Entrevista. Alfredo Cunha: “Tínhamos de lutar pela liberdade, temos de lutar por ela. Não há direitos adquiridos”
Fotojornalista do jornal “O Século” e com vinte anos acabados de fazer na altura, Alfredo Cunha esteve lá, naquele “dia inteiro e limpo” de Abril. Faz hoje, precisamente, 50 anos que a lente da sua máquina fixou, em primeira mão, a história a acontecer. As imagens ficaram, entre elas as do “líder” — isto nas suas palavras, porque o considera um líder — Salgueiro Maia. Salgueiro Maia esse que, numa das fotografias, enquanto lhe fazem a continência, olha directamente para si e para a sua máquina com um olhar penetrante como que a perguntar o que Alfredo fazia ali e a razão de o estar a fotografar. Mas Alfredo Cunha estava do lado certo e assim permaneceu, em conjunto com os relatos do jornalista Adelino Gomes, como um dos grandes fotógrafos do dia 25 de Abril de 1974, o dia que mudou o rumo de Portugal e o trouxe para a cor da contemporaneidade. Agora, volvidas cinco décadas, a Comunidade Cultura e Arte (CCA) falou com Alfredo Cunha e que conta como foi.
“As redações eram sítios, normalmente, de oposição, mesmo nos jornais afectos ao regime. Não quer dizer que fossem comunistas, isto ou aquilo, eram da oposição“, relembra à CCA Alfredo Cunha. Mas como era, nos anos 70, em plena Primavera Marcelista, jornalistas de oposição viverem numa realidade em que não podiam contar toda a verdade, ou melhor, a realidade? Incompreensivelmente, conta-nos Alfredo, “às vezes passavam coisas muito graves que a gente não pensava que iriam passar e, às vezes, havia coisas ridículas que não passavam“, revela.
Contrariamente à expectativa de que a Primavera Marcelista — o período histórico que compreende os anos em que Marcelo Caetano, o sucessor de Salazar, esteve no poder — trouxesse uma maior abertura, uma abertura que pudesse ser assim chamada, de facto; a verdade é que o fotógrafo de Abril diz que, para si, não “havia grande diferença” entre o período de Marcelo Caetano e o período Salazarista. Na verdade, pelo que afirma, acha que “era tudo a mesma coisa“.
Lembrou que, “como se costuma dizer, o antigo regime não caiu, desabou“, uma vez que em 1974 já se encontrava moribundo. Enfatizou que, “no dia 16 de Março tinha havido uma tentativa e sabia-se que ia haver outra, não se sabia era quando.” Pelo que no entender das redacções da altura, um “25 de Abril”, fosse quando fosse, não seria de todo uma total surpresa ou motivo de completo espanto.
No dia 25 de Abril, pela sua experiência, relata que, “inicialmente, havia alguma tensão, alguma expectativa, mas há medida que o dia ia avançando as coisas iam ficando mais claras. Toda a gente estava mais optimista“, afirma. Revela que alguns dos momentos mais dramáticos foram “os da Ribeira das Naus, inicialmente, quando as duas forças militares estão em confronto. Em confronto nunca estiveram, mas estão frente a frente e essa negociação foi complicada. Houve ali umas horas de manhã em que houve muita tensão e foi muito stressante. Da parte da tarde foi durante a rendição do professor Marcelo Caetano, no Quartel do Carmo“, relembra.
O fotógrafo destaca que “os acontecimentos foram em crescendo, certo? E culminaram com a rendição do professor Marcelo Caetano.” Pelo que afirma, aí é que teve a certeza de que a revolução vingaria sem margem para dúvidas, quando “Marcelo Caetano entregou-se aos militares que lhe asseguraram a segurança e tiraram-no dali dentro de uma chaimite. Foi quando Marcelo Caetano, o antigo primeiro-ministro, saiu preso dentro da chaimite por entre milhares de pessoas, já perto das 19 horas, 18h30“, relembra.
Quanto a Salgueiro Maia, o capitão que olha para Alfredo Cunha de modo penetrante naquela que é das suas fotografias favoritas, relembra-o como “um líder. Um jovem de 29 anos mas que já tinha seis anos de guerra. Um líder muito carismático“, reitera.
“De facto, estávamos quase há 50 anos sem liberdade“, diz o fotógrafo, se contabilizarmos o período ditatorial a partir da ditadura militar de 1926. Caracteriza o estado da população como “de euforia total, de entusiasmo“, aplicando os mesmos adjectivos para os dias imediatos após o 25 de Abril. Antes do dia que traria Portugal para a cor, o fotógrafo relembra uma população portuguesa com elevados níveis alfabetismo, pobreza. Conta à CCA que “foi exactamente isso” que o levou a escolher o lado contrário ao do regime: “Era da oposição, exactamente, porque morava numa zona onde havia bairros de barracas imensos, a Amadora, e uma realidade laboral duríssima“, explica. A Comunidade Cultura e Arte chama atenção para o rol de fotografias partilhadas por Alfredo Cunha nas suas redes sociais que, além do 25 de Abril, não esquece também o que Portugal antes. A descrição com as partilha é directa: “Em Antes do 25 de Abril, era assim! o resto é conversa da treta“. As expressões, o trabalho, as vestes, o calejo, a aspereza do dia, retratadas também nas faces das mulheres maioritariamente trajadas de negro e para quem a realidade não lhes era apresentada de forma leve, revelam o que não se pode esquecer. Retrocessos actuais dizem-lhe que “não há direitos adquiridos, temos de lutar por eles. Tínhamos de lutar pela liberdade, temos de lutar por ela“, reforçou à CCA.