Entrevista. Capitão Fausto: “Estamos sempre a tentar crescer. O nosso percurso é feito de acumulação, esforço e de uma subida constante”
Passaram-se cinco anos desde “A Invenção Dia Claro” e muita coisa aconteceu, desde então, na “linha da vida” dos Capitão Fausto. Desde logo uma pandemia, filhos, casamentos, trabalhos a título individual, a morte de um amigo e a saída de Francisco Ferreira da banda, embora ainda tenha participado no álbum “Subida Infinita”, lançado em março deste ano. Ponderação, relembrou Tomás Wallenstein, é mesmo a palavra certa para definir a forma como este último álbum foi maturado, e Domingos Coimbra acabou por relembrar em entrevista à Comunidade Cultura e Arte (CCA) que foi o facto de aprenderem a estar confortáveis com a incerteza, com as variáveis que acontecem na vida e que não se controlam, que permitiu começarem “a lidar com um álbum e não só com um conjunto de ideias“.
“Capitão Fausto têm os Dias Contados” ditou a certeza, para a banda, de que esta era a via que queriam seguir; “A Invenção do Dia Claro” a viragem para uma maior maturidade instrumental sedimentada, a vida adulta e o abraço às influências sonoras do Brasil — e tudo isto, esta maturidade e evolução contínua, refletiu-se tanto no resultado final de “Subida Infinita” como no que a banda é ao vivo. Neste aspecto em particular, não se pode esquecer o quanto Miguel Marôco e Fernão Biu acrescentaram à banda: “A partir do momento em que o Fernão começou a tocar connosco, é sempre bom quando nos álbuns conseguimos não estar limitados aos instrumentos que usamos, ou podermos ter a esse privilégio de tocar com músicos e poder incluir arranjos de instrumentos que não tocamos“, relembrou Domingos Coimbra.
Já Tomás Wallenstein sintetiza o que esta “Subida Infinita”, uma subida que nunca acaba tal como Sísifo, retrata: “Independentemente do que façamos, estamos a andar numa linha, que é a linha da vida da banda. É o percurso que temos vindo a fazer e é uma construção constante em todos os períodos da banda. Estamos sempre a tentar construir. Estamos sempre a tentar crescer. O nosso percurso é feito dessa acumulação, de uma subida constante, de um esforço constante“, relembrou na entrevista que segue.
O “Subida Infinita” é referido como um álbum mais depurado, mais trabalhado dos Capitão Fausto. Desde “A Invenção do Dia Claro” até este álbum, apesar de tudo o que já aconteceu e passou pelo meio, sentem que este álbum gozou de mais tempo, ponderação para ser trabalhado? Até porque se passou uma pandemia e trabalhos individuais pelo meio.
Tomás Wallenstein [TW] – Este disco teve muito tempo e, sobretudo, mais do que tempo, teve muita ponderação. Ponderação é a palavra certa porque nós, na verdade, como andámos entre salas, saímos do primeiro estúdio que tínhamos em Alvalade e, depois, passámos por vários sítios, os períodos nos quais estivemos, francamente, dedicados a fazê-lo foram sendo entrecortados. Ele já vivia no nosso imaginário e já existia como projeto desde que começámos, em 2021, mas teve constantes safanões, portanto, acabámos por tirar daí mais tempo para o imaginar e mais ponderação.
Domingos Coimbra [DC] – Na verdade, o álbum tem mais esse período de procura de dois, três anos entre várias salas, filhos que nascem, casamentos que acontecem dentro da banda e, portanto, associado a isso, surge uma pandemia e uma banda a voltar a tocar depois dessa altura, em que tivemos muitos concertos que foram cancelados ou adiados. Há uma primeira parte em que ainda funcionávamos a vários ritmos e, depois, a banda encontra-se neste último ano, em 2023 e nos primeiros meses de 2024, para trabalhar 24/7, já depois de tudo ponderado na “Subida Infinita”.
TW – Não foi propriamente 24/7, mas cinco dias por semana.
Mas sentem que este álbum, também, já traz muito do vosso crescimento pessoal, desde tudo o que se passou desde “A Invenção do Dia Claro”?
DC- Sim. Todos os álbuns acabam por refletir um bocado isso. Diria que a palavra crescimento não é a única.
