Entrevista. Ana Drago: “É uma ameaça criarem-se centros urbanos onde só vivem os muito ricos. É uma ameaça à ideia de cidade democrática”
“É uma ameaça criarem-se centros urbanos onde só vivem os muito ricos. É uma ameaça à ideia de cidade democrática”, sublinha Ana Drago que lançou este ano o livro “A Cidade Democrática, Habitação e Participação Política no pós-25 de Abril” (ed. Tinta da China), em que aborda as políticas de habitação no pós-revolução.
Doutorada em Estudos Urbanos pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e FCSH/Universidade Nova de Lisboa, Ana Drago compreende que em momentos de crise tenha existido uma classe média que tenha ido buscar rendimentos ao mercado de habitação, “isso viu-se pelo aumento do alojamento local“, no qual colocou as suas casas, “não por maldade, mas porque o rendimento não vem dos salários e não vem das pensões“. Mas avisa que é necessário regular o mercado e passar a mensagem de que “não é criando uma crise de habitação” que os investidores e fundos imobiliários vão buscar uma rentabilidade elevada. Reconhece, no entanto, que no caso de senhorios descapitalizados e que pratiquem rendas muito baixas, estes poderiam usufruir de uma linha de crédito estatal. A autora chamou ainda atenção para o deslumbramento com o turismo e para um setor que pratica salários muitos baixos. Referiu que “a esquerda tem de ser capaz de reconstituir espaços de partilha e de organização de lutas sociais“, mas também que os meios mediáticos não dão a atenção devida às propostas da esquerda, ignoradas por comentadores. Abordou a escalada do discurso de ódio por parte dos partidos de extrema direita, a agressão contra políticos no contexto europeu e, no caso nacional, afirma que ignorar o discurso de ódio sem nada se dizer não é uma solução: “Vão afirmar que faz parte da sua opinião e da sua liberdade de expressão dizerem que as mulheres são pouco inteligentes, que os ciganos são aldrabões, que os negros são preguiçosos“, assumiu Ana Drago em entrevista à Comunidade Cultura e Arte.
O seu livro começa logo com uma citação de um discurso de Alberto Alarcão, que foi feito pouco antes do 25 de Abril. Já na altura lançava críticas à forma como os territórios urbanísticos à volta de Lisboa foram construídos. Aconteceu muita coisa desde então, sucederam-se muitas alterações tanto ao nível político, urbanístico, como ao nível social. Não deixam de ser identificados, no entanto, problemas de base. Será que até hoje ainda não conseguimos colmatar esses mesmos problemas?
O Alberto Alarcão acaba por fazer uma intervenção quando o processo de metropolização à volta de Lisboa já tinha entre uma década e uma década e meia. Percebia-se que as políticas, que tinham sido lançadas pelo Estado Novo para responder especificamente ao problema da habitação, eram claramente insuficientes. O antigo regime começa, no final dos anos 70, a tentar encontrar mecanismos e políticas públicas, em particular pela chegada de Marcelo Caetano, numa espécie de modernização autoritária, e encontra, de facto, alguma capacidade do Estado para resolver o problema e a crise de habitação que havia na altura.
Mas, na verdade, o regime do Estado Novo já estava preso numa enorme contradição: enviar todos os recursos para combater na Guerra Colonial. Diria que a questão metropolitana, que já estava cheia de injustiças, dificuldades e contradições do governo, é um dos elementos do 25 de Abril. Não foi o que espoletou o golpe militar, obviamente, mas nos territórios urbanos já estava muito patente essa dificuldade do regime em fomentar políticas que respondessem ao processo de industrialização nas áreas metropolitanas. Ao longo do tempo, em particular na primeira década após o 25 de Abril, nota-se que há também uma enorme dificuldade do regime democrático em responder à crise habitacional.
Por volta de 1974 e 1976, são lançadas várias políticas que procuram colocar o máximo de casas no mercado e promover a construção, particularmente com os instrumentos da expropriação dos solos urbanos, que são lançados no pós-25 de Abril, tentando responder ao grande movimento urbano das comissões de moradores com novos programas, nomeadamente o SAAL [Serviço de Apoio Ambulatório Local], que ficou sempre conhecido como o programa mais ambicioso para responder aos moradores pobres dos bairros de barracas. A partir de 1976, 1977 e 1978 há uma certa travagem nessas políticas públicas para não assustar o investimento privado e por um enorme receio de mexer na estrutura de propriedade dos solos, uma vez que o setor da construção era muito importante na economia do país e no domínio do emprego. É, então, tudo direcionado para o mercado.
Há uma enorme construção clandestina nesta primeira década e, consequentemente, as pessoas compram terrenos e constroem ilegalmente as suas casas nas áreas metropolitanas. A partir do momento em que entrámos na União Europeia, com o processo de financeirização e de acesso ao endividamento no banco, é o setor privado que vai dar alguma resposta às dificuldades de habitação e, a partir dos meados dos anos 90, temos esta dupla resposta: por um lado, as pessoas endividam-se para comprar casa própria, o que aconteceu em Portugal, e temos alguns programas públicos que voltam a tentar realojar populações mais pobres, nomeadamente o PER [Programa Especial de Realojamento] que começou em 1993.
