Entrevista. Carlos Coutinho Vilhena: “O meu grande problema é pensar em tudo ao limite”

por Linda Formiga,    4 Maio, 2023
Entrevista. Carlos Coutinho Vilhena: “O meu grande problema é pensar em tudo ao limite”
Carlos Coutinho Vilhena / Fotografia de Rui André Soares – CCA
PUB

A última vez que falámos com Carlos Coutinho Vilhena foi em 2021, a meio do lançamento da websérie “Clube da Felicidade”. Nessa altura, falámos de influências, de receios, de paragens e de recomeços, de trajectórias e expectativas de carreira. Agora, e nas vésperas de estrear a sua peça “Síndrome de Lisboa”, voltámos a falar para percebermos um pouco melhor o que é isto de ser Carlos Coutinho Vilhena, agora radialista, também podcaster, também actor, também humorista.

No quinto episódio da websérie “Clube da Felicidade”, Júlio Isidro diz-nos “De equações resolvidas vivemos nós” e são essas equações que Carlos Coutinho Vilhena tem resolvido ao longo de toda a carreira. O final de “Clube da Felicidade”, que termina com a morte do artista, simboliza, de certa forma, a importância de “saber sair, porque tudo nos puxa para continuar a utilizar a mesma forma ou a mesma estratégia”. Depois da série, Carlos Coutinho Vilhena decidiu ir por outras paragens, com “Conversas de Miguel” com Pedro