porque realmente faz algum sentido, não é? Faz algum sentido pelos teclados, sound wave ,essa abordagem, é um bocado por aí.
As tuas letras são algo interessantes. Recorda-me algumas expressões que nós utilizávamos aqui tipo: vais levar no focinho, levas no focinho. Elas são provocatórias para chamar atenção de alguma coisa ou, simplesmente, foi aquilo que te saiu na altura enquanto estavas a compor?
É assim, como é que vou pôr isto? Eu quando comecei a escrever, nunca tinha escrito em português e, quando decidi fazer o projeto a solo, pensei muito bem em fazê-lo em inglês ou fazê-lo em português e comecei por fazê-lo em inglês, e percebi que haviam parecenças com projetos que eu já tinha e que ainda tenho com o Paraguai e etc. Queria fugir um bocado disso, queria acima de tudo queria fugir e não queria que fosse algo que fosse parecido com aquilo que eu já estava a fazer, daí a diferença, digamos assim. E, ao começar a escrever em português, que foi algo que eu sempre disse que não o iria fazer, porque eu achava que era difícil, e acho que tens de ter os pés bem firmes quando escreves em português porque primeiro a tua autocrítica está muito mais acentuada, e quanto mais acentuada for, mais exigente é quando tu estás a escrever, mas no momento em que comecei a escrever e comecei a arranjar um tipo de solução que me estava a agradar e me estava a suar realmente bem foi ai que eu decidi realmente “opá, é isto, é este projeto que eu acho que vou abraçar e é isto que vou fazer agora como projeto a solo” e basicamente aquilo não são, nada mais, nada menos que devaneios. Eu percebo que é um bocado o subconsciente a trabalhar e isso represente um bocado aquilo que eu vivo, onde eu vivo, onde eu estou, com quem eu estou e é isto, é o minhoto, nós somos do Minho e eu não consigo não fazer isso escrevendo em português. E, claramente, eu tenho de ir buscar coisas que o pessoal do Norte é sempre muito mais duro na palavra, mas não é duro no sentido de querer magoar ou querer criar suscetibilidades em algum sentido porque é realmente a nossa expressão e o nosso maneirismo de falar. Eu acho isso super interessante de pôr nas músicas porque faz-se pouco também isso, não é? Buscar mesmo aquelas nuances de palavras, e frases e expressões que se calhar a gente não as consegue perceber numa música.
Mas o que está por trás tem um fundamento de critica para a sociedade ou não? Por exemplo, o que é que tu queres dizer com o “dormir com os cães”, por exemplo? Ou “levas no focinho a toda a hora”? Existe aqui alguma critica por trás? São estados de espíritos gerais ou globais?
Eu sempre, tanto no inglês como no português neste caso, escrevo sempre num sentido imagético, ou seja, eu sempre gostei muito de surrealismo, sempre gostei muito da arte abstrata e é um bocado aquilo que eu quero representar um bocado nas minhas letras, aquilo não tem de fazer propriamente sentido. São imagens fortes porque as palavras são fortes, por isso é que criam essas imagens fortes e, de certa forma, também conseguem marcar mais, eu penso assim e não há um contexto, não há um fio condutor digamos assim que me leva a escrever um poema e, claro que depois, a determinada altura começo a contextualizar, não é? Mas no fundo são imagens, são devaneios e são imagens bonitas e frases que eu acho que fazem sentido juntas numa música e para mim isso basta, não tem de ter mais do que isso.
Ok, mas também percebes que poderá haver aqui uma dupla interpretação mesmo de quem te ouve, não é? E eu estou a falar de mim, da primeira vez que ouvi um dos teus temas eu senti que está aqui uma critica interessante ao nível social. Tinhas consciência que isso poderia acontecer? Que do outro lado houvesse outro tipo de interpretação às tuas letras?
Exato. Sim, ainda à bocado falamos sobre isso, tenho a música “Lágrimas” que foi o primeiro single que eu lancei em que a primeira frase que eu digo é “levas no focinho a toda a hora”. Opá isso, já não é a primeira pessoa que me diz no exterior que parece que a música é sobre maus tratos e não tem nada a ver com isso. Tem a ver com o facto de tu viveres a vida e estás sempre a levar no focinho porque a vida dá-te no focinho toda a vida e tu cresces com isso e essa expressão é simplesmente isso, não é mais nada do que isso, percebes? Portanto, eu percebo que uma frase às vezes pode contextualizar demasiado aquilo que a música pode querer dizer, mas é como te digo, se interpretares a letra toda eu não me refiro nunca a maus tratos nem a violência doméstica, nada disso.
Sabes que eu pessoalmente acho muito interessante o publico, os ouvintes numa música terem sempre a possibilidade de vários tipos de interpretação, acho que isso é sinónimo de que a coisa foi bem conseguida porque te permite a ti enquanto ouvinte retirar dali vários tipos de informação, porque faz com que cada um de nós a ouvir tenha uma interpretação diferente e eu acho que isso é muito interessante, mas isto é uma opinião pessoal.