Trata-se de um programa que demorou muito tempo a ser implementado, cometeram-se erros urbanísticos significativos, mas foi uma tentativa de dar resposta a situações de carência habitacional grave. Tudo isto se desenvolveu até à crise financeira que tivemos há 15 anos e que mudou, um pouco, o paradigma do investimento e do acesso à habitação. Olhando para as periferias de Lisboa, penso que a questão do desordenamento urbanístico — e ainda a fraca qualidade construtiva, assim como algumas dificuldades de acesso à habitação digna por parte de segmentos mais pobres — continua a prevalecer. Diria que as políticas de habitação são, como escreveu o Nuno Serra há uns anos, um parente pobre dos direitos sociais da cidadania democrática.
Considera então que um dos problemas até aqui consistiu na falta de uma aposta de rede pública na habitação.
Sem dúvida. Quando olhamos para outros direitos sociais que foram criados pela Constituição de 1976, como o direito à educação e o direito à saúde, não havia na altura uma iniciativa privada muito significativa, por isso mesmo o Estado podia expandir a sua rede e a sua oferta sem verdadeiramente entrar em conflito com interesses privados. Com a habitação já era diferente porque, para se criar habitação pública, tinha de haver necessariamente um processo de conflito, quer com os interesses privados na área da construção, quer com a propriedade privada dos solos urbanos.
O regime democrático escolheu não fazer esse conflito, preferiu antes criar mecanismos que auferissem algum tipo de apoio à procura das famílias, nomeadamente a bonificação dos juros: no fundo, incentivar esses setores privados e por isso é que chegámos a este momento e temos apenas 2% de parque público habitacional, que é uma percentagem muito fraca quando olhamos para outros Estados no contexto europeu.
“As políticas de habitação são, como escreveu o Nuno Serra há uns anos, um parente pobre dos direitos sociais da cidadania democrática.”
Como é que olha para o “Programa Mais Habitação”?
Creio que o “Programa Mais Habitação” procurou dar uma resposta a alguns debates que temos tido sobre as novas dificuldades de acesso à habitação e, como tal, percebeu que havia alguns tipos de nova procura que distorcem o mercado habitacional em relação às políticas do passado. Antigamente conseguia-se desenhar uma política de habitação tendo em conta que existia um conjunto da população que se estava a deslocar de um lado para o outro dentro do território nacional, alguma imigração, mas ela não seria assim tão significativa e, dessa forma, desenhou-se a política de habitação. Hoje, temos um conjunto de procuras externas — seja pelo alojamento local, seja pela compra de investidores estrangeiros ou de residentes estrangeiros — que dificulta esta política de habitação.
O “Mais Habitação” criou a tal taxa sobre o alojamento local e estipulou que as licenças deste tipo de alojamento seriam reanalisadas no final desta década. Já se percebia que o alojamento local, em particular nos centros urbanos e nas áreas metropolitanas, tem um impacto significativo no stock habitacional disponível para a habitação permanente. Por outro lado, introduziu um mecanismo de regulação da subida de rendas, na renovação dos novos contratos: quem tinha uma casa alugada só podia subir 2% de renda. Neste ponto, tentou-se colocar um ligeiro travão, no âmbito dos contratos de arrendamento e baixar um bocado o que tem sido a pressão para a subida de preços. Quanto a mim, foi ainda insuficiente.
Quando o novo governo vem, neste momento, retirar esta taxa sobre o alojamento local, não se percebe o que vai acontecer com a renovação das licenças e se este travão ou subida dos aumentos das rendas também se vai manter. Creio que está a dar os incentivos errados ao mercado porque não temos propriamente um problema de falta de casas: alguma construção tem de ser feita, obviamente, tal como a renovação de casas que existem e que já não respondem às necessidades existentes, mas somos o quarto país da União Europeia com maior número de casas para famílias residentes.
Não temos propriamente um problema de falta de casas. Temos muitas casas vazias, devolutas apesar de os preços estarem muito elevados e, por isso, é preciso perceber o que está a acontecer aqui. São senhorios que não têm capacidade financeira para fazer a renovação e colocar no mercado? Então, se calhar, mais do que uma linha de crédito à construção, precisamos de uma linha de crédito a senhorios que estejam descapitalizados, que tenham algum tipo de apoio e que possam colocar as casas no mercado a preços acessíveis. Incentivar a construção por essa mesma razão parece-me muitíssimo preocupante.
“Somos o quarto país da União Europeia com maior número de casas para famílias residentes.”