TW – Carregam em si os anos que vão passando, claro. Todos eles retratam, um bocadinho, o período que os antecedeu, o período que acompanhou a sua própria concretização. Neste caso sim, há um intervalo de cinco anos entre os dois últimos álbuns, houve dois anos de pandemia, com projetos que tiveram de ser abortados, outros que tiveram de ser reinventados, outras coisas que foram surgindo de ideias. Acho que sim, tem muito a ver com isso, este disco.
“A coisa que mais resumiu estes anos em que este disco saiu: desde o passarmos pela morte de um amigo muito próximo, por aparecimento de crianças, casamentos, projetos, mudanças de casa, o Francisco Ferreira sair da banda.”
“A Invenção do Dia Claro” já tinha sido apontado como um álbum de mais depuração dos arranjos, também, e de uma maior abrangência a nível instrumental, com a introdução dos elementos da roda de choro e influência do Brasil. Esse álbum acabou por constituir um marco para os Capitão Fausto, para uma maior evolução da banda, tanto a nível de produção como, até, de evolução musical? Evolução essa que, depois, acabou por se reflectir neste?
DC – Acho que sim. Nos últimos três álbuns, ou seja, a contar também com “Os dias contados”, foram três momentos em que a banda cresceu, de certa forma. A banda ainda não funcionava como uma realidade a 100%, ainda estávamos todos a estudar, estávamos todos a viver em casa dos nossos pais e “Os Dias Contados” é a altura em que dizemos: “vamos tentar seguir por aqui, esta é a vida que queremos seguir. Queremos ser músicos, queremos ser músicos a tempo inteiro, queremos fazer música uns com os outros “A Invenção do Dia Claro” é o primeiro álbum que sai nesse contexto, em que já nos apresentamos como músicos e em que temos ambições maiores para a nossa carreira. Há um salto qualitativo nos concertos que damos, na forma como nos apresentávamos ao vivo. É um álbum que está mais no nosso controlo, a sua produção passou mais por nós. Também lá está, é uma altura em que esta ideia de sermos músicos e uma banda a tempo inteiro já está mais assente.
TW – Sim, mesmo na maneira como as digressões são construídas e o próprio espetáculo, houve um salto grande na nossa abordagem e, esse processo, começou com “A Invenção do Dia Claro”.
DC: Também foi o álbum que levámos a mais sítios.
TW: Não sei se levámos a mais sítios porque depois meteu-se a pandemia. Na verdade, tivemos um ano de digressão do “Dia Claro”, nem sequer. O álbum saiu a 15 de Março de 2019 e nós, a 15 Março de 2020, já estávamos fechados em casa.
DC: Tínhamos o Campo Pequeno.
TW: O álbum viveu, essencialmente, um ano e, depois, nos anos em que voltou tudo a reabrir e a regressar à normalidade.
DC: E no “Subida Infinita”, também, já se deu esse salto e, se calhar, fica um bocado mais cimentada esta carreira que temos vindo a construir. Estamos, agora, a conseguir levar o álbum, também, a cidades onde nunca tínhamos ido, até então, e a levá-lo a mais público. Portanto, nesse sentido, sim, tem sido um crescimento, relembrando que estes três últimos álbuns fazem mais parte desta fase em que a banda se encontra do que, se calhar, o “Gazela” e o “Pesar o Sol”, que ainda são álbuns onde estávamos muito à procura de quem queríamos ser de como é que poderíamos ser músicos, algum dia.
O “Subida Infinita” tem duas faixas instrumentais. Pode-se notar no álbum, mas também se nota muito ao vivo, que essas faixas também podem contribuir, se calhar, como meios de ligação, ou seja, para uma melhor unidade entre as músicas. Isto foi pensado desta forma? Porque, por exemplo, no concerto da Casa da Música [do dia 17 de Março], não só esses instrumentais estiveram presentes como, aliás, também já na parte final, no encore, introduziram um instrumental da “Manhã de Carnaval” que está no filme “Orfeu Negro”. Ou seja, há sempre esta ideia de continuidade e ligação.