Claro, obviamente que sim. Eu quando falei nesta questão da má interpretação não quer dizer que seja global, nem que seja geral, eu falei que às vezes, na primeira pergunta que tinhas falado se havia alguma, são palavras duras mas não são para ferir nada, são simplesmente palavras e expressões utilizadas neste meio onde nós vivemos e que são uma expressão em forma de arte, fazer ponto. Acho que tem de se interpretar dessa forma.
Muito bem. Como é que foi o teu processo criativo na produção deste teu novo trabalho? Ele também foi produzido na altura, logo a seguir praticamente, do primeiro estado de emergência se não estou em erro, não é? Isso também fez com que houvesse aqui alguma dinâmica diferente neste teu novo trabalho?
Sim. Sim, nós entramos em confinamento em finais de março e eu já tinha o disco no forno, digamos assim, já tinha muitos temas compostos e estava naquela do, sabes quando estás a compor e estás a deixar arrastar, aquele arrastão que nunca mais te decides que aquilo vai sair, aquela tomada de decisão final que, é agora, percebes? E então estava com aquelas ideias todas a “marinar”, a produzir e a tentar perceber por onde é que a coisa poderia andar, ainda com muitas dúvidas e na altura quando houve o confinamento realmente houve um reforço da ideia de que agora é a altura certa, às tantas para concluir isto e preparar a edição, preparar tudo aquilo que está ligada à edição do disco e à preparação do disco, que também é uma trabalheira jeitosa como deves saber, e então decidi de facto nessa altura em março ok, vou acabar o disco, já tenho os temas, vou começar a contextualizar a imagem total sobre o nome do Tyroliro, as fotografias, o fazer o primeiro vídeo clip, que também fiz em casa com a minha namorada, mulher, esposa, etc. e a minha filha e foi assim um trabalho caseiro de facto porque estávamos a viver esse primeiro confinamento mais agressivo psicologicamente, porque ninguém se estava a aperceber do que é que se estava a passar, parecia que estávamos todos assim num estado de guerra, não é? E então, enclausurados em casa e foi isso, foi uma tomada de decisão, foi um reforço de ideia. A pandemia acabou por trazer essa parte para o lançamento do disco e do projeto em si. Mas, o processo criativo foi basicamente, já andava aqui à alguns anos a “marinar” e dizer ok, qualquer dia vou fazer um projeto a solo, algo que me enche-se as medidas, digamos assim, e pronto, basicamente foi isso que andei a fazer nos últimos anos em relação a este projeto até esta tomada de decisão de é agora que vou editar isto e vou mandar cá para fora.
Diz-me uma coisa, foi difícil para ti esta questão desta paragem quase por obrigação, que nos obrigaram a ter em relação à questão das artes, à questão dos espetáculos? Afetou-te um bocado, mesmo a nível psicológico ou não? Como é que tens sentido estas questões?
Opá, acho que é difícil para todos, não é? Por muito mais normalidade que a gente queira trazer para as nossas vidas acaba por ser muito difícil porque realmente nós não vivemos em liberdade total e paz, não o conseguimos fazer. Mas, ao mesmo tempo, acho que também acabou por nos trazer outras coisas boas, que foi nesta parte criativa das artes, que a gente realmente tem de se isolar e compor, tentar fazer uma retrospetiva das coisas. Acabou por ajudar nesse sentido, não só para o Tyroliro, mas para outros projetos, para outras coisas que também fiz ao longo deste tempo. Mas, normalmente, eu encaro isto sempre de uma forma, sou um bocado positivo nestas coisas, eu sou sempre positivo. Às vezes peco por isso, mas eu acho que a parte mais difícil foi mesmo aquela questão do isolamento. Quando dizem que não podemos sair, que está tudo fechado e a vida acabou, não é? Quer dizer, aí é difícil, é difícil porque não há contacto social, não há essa vivencia e acaba por se tornar demasiado enclausurado e, eu sou um bocado claustrofóbico até e faz-me alguma confusão. Mas na parte do desconfinamento, como estamos agora por exemplo, acho que com menos regras, mais regras as coisas vão acontecendo e eu já me tranquilizo bastante e acho que a perspetiva de futuro tem de ser sempre positiva nesse sentido. Claro que não há concertos, quer dizer, não há concertos para ninguém basicamente, há estas iniciativas que existem e já existiam e que acabam por colmatar um bocadinho essa falta de tocar ao vivo e não sei quê e que ajuda, mas opá, no fundo é um bocado essa globalidade das coisas, há coisas boas e coisas más a acontecer. Acho que, se calhar, nos últimos 10 anos nunca fiz tanta coisa criativa como nesta temporada toda neste último ano. Fiz muita coisa, fiz coisas que ainda não saíram, mas estão a “marinar”, e que vão sair, projetos não só de música, mas como outras coisas e nesse sentido foi bom, não posso dizer que não.