Para si, a lei Cristas foi decisiva na forma como a crise da habitação se foi desenvolvendo? Há quem critique esta lei e depois quem a defenda, uma vez que também se alega que o valor das rendas poderia ser posteriomente negociado entre o inquilino e o dono da casa, e o problema foi a falta de informação quanto a isso e como poderia ser feito. Também há quem alerte para as rendas baixíssimas de então e que já estavam congeladas há muito tempo.
A lei Cristas criou uma desproteção em relação aos inquilinos. Criou contratos muito curtos, o que significou que os preços puderam subir muito rapidamente com contratos de três em três anos, e permitiu expulsar dos centros urbanos um conjunto de classes populares para que esse stock habitacional pudesse ser vendido ou para casas de alto luxo com a renovação — e, de facto, tivemos renovação, mas não foi uma renovação para quem normalmente habitava a cidade — ou mesmo para o alojamento local. Permitiu a proteção de pessoas acima dos 65 anos, muitas das quais têm de facto rendas muitíssimo baixas, o que não permite aos senhorios fazer sequer a manutenção do edificado.
A verdade é que o anterior governo procurou fazer um estudo sobre este mecanismo de proteção e estava, creio, em desenvolvimento uma lógica de apoio do Estado a estes senhorios que têm rendas muito baixas e que, de alguma forma, ficam com os custos daquilo que é uma política social de habitação. Não me parece mal que essa política fosse implementada, ou seja, que para pessoas acima dos 65 anos com fracos recursos económicos, o Estado criasse um mecanismo de apoio que permitisse a manutenção destas pessoas nas casas onde habitaram a vida toda, compensando os senhorios.
A lei Cristas veio, de facto, liberalizar o mercado acrescida dos outros instrumentos que conhecemos, como os chamados Vistos Gold, bem como dos residentes não habituais criados já em 2009, mas que, a partir da crise de 2011, 2013, tiveram um grande impacto no mercado da habitação num contexto em que a indústria da construção foi afetada: perdeu metade dos seus trabalhadores.
Em 2008 tínhamos meio milhão de trabalhadores no setor da construção e, em 2013, tínhamos 250 mil, ou seja, perdemos muitas empresas, muito trabalho. Todas essas novas casas que foram libertadas pela liberalização do arrendamento foram para procuras externas ou para novas formas de rentabilidade e, de alguma forma, retiraram classes populares e classes médias de cidades diversificadas como eram Lisboa e Porto. Considero que as cidades democráticas devem ser construídas nesta ideia de diversidade social, uma vez que faz bem às sociedades democráticas, dentro do espaço de convivência quotidiana, possuir diferentes segmentos sociais a habitar os centros urbanos.
É uma ameaça criarem-se centros urbanos onde só vivem os muito ricos. É uma ameaça à ideia de cidade democrática. Por isso mesmo, penso que a lei Cristas — coadjuvada com os outros instrumentos fiscais para captação de investimentos estrangeiros, de compras de estrangeiros e de procuras externas no mercado da habitação — criou esta lógica de cidade muito gentrificada. Percebemos hoje que é o que acontece em Lisboa, no Porto, em Cascais e no Algarve, que são os sítios em que a crise habitacional é mais sentida, em especial pelas novas gerações.
“Temos de dizer aos fundos imobiliários, aos vários investidores que não é criando uma crise de habitação que vão buscar rentabilidades elevadas. Isso exige regular o mercado, não vejo outra maneira de o poder fazer isso.“
A Ana Drago aponta para a estranheza de existir esta discrepância entre os valores de arrendamento praticados pelos senhorios e a média dos salários praticados em Portugal, tal como já foi focando na sua resposta. Aponta como possível causa a procura externa que têm poder económico para cobrir esses valores. A regularização do mercado, como aponta, tal como a regularização da compra por não residentes resolveria a situação? Seria suficiente? O que precisaria de ser feito mais?
Há um debate em que por vezes é dito que “não podemos mexer muito no mercado de habitação ou no imobiliário, não devemos regular porque assusta o investimento”. No entanto, a minha opinião é que neste momento o problema é o investimento, ou seja, num contexto em que tivemos, depois da grande crise financeira, uma espécie de estagnação no domínio salarial, obviamente que se percebeu que o investimento no imobiliário era altamente rentável.
Isso viu-se pelo aumento do alojamento local no qual as classes médias colocaram as suas casas, não por maldade, mas porque o rendimento não vem dos salários e não vem das pensões, e quem tinha capacidade de investimento investiu aí — classes médias, fundos de investimento, sociedades de investimento — percebendo que o imobiliário e a habitação são sítios em que se podem ir buscar rentabilidades relativamente seguras e mais elevadas.
O que temos tido no contexto europeu todo, mas também no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália, é uma lógica de investimento que vai à procura de uma rentabilidade assegurada e, por isso, este investimento vai aumentando o preço das casas sem que as pessoas tenham capacidade, muitas vezes, de responder a isto ou de repetir, em particular os jovens, o percurso dos seus pais.