DC – Na verdade, principalmente nos concertos, gostamos da ideia de que exista um fio condutor, ou seja, nós gerimos muito as alturas em que o concerto pára. Se pudermos ter ligações entre várias músicas ou criar ou compor ligações para as músicas, esse desafio interessa-nos muito na preparação dos concertos. No caso de “Subida Infinita”, o alinhamento dos concertos está pensado para as canções se ligarem entre si. Os instrumentais, já não é a primeira vez que fazemos instrumentais nos álbuns. Aconteceu!
TW – Quando estamos mais tarde ou mais cedo, quando estamos a perceber qual é que é a forma do disco, isso são ideias que já existiam antes, e torna-se mais ou menos óbvio incluí-las no disco. No “Gazela”, por exemplo, tínhamos aquela ideia de haver uma espécie de um separador central que dividia as duas fases do disco.
DC – No “Pesar o Sol” havia também a canção que dá o nome ao álbum.
TW – Eram ideias que já existiam, foram coisas que já tinham passado pela gravação e, depois, ficaram aqui no nosso espólio, e acho que no “Subida Infinita” o disco é relativamente denso em termos de texto e em termos da presença da voz e das palavras. Não foi propriamente uma coisa que tivessemos pensado na altura, mas, se ouvir agora, acho que no decorrer do disco sabe bem fazer uma respiração um bocadinho maior para que a atenção possa regressar às palavras. As músicas têm, todas, muito detalhe nos instrumentais, mas a voz também está muito presente, muito constante e sempre com muito texto e com muitas coisas para dizer. Isto criava ali algumas vírgulas.
DC – Ao vivo, estes instrumentais são sempre úteis para construir alinhamentos de concerto. No caso da “Subida Infinita”, tem aberto o espetáculo desta digressão que temos vindo a fazer. Depois, o concerto, até está montado, de certa forma, como uma subida. É um crescendo que vamos fazendo até ao seu clímax e, essa parte de que falas, o Miguel Marôco, que o Fernão Biu que, agora, tocam connosco, têm sempre combinado o que é que vão tocar, no próprio dia do concerto, e alguma coisa acontece naquele momento. Nesse dia, foi isso.
Mas lá está, notou-se, nesse concerto, que havia uma maior extensão de arranjos, uma maior exploração da flauta transversal, os sopros, ou seja, há essa dinâmica que ficou muito marcada desde o “Invenção do Dia Claro”.
DC – A partir do momento em que o Fernão começou a tocar connosco, é sempre bom quando nos álbuns conseguimos não estar limitados aos instrumentos que usamos, ou podermos ter a esse privilégio de tocar com músicos e poder incluir arranjos de instrumentos que não tocamos. Acho que nenhum de nós toca sopros, pois não?
TW – Saxofone, razoavelmente mal.
DC – O Tomás toca razoavelmente mal saxofone, e o facto de conseguirmos ter isso ao vivo, agora, acho que tem enriquecido os espectáculos. É mais uma ferramenta que temos para conseguir, também, estender mais a música que fazemos. Relativamente a arranjos, é mais desde “Os Dias Contados” e até agora temos vindo a aprimorar um bocado, a tentar a explorar outras sonoridades e outros instrumentos que não aqueles que aprendemos a tocar.
O nome “Subida Infinita” transmite, sempre, a ideia de algo que nunca acaba, traz sempre aquela ideia do Sísifo que nunca acaba. Porquê esta ideia para este álbum?
TW – Está ligado a esse conceito!
DC – Exatamente”. Há este lado curioso: o “Subida Infinita”, o instrumental, já tinha esse nome e era uma composição que o Manel tinha feito há uns anos. Por detrás desse instrumental, e ele ter chamado a “Subida Infinita”, é que há uma melodia que é contínua e que vai crescendo e subindo, e todo o instrumental à volta está constantemente a mudar. Portanto, o Manel fez uma composição com base nessa ideia e a meio do nosso processo passámos por essa gravação do Manel e o título pareceu-me apelativo e ressoou com alguma da história que estávamos a viver e com as próprias ideias do álbum.