Se calhar também era preciso pararmos aqui um bocadinho para pensarmos e até surgir e aproveitar coisas novas, porque às vezes também se calhar a falta de tempo também faz com que a gente também não tenha tempo para as questões da criação artística, não sei presumo.
Sim. Claro.
Como é que tu vês o futuro próximo ao nível artístico? Achas que a partir deste momento as coisas irão mudar um bocadinho ou não? Haverá um regresso a uma dita normalidade, tudo igual ou vai haver aqui mudanças?
Falei com um colega meu à uns tempos e fixei aquilo que ele disse e quero acreditar muito nisso. Não estou muito preocupado com aquilo que o futuro me reserva, porque acho que isso é uma ansiedade que não faz sentido ter, mas anseio que quando isto realmente ficar livre que voltemos aos anos 20. Como muitos dizem, não é? Há uns estudos que dizem que isto vai voltar aos anos 20 e vamos ser os novos loucos anos 20. E, se assim for, para a cultura é muito saudável porque a coisa mexe, não é? E acho que, sinceramente, pode haver essa sede das pessoas, a procura, a vontade de querer fazer mesmo os próprios projetos, eventos, etc. Eu acho que prevejo um boom nesse sentido sinceramente. Prevejo quando isto estiver pronto, mas também se calhar as coisas podem ser progressivas e a gente não sente um boom. O futuro o dirá, mas acho que é isso.
Para finalizarmos, diz-me lá uma coisa, tens coisas marcadas já para o futuro? Espetáculos, concertos com este projeto ou as coisas ainda estão aqui em…?
Não. Sabes que, lá está, também perco um bocado por isso, como lancei o projeto no ano passado em pandemia a coisa arrastou-se até agora. Já tinha coisas marcadas, por acaso eu para apresentar o projeto ao vivo em dezembro, depois passou para janeiro, depois entrou a pandemia, foi tudo adiado. Tenho um convite feito, aliás, tenho uma marcação para agosto em princípio para participar no “Termómetro”.
Ótimo.
Acho que é sempre uma boa ferramenta de promoção e de tocar e conhecer outras pessoas e nesse sentido. Mas marcações de concertos como deves perceber é muito difícil.
Sim, percebo.
Havia coisas marcadas e que estavam mais ou menos alinhavadas, ou então se for marcação agora mesmo é sempre dificil porque mesmo os próprios agentes como os promotores ainda não sabem muito bem como é que a coisa vai andar, não é? Ok, há coisas marcadas e que vão acontecer com as devidas regras, mas no que toca a marcação normal de concertos e etc. está tudo um bocado ainda a divagar e a perceber para onde é que isto vai.
Neste momento quase que trabalhamos a marcar as coisas de uma semana para a outra porque o espaço de tempo aqui é um bocado difícil porque nunca sabemos o que é que vai acontecer.
Depois tens aquela questão do publico, não é? Por muito que queiras é uma questão só de forçar que as coisas andem mais na normalidade porque no fundo é um bocado triste, é triste, mas temos de aceitar isso, de ir tocar e tocar só para meia sala ou tocar só para 25% da sala, quer dizer, é um bocado castrador, não é? É morrer na praia digamos assim muitas vezes. Mas temos de aceitar e acho que os tempos irão mudar no futuro, como toda a agente quer, que isto mude e que volte tudo ao normal.
Claro. Sim, eu presumo que melhore tempos virão, de certeza absoluta. Queres deixar alguma mensagem aqui para o pessoal que nos está a ouvir e que nos está a ver nesta entrevista?
Posso mandar uma mensagem, mas há uma tipologia de mensagem? O que eu quiser dizer?
Não, aquilo que tu achares. Aliás, tu já deixaste muitas mensagens, foste uma pessoa muito positiva no que diz respeito à questão do futuro, não é? Portanto ao longo desta conversa já deixaste um conjunto de mensagens.
Sim, sim. Vou ser mais um bocado promocional, sigam-me nas minhas redes sociais, estarei brevemente a lançar um novo disco que também estou quase a finalizar e tenho algumas coisas a acontecer também com o Tyroliro que não posso revelar, mas que irão acontecer num futuro próximo e basta-me dizer para estarem atentos às redes sociais porque é a única ferramenta neste momento que é direta às pessoas.
Gil, para nós foi um prazer receber-te aqui mais uma vez. É sempre interessante termos um filho da terra, não deixas de ser um filho da terra. Não só pela proximidade, mas também és um filho aqui do território, deste pequeno território, não só de Guimarães, mas deste aqui e eu costumo sempre finalizar esta pequena conversa de pares por dizer o seguinte, sempre que precisares e que a gente poder esta casa está sempre aberta para ti. Temos sempre imenso prazer em poder-te receber sempre que achares que é útil e que é importante para ti.
Igualmente. Foi muito bom, muito obrigado. Muito obrigado.
Mais uma vez, obrigado pela tua vinda aqui, gostamos imenso. Acho que foi um projeto e é um projeto muito interessante.
Obrigado eu. Muito obrigado.