As pessoas arranjavam emprego, constituíam família, arranjavam casa, endividavam-se no banco, mas havia uma certa regularidade. Sempre tivemos salários baixos em Portugal, mas as pessoas conseguiam viver cá. No presente, até um jovem a quem seja oferecido um salário acima da média nacional dificilmente consegue ficar a trabalhar em Lisboa ou no Porto porque não consegue pagar a habitação.
Isto tem um efeito geral na economia e considero que temos realmente de baixar a rentabilidade destes investimentos, ou seja, temos de dizer aos fundos imobiliários, aos vários investidores que não é criando uma crise de habitação que vão buscar rentabilidades elevadas. Isso exige regular o mercado, não vejo outra maneira de o poder fazer isso.
Não significa que o Estado não possa ter não só uma estratégia própria de constituir habitação pública, como alguma forma de incentivo a lógicas de produção habitacional que sejam reguladas por pressupostos controlados ou por outro rendimento acessível. Isso parece-me bem, o que não podemos continuar a ter é um setor da habitação que é olhado por todos como algo onde se pode ir buscar dinheiro quando não se pode retirar esse rendimento de outros sítios.
Isso está a criar problemas de vida às pessoas que estão atualmente a viver em casas sobrelotadas, tal como acontece com os jovens nas cidades, como também está a criar um problema aos outros setores da economia. O dinheiro para habitação consome parte do salário e leva a processos de migração dos mais jovens e dos mais qualificados. Por essa razão, necessitamos de regular as rentabilidades no setor da habitação, o que tem que ver com o arrendamento habitacional, com o alojamento local, com as vendas a não residentes e com a venda a fundos imobiliários.
É para tudo isto que creio que devemos olhar. Essa análise deve ser feita num quadro nacional, mas exige obviamente uma resposta num quadro europeu. As políticas de habitação são políticas nacionais, da responsabilidade do Estado, mas considero que elas devem ser olhadas num contexto europeu.
“Não podemos continuar a ter é um setor da habitação que é olhado por todos como algo onde se pode ir buscar dinheiro quando não se pode retirar esse rendimento de outros sítios.”
Durante as últimas décadas temos vindo a assistir a uma grande aposta no turismo e tem-se também apostado no turismo como um grande garante da economia do país. Esta aposta no turismo tem ajudado neste afastamento que existe entre as cidades e os seus habitantes?
Há essa perceção muito patente no Porto e em Lisboa — o Algarve talvez esteja mais habituado a esta procura por parte dos turistas e está mais especializado neste tipo de procura — mas existe a ideia de que há espaços na cidade que já não são para nós, que são transformados de forma a responder apenas à procura turística. Penso, porém, que o problema é mais grave.
A seguir à grande crise financeira, criámos emprego essencialmente no setor do turismo e no setor de apoio às empresas que são, muitas vezes, serviços de contabilidade, jardinagem, limpeza, também muito ligados ao setor do turismo: tratam-se de setores da economia que praticam os salários mais baixos. Estamos a criar emprego em setores da economia que têm trabalho mais desqualificado, menos produtivo e salários mais baixos.
Quando perguntamos às novas gerações se aquilo que querem fazer na vida é trabalhar no setor do turismo, muitos dos jovens que qualificámos com um esforço de investimento público no ensino superior, na escola, na capacitação, não estão interessados nesse mesmo setor porque pratica salários muito baixos. Estamos, por isso, a exportar mão-de-obra qualificada para o centro da Europa e a importar mão-de-obra relativamente desqualificada para o setor do turismo. Creio, por essa razão, que o setor do turismo cria um problema de desenvolvimento económico ao país.
Não tem só que ver com esta perceção dos espaços urbanos muito sobrecarregados pela procura turística, mas com o próprio modelo da economia portuguesa. Temos por isso de ter muito cuidado com este deslumbramento em relação ao setor do turismo, porque pode significar a desqualificação da economia portuguesa.
“Temos por isso de ter muito cuidado com este deslumbramento em relação ao setor do turismo, porque pode significar a desqualificação da economia portuguesa.”
A zona do Algarve é a que apresenta uma força turística maior, principalmente no verão. Mesmo assim, apresenta um grande desequilíbrio económico e de desenvolvimento.
Exatamente. Não só é uma procura relativamente sazonal, como aposta no setor do alojamento e restauração, que tem salários relativamente baixos. Além disso cria simultaneamente uma crise de habitação para os próprios trabalhadores do setor do turismo. Temos um problema complicado e temos de perceber que temos de fazer algumas escolhas difíceis. Não quero ter um discurso moralista sobre a questão do turismo ou sobre o alojamento local.