TW – Tem a ver um bocado com essa imagem. Independentemente do que façamos, estamos a andar numa linha, que é a linha da vida da banda. É o percurso que temos vindo a fazer e é uma construção constante em todos os períodos da banda. Estamos sempre a tentar construir. Estamos sempre a tentar crescer. O nosso percurso é feito dessa acumulação, de uma subida constante, de um esforço constante e, ao mesmo tempo, sem fazer grandes desvios dessa mesma linha, o nosso contexto pode ter mudanças muito abruptas, coisas muito diferentes, cores muito distintas. A coisa que mais resumiu estes anos em que este disco saiu: desde o passarmos pela morte de um amigo muito próximo, por aparecimento de crianças, casamentos, projetos, mudanças de casa, o Francisco Ferreira sair da banda. Portanto, todas estas coisas que são muito influenciadoras na vida de cada um de nós, e tiveram de coabitar com o mesmo percurso, mais com o percurso da banda do que propriamente do álbum.
DC – Exatamente.
O Tomás disse ao jornal Público: “Se eu tentar resumir ao máximo o que são estas canções, diria que são, no geral, sobre a procura do otimismo perdido.” O que é este otimismo perdido? É um otimismo que admite falhas no percurso, mas depois o caminho continua? O que é que significa este otimismo perdido?
TW – Tem a ver com um esforço de não se deixar derrotar por situações que não controlamos. Vem na linha do que estava a explicar há pouco. Às vezes é muito complicado. Se uma pessoa sozinha tiver alguns percalços na vida, depende de si própria para conseguir ultrapassá-los, mas depende também só das suas próprias decisões e, portanto, o processo decisivo é mais simples. No nosso caso, temos a sorte de conseguirmos puxar uns pelos outros e de nos apoiarmos e amplificarmos mutuamente. As ideias que temos também são filtradas em conjunto. Por outro lado, também, para chegar a decisões, é uma coisa que demora mais tempo. Portanto, houve fases neste nosso percurso em que foi difícil conseguirmos imaginar um desenrolar positivo. Andámos muito tempo a escolher datas novas para o disco sair, a imaginar como é que íamos fazer, e o processo também levou com muitos adiamentos, com o sentarmo-nos os cinco — agora os quatro, na altura os cinco — e pensarmos, “então vá, vamos voltar a pensar nestas datas. Vamos trabalhar para esta data.”
DC – Na altura em que começámos, de facto, a lidar com um álbum e não só com um conjunto de ideias, é a partir do momento em que nos conseguimos tornar confortáveis na incerteza e quando começam a aparecer coisas. Mas há o lado de aprender a estar confortável com a incerteza, a ideia de que são raras as vezes que se encontram ambientes perfeitos para compor, para fazer, exatamente, tudo o que se quer, no ritmo que se quer e como se quer. Especialmente quando há variáveis que não se controlam e anos difíceis como este, isso torna-se mais difícil. Então, naturalmente, isso fez com que o processo do álbum fosse mais longo e com que nós demorássemos mais algum tempo a encontrar o caminho, ou a tal subida.
Como já disseram, o Francisco Ferreira já saiu da banda, mas concluiu este álbum convosco. Além disso, também continua a colaborar convosco de uma outra forma. Como é que esta saída foi vivenciada pela banda?
TW – O processo teve alguma gradualidade e pudemos ter muita ponderação sobre isso. Conversámos muito e pensámos qual seria a melhor forma para todos e para o Francisco, para conseguirmos construir planos à volta disso, sendo que a motivação principal é procurar outra coisa em termos da sua própria existência. É evidente que foi um processo difícil de nos inteirarmos porque foi uma grande surpresa. Há um sonho conjunto que demora muito tempo. Não estaríamos à espera que não estivéssemos todos alinhados neste percurso, nesta “Subida Infinita” que temos vindo a fazer. Tivemos, sobretudo, tempo e calma para o fazer. Esta ponderação também nos deixou lidar muito com este assunto e perceber como é que a coisa ia funcionar.
DC – Não deixa de ser curioso, é uma saída e, normalmente, quando há uma saída, não há um álbum que é depois concluído e não há um trabalho conjunto que se faz e, neste caso, o processo foi construtivo e não destrutivo. Ou seja, de um lado há alguém que quer seguir outro caminho, mas ao mesmo tempo quer concluir aquilo que começou em conjunto. Então, estes últimos anos, também são: “Ok, como é que arranjamos as melhores condições para que estas duas realidades consigam existir.” Nós conseguimos pensar num futuro a quatro, ao mesmo tempo que concluímos esta história assim. O álbum é tudo o que acontece nessas entrelinhas.