Tenho a clara perceção de que no momento da crise financeira, quando as pessoas perderam o emprego e o rendimento, lançaram a mão àquilo que tinham para andarem com a vida para a frente. Conheci muitos jovens que abriram restaurantes, gente que alugava a sua própria casa e que, por vezes, ia passar uns meses de verão a casa dos pais para alugar a sua casa para alojamento local, precisamente porque os salários baixaram, porque as oportunidades de emprego eram menores e era preciso ir buscar rendimento.
Agora, que estamos num momento mais confortável, é preciso fazer algumas escolhas difíceis. É óbvio que precisamos de um novo aeroporto de Lisboa, mas não precisamos de alargar a capacidade de receção de voos do aeroporto da Portela que já está sobrecarregado, que já traz muitos turistas para Lisboa e cuja cidade já está sobrecarregada com oferta turística. Temos de ter alguma ponderação. Considero que este é um debate fundamental que temos de ter sobre habitação e sobre o modelo de desenvolvimento do país.
Relativamente aos imigrantes, estes têm assegurado trabalhos importantes no país, principalmente no que concerne a trabalhos menos qualificados que já não são assegurados por portugueses. A Ana Drago já afirmou também que não se pode olhar com demasiada ingenuidade para a vinda de todos os imigrantes, mas que tem de haver um equilíbrio que vise o bom acolhimento destas pessoas. Como acha que a integração destes imigrantes deve ser feita? Considera que a AIMA (Agência para Integração, Migrações e Asilo) tem funcionado bem?
Não. Todos percebemos que a AIMA herdou um enorme problema e está sem meios para lhe dar a resposta correta. Creio que tomou decisões pouco inteligentes, como quando resolveu chamar toda a gente que tinha processos em atraso ao mesmo tempo e pedir para pagarem em dez dias. Uma das coisas que creio ser fundamental percebermos é que estamos num continente que está a envelhecer de forma significativa. Nos anos 80 e 90, discutimos o excesso populacional e, portanto, não é mau que em determinados continentes haja alguma redução da natalidade, até porque parte dos nossos problemas, como por exemplo, resolver o problema da sustentabilidade da Segurança Social, pode ser de facto resolvido com a entrada de migrantes que vêm trabalhar para a Europa. Temos de perceber que essa migração chega e ainda bem que chega.
Há no entanto uma integração que tem de ser feita para que não subsista esta lógica de baixos salários e absoluta vulnerabilidade: os processos de regularização por parte do Estado têm de correr de forma expedita e não é aceitável que haja processos de regularização com dois ou três anos de atraso, para isso é necessário alocar à AIMA todos os meios para começar a resolver esse mesmo problema.
Por outro lado, creio que uma das dimensões centrais de integração dos trabalhadores migrantes é a perceção dos seus próprios direitos no trabalho. Nunca consegui perceber porque é que o contacto de quem se está a regularizar não é feito automaticamente com quem defende os direitos dos trabalhadores, ou seja, com os sindicatos. Os sindicatos teriam um papel determinante no sentido de dar a conhecer aos trabalhadores migrantes os seus direitos porque, caso contrário, eles ficam entre as mãos da máfia e a ausência de regularização do Estado sem qualquer tipo de proteção e sujeitos a um maior tipo de abuso.
No processo de regularização e integração seria necessário colocar logo estes trabalhadores em contacto com as organizações que defendem os seus direitos, para que lhes fosse dada toda a informação e apoio. Isto também tem de ser feito, obviamente, com apoio público às próprias estruturas sindicais para que tenham este tipo de serviços de apoio. Caso contrário, vamos ter uma espécie de corrida descendente e, na verdade, uma concorrência desleal entre trabalhadores nacionais sindicalizados que conhecem os seus direitos e trabalhadores imigrantes que estão totalmente isolados e sem qualquer tipo de apoio.
“As políticas de habitação são políticas nacionais, da responsabilidade do Estado, mas considero que elas devem ser olhadas num contexto europeu.”
A participação das organizações sindicais no processo de integração dos trabalhadores imigrantes é absolutamente determinante. Temos de ter algumas políticas de responsabilização do próprio patronato, nomeadamente em relação ao alojamento destes trabalhadores.
É verdade que isto não é comum, as pessoas arranjam emprego e não pedem ao patrão que lhes dê alojamento. Mas, neste momento e em determinados setores, esse trabalho migrante é de tal forma importante e a crise de habitação é tal que os setores do alojamento e restauração têm de ser chamados a assumir alguma forma de corresponsabilização na integração destes mesmos trabalhadores.
Tem de haver uma forma de oferecer a estes trabalhadores um alojamento que seja temporário, durante um ou dois anos, enquanto fazem o seu processo de integração na sociedade portuguesa e se autonomizam, de forma a ter acesso a um alojamento digno. Não podemos continuar a tolerar as situações de que temos tido conhecimento no Porto ou no centro de Lisboa, em que as pessoas vivem em situações absolutamente indignas e em sobrelotação.
Uma das críticas que se tem feito à esquerda é que acabou por deixar escapar, para a extrema-direita, um certo voto de protesto por parte de quem passou pela crise económica. Concorda que houve uma parte da esquerda, ou de alguma esquerda, que se distanciou das queixas das classes trabalhadoras?
Sim, é um debate antigo [risos]. Há uma parte da esquerda que, a partir de finais dos anos 90, perdeu parte do que era a sua essência de representação dos direitos dos trabalhadores nas sociedades. Considero que esse debate atravessou o Partido Socialista, mas teve uma origem estrangeira, a chamada terceira via que começou com o Tony Blair.
Era uma espécie de modernização da esquerda social-democrata que, a meu ver, se liberalizou em excesso e, por essa razão, deixou de representar esses mesmos interesses e entrou numa lógica de adoção de parte da agenda neoliberal, com as privatizações que foram feitas pelos governos de António Guterres e pelos governos de José Sócrates. Viu-se também pela recusa de alguns novos processos de nacionalização que foi feita agora por António Costa, até pelo Estado ter acorrido ao setor da banca, voltar a vendê-lo ou, por exemplo, a discussão que estávamos a ter sobre a privatização da TAP.
Venho de uma outra esquerda que entende que a capacidade de regular uma economia decente e que crie trabalho decente tem, também, a ver com essa presença do Estado em setores estratégicos da economia, que é o que permite fortalecer e ter uma verdadeira política económica. Essa é uma das aprendizagens que temos de fazer em relação àquilo que são, hoje, as queixas que existem nos setores populares em relação aos governos do Partido Socialista. É um debate que temos pela frente e vamos fazê-lo. É um desafio.
No “Não Alinhados”, da TSF, afirmou que, pelo menos, o primeiro debate para as eleições europeias ficou aquém das suas expectativas. O que acha que faltou estar em cima da mesa?
De alguma forma, naquele debate, havia uma espécie de imagem idealizada sobre o que era a Europa, que bastava afirmar uma ideia generalista de valores europeus e estaria tudo bem. Temos de ter a perceção de que a União Europeia é uma relação de poder entre países que têm capacidades muito díspares, muito desiguais. Considero que a forma como a Europa lidou com a crise financeira de 2008 e 2009 — em Portugal em 2011 — enfraqueceu as economias do sul.
O processo de integração numa moeda única conduziu a estas dificuldades de crescimento e de modelo de desenvolvimento da economia portuguesa e, como tal, creio que todo esse debate sobre regras orçamentais, esta lógica da austeridade que continua a imperar, não existiu nessa altura: agora já foi um pouco compensado uma vez que entraram outros atores políticos no debate europeu. Há depois uma série de desafios pela frente, nomeadamente a integração da Ucrânia num contexto de guerra.
Não basta, creio, dizer que gostaríamos que a Ucrânia pertencesse ao espaço da União Europeia. A entrada da Ucrânia traz uma alteração significativa das instituições e da relação de força entre os diferentes países. Não vale a pena, por isso mesmo, dizer coisas bonitas, genéricas e não encarar de frente o que isso significa. Existem, depois, alterações na geopolítica internacional, em particular naquilo a que, antigamente, se chamava o comércio livre. Assistimos, de momento, à ascensão da China, assim como está a surgir, nos Estados Unidos, uma lógica protecionista como forma de capacitação da sua própria economia. Ainda não temos um debate forte sobre isso na Europa, daí seria preciso perceber o que é que a UE vai fazer em relação às importações da China e, também, em relação ao seu próprio modelo de desenvolvimento, à incapacidade de crescimento na Europa quando os Estados Unidos e a China continuam ainda a crescer. São estas as matérias que deveríamos discutir, uma vez que estamos num processo de empobrecimento.
Temos crescimento económico, mas há simultaneamente uma desqualificação da economia portuguesa: isso assusta-me um pouco porque é o que ainda se vê dentro do quadro das relações da UE e da zona euro. Gostaria que os debates tivessem o seu foco nestas questões.
“A esquerda tem de fazer o seu trabalho e encontrar novos mecanismos de politização e organização.”
Ao nível europeu, como também já foi referido na sua resposta, há a questão integração da Ucrânia, se deve ser feita ou não, o clima de guerra e também os grupos extremistas, nomeadamente da extrema-direita ou da direita radical populista. Para si, quais são, atualmente, as principais questões às quais a UE deveria dar resposta? [A presente entrevista foi realizada dia 22 de maio, antes das eleições para o Parlamento Europeu, que ocorreram a 9 de junho. Os resultados trouxeram uma efetiva subida da extrema-direita, nomeadamente com a vitória de Marine Le Pen em França, o que levou à convocação de eleições antecipadas por Macron. Georgia Meloni venceu em Itália, enquanto a Afd conseguiu o segundo lugar na Alemanha. A nível nacional o Chega acabou por não ter um resultado tão expressivo, mas elegeu pela primeira vez dois deputados, tendo ficado em terceiro lugar. Ouça aqui a análise de Ana Drago, no programa “Não Alinhados” da TSF, sobre os resultados das eleições europeias a nível nacional].