TW- Mas pronto, tínhamos mais projetos em comum: o projeto da editora e do coletivo artístico da Cuca Monga. O Francisco continuou bastante ligado a isso e, também, por termos a sorte de ter um espaço em que a editora pôde crescer, igualmente, no último ano e no mesmo sítio, ou no mesmo edifício, onde nós estivemos a gravar e a compor. Neste momento, temos a sorte do Francisco ainda estar cá todos os dias ainda. Esta gradualidade do processo também serve para dar tempo, ao próprio, para encontrar os seus próximos passos. Portanto, houve muita coisa que mudou e, por outro lado, surpreendentemente, muita que ficou muito parecida.
Esta pergunta já vos tinha feito na primeira entrevista que tivemos, foi com o Domingos, mas volto a fazê-la ao Tomás. De alguma forma, quando escreves a letra de uma canção, é lógico que há sempre acontecimentos que podem ser particularizados, experiências que podem ser particularizadas, cada um têm a sua experiência. Mas tens sentido, ao longo deste tempo, que apesar de algumas experiências poderem ser particularizada, elas, depois, podem-se abrir a mais pessoas, neste caso a uma geração?
TW – A ideia de uma geração é, talvez, um bocadinho ambiciosa e ampla, mas a ideia da música e da arte, no geral, para mim, é que ela só pertence a quem a faz até ao momento em que a acaba ou em que a publica. Acho que isso, também, constitui uma boa parte da beleza da coisa: andámos aqui com as músicas, e eu com as letras, durante meses e meses em que eram, completamente, nossas. Pertenciam-nos, completamente, e estávamos a cuidar delas e a tomar conta dos detalhes, a tentar que elas fossem o melhor possível e, de um dia para o outro, deixaram de o ser. Deixámos de as ouvir diariamente, deixámos de conviver com elas, a não ser nos concertos, e elas são de toda a gente. Aí, eu a escrever, acho que é igual a fazer música. O sítio de onde se sai é daqui, mas é direcionada para toda a gente. Portanto, sim, eventualmente, pode incluir uma geração [risos].
Nos vossos álbuns, os Capitão Fausto têm sempre uma ou outra música, vá lá, com uma estrutura mais simples ou mais brincalhona. No “Invenção do Dia Claro” tinham isso, neste álbum voltam a ter isso. De alguma forma linhas musicais mais alegres ou mais brincalhonas podem, depois, esconder uma outra profundidade na letra? Ou seja, a ideia da música poder ter várias camadas.
TW – Acho que tem sempre algumas camadas. Depende das músicas, existem algumas músicas nossas em que o que se sente com o instrumental não é, propriamente, a mesma coisa que a letra está a querer dizer. Mas acho que essa profundidade e essas várias camadas vão surgindo, porque quando estamos a fazer músicas vamos nós, também, descobrindo à medida que vamos passando mais tempo com elas, as suas particularidades e os detalhes que podem ser mais subtis. Mas regra geral, obedecem a cânones muito simples da estrutura de uma canção.
DC – É dentro dos limites estruturais de uma canção onde, depois, em três minutos, podem caber muitas referências e muitas camadas, mas estes desafios são numa lógica mais POP. É fixe. Acho que uma boa música deste disco, um bom exemplo é, por exemplo, a “Há Sempre um Fardo”: há uma dicotomia engraçada sobre o que se trata a letra e, depois, o instrumental. Até a própria ideia de um fardo associada a instrumentos de sopro graves, ao peso, mas depois a linha daqueles sopros é bastante brincalhona, algo gozona, mas ao mesmo tempo, ou seja, pensando no que disseste, essa música tem esse tipo de dicotomia entre letra e instrumental. Mas varia muito. Depende, também, um bocado da música que se tem nas mãos, a letra que se tem nas mãos e, depois, a produção é o que acontece entre essas várias ideias, realidades e como é que isso se trabalha.
TW – Todos esses detalhes têm de ser mais virados para sugestões do que, propriamente, para afirmações e há uma parte das decisões da interpretação que não nos cabe a nós ter. Acho que é mais interessante, quando acabamos uma música, ela ter margem e espaço para ser aberta à interpretação. E suponho que seja assim que as pessoas se identifiquem mais, porque elas podem trazê-la para o seu próprio imaginário, para a sua própria condição, para a sua própria realidade.