Sem dúvida. No horizonte temos essa crescida significativa dos grupos de extrema-direita e dos partidos que representam esses mesmos grupos. Temos visto isso mesmo nas várias eleições em quadro nacional como, por exemplo, na Itália, obviamente; na Alemanha também há perspetivas significativas da subida da extrema-direita e temos, agora, a formação do novo governo na Holanda, em que o partido de extrema-direita ficou à frente nas eleições.
Todos percebemos que este risco do neofascismo, no quadro europeu, é um risco muito real. Creio que temos de ter uma leitura autocrítica, até no próprio campo político onde me situo, e penso que estamos a sentir um mal-estar social que resulta de 40 anos da aplicação do neoliberalismo no quadro europeu. As pessoas encaram o futuro com uma sensação de insegurança, consideram que o futuro será pior do que foi o passado e, por essa razão, há um pessimismo crescente na Europa.
A extrema-direita tem tido a capacidade de indicar às pessoas que esses receios sobre o futuro e essa sensação de perda de controlo sobre as suas vidas são causados pelos problemas culturais ou pelos problemas da imigração, não pela desestruturação da solidariedade social que guiava os ideias da Europa do pós-guerra: uma Europa do Estado social, dos direitos do trabalho e de acesso a serviços públicos.
Toda essa nova insegurança que nasceu do neoliberalismo está a ser capitalizada pela extrema-direita como uma espécie de dissolução desses valores. Quando a campanha do Brexit utilizou aquele slogan do “Take Back Control” foi, de facto, muito inteligente porque as pessoas sentem que não controlam nada, não têm capacidade de decisão nas suas democracias. A extrema-direita tem conseguido capitalizar isso em torno dos piores sentimentos e, por essa razão, creio que a esquerda tem um défice de politização desse mal-estar.
É uma batalha difícil de travar e considero, igualmente, que o campo mediático, ou por deslumbramento ou por interesses financeiros, tem levado a extrema-direita ao colo sendo, por isso mesmo, polarizadora desse protesto e desse mal-estar social, enquanto esquerda tem sido algo silenciada. A esquerda tem de fazer o seu trabalho e encontrar novos mecanismos de politização e organização.
“A Causa Pública aproveita muito conhecimento que já existe na sociedade portuguesa para tentar sistematizá-lo e ter sobre ele uma reflexão crítica, obviamente no campo político da esquerda, e muito centrado sobre as políticas públicas.”
Reformulo a pergunta de há pouco. O que acha que tem faltado à esquerda, nomeadamente aos partidos à esquerda do PS, para conseguirem capitalizar esse sentimento de descontentamento e insegurança? Há um contrassenso, porque se afirma que o liberalismo acabou por ser o causador do momento em que nos encontramos e da ida crise de 2008, a verdade é que é a extrema-direita que está a ganhar espaço e a ala liberal, por exemplo, mesmo com as oscilações que tem tido nos seus resultados eleitorais, conseguiu capitalizar uma fação de voto jovem.
Claro! Creio que é esse também o papel da esquerda, certamente. Teríamos uma conversa muitíssimo longa sobre isso, mas a verdade é que tivemos algum envelhecimento e burocratização das organizações da esquerda. Isso aconteceu muito nos anos 80 e 90, principalmente, quando os sindicatos e as grandes associações não conseguiram fazer esse salto, evoluir para uma nova linguagem capaz de fazer com que os jovens se sentissem reconhecidos.
Tivemos cedências, em parte, da tradicional social-democracia com o tal crescimento da terceira via — parecendo uma social-democracia na técnica mas sendo, na verdade, extremamente liberal — e temos um discurso hegemónico que é feito quer pelo mercado, quer pela comunicação social, muito apelativa a uma lógica individual muito contrária à lógica da esquerda.
Temos horas e horas de debate político sobre os maiores disparates ditos pela extrema-direita e, por vezes, quando aparecem propostas políticas apresentadas pela esquerda, elas são rapidamente descartadas por grande parte dos comentadores que acham que aquilo, pura e simplesmente, não é atrativo, tal como o combate à precariedade do trabalho.
Escrevo textos sobre política no DN [esta entrevista foi realizada antes do anuncio da sua saída do DN] e, na verdade, cada vez que escrevo sobre a precarização do trabalho nas novas gerações noto que o meu texto não vai a lado nenhum e pouca gente o partilha, pouca gente o comenta, como se tivesse sido naturalizada uma espécie de insegurança contínua no trabalho das novas gerações.
Temos aqui processos culturais difíceis e acho que a esquerda enfrenta desafios nesta forma de organização que está, constantemente, a reconstruir-se, e tem poucos apoios. Olhamos para o “Instituto + Liberdade” e tem um orçamento de meio milhão para fazer as suas campanhas e a sua propaganda. O Chega, para a sua participação nas redes sociais, no Facebook e no YouTube, teve muito dinheiro por trás. Esse dinheiro não é dado a organizações do Bloco de Esquerda, do PCP e do LIVRE para terem os seus vídeos a serem anunciados nestas plataformas e redes. Há aqui recursos desiguais e isso nota-se muito.
A esquerda tem de ser capaz de reconstituir espaços de partilha e de organização de lutas sociais. Há um debate, também, que creio que o chamado centro-esquerda e os chamados Partidos Socialistas e sociais-democratas têm de fazer: têm de definir em que lado da barricada é que estão, se com os liberais, ou se com a reconstrução de uma agenda de esquerda social-democrata. Acho que o Partido Socialista português fez, em parte, esse debate, sobretudo com as eleições internas e a escolha da nova liderança. O Partido Socialista em Espanha também está a fazer mudanças significativas. Vamos ver se isso é suficiente ou não.
A Causa Pública, embora não queira ser um partido, nem faria sentido para o que pretende, está a tentar, de alguma forma, a recentrar esse papel da esquerda?
A Causa Pública aproveita muito conhecimento que já existe na sociedade portuguesa para tentar sistematizá-lo e ter sobre ele uma reflexão crítica, obviamente no campo político da esquerda, e muito centrado sobre as políticas públicas, exatamente para não andarmos todos a dizer coisas que vagamente lemos nos jornais ou que alguns grupos de interesses colocam na comunicação social, sem uma avaliação sobre essas mesmas políticas públicas. É importante dar armas às pessoas, assim como sistematizar os dados numa linguagem compreensível que permita fazer uma reflexão política sobre os destinos do país.
“Não podemos, dentro do quadro da Assembleia da República, ter um presidente que não faz uma advertência quando há uma tentativa de degradar o debate político na sede da democracia.”
Tivemos recentemente a polémica em torno das declarações de André Ventura e a postura do Presidente da Assembleia da República. Há, por um lado, quem diga que uma não resposta é a melhor postura, para não se dar azos a que o Chega se vitimize e, por outro lado, quem defenda que não dizer nada banaliza o discurso de ódio dentro de uma instituição como a AR. Qualquer que seja a postura, parece que o Chega acaba por lucrar sempre, ou a com a vitimização ou com a banalização do discurso. Como é que se lida com uma situação destas? Sabemos que há uma estratégia deliberada, com estas declarações mais polémicas, em forçar os limites e lançar a discussão sobre o que deve ser permitido ou não em democracia.
O que teria acontecido se André Ventura tivesse dito antes que todos os árabes são terroristas e que os judeus são gananciosos e forretas, tal como o estereótipo que perdura desde a Idade Média, ao invés da preguiça, que é uma coisa em torno da qual as pessoas se riem? Trata-se da criação de uma lógica de menorização de um grupo social. André Ventura tentou criar esses mesmos conflitos. O problema surge, na verdade, na própria intervenção de Aguiar Branco quando diz que tudo é liberdade de expressão, tudo se pode dizer e que não quer assumir o papel de censor. Isso é abrir o caminho para a degradação no debate na Assembleia da República, uma vez que a extrema-direita irá aumentar a parada para tentar encontrar qualquer polémica pela frente. Se as pessoas acharem que se deve perdoar isso, caso contrário está-se a cair na esparrela, eles vão continuar a aumentar a parada, vão dizer que faz parte da sua opinião e da sua liberdade de expressão dizerem que as mulheres são pouco inteligentes, que os ciganos são aldrabões, que os negros são preguiçosos.
Vão-se centrar numa escalada que, na verdade, trata-se de um passaporte para o discurso de ódio na sociedade e a sua normalização. Basta ver o que tem acontecido na Europa nos últimos anos, o aumento do discurso de ódio. Temos tido o aumento de agressões racistas e de situações de preconceito a pessoas imigrantes, a pessoas negras e ciganas. temos tido agressões, assassinatos a políticos de esquerda. Aconteceu no Reino Unido, quando a Joe Cox foi assassinada; houve um político social-democrata na Alemanha que foi agredido violentamente, foi agredido também o primeiro-ministro da Eslováquia. Temos uma crescente violência política que está a ser alimentada pela extrema-direita. Mesmo quando assumem o poder, Trump e Bolsonaro o que fizeram foi criar uma espécie de guerra cultural, uma guerra civil interna, ao transmitir que alguns perigosos estão entre nós e devem ser atacados. Quem são esses supostos “perigosos”? São os de esquerda, as feministas e os imigrantes. Acho que isso é o pior que pode acontecer à democracia porque, na verdade, vai-se destruindo a tolerância democrática. Manter a dignidade do debate parlamentar dentro das instituições é absolutamente determinante. Não podemos, dentro do quadro da Assembleia da República, ter um presidente que não faz uma advertência quando há uma tentativa de degradar o debate político na sede da democracia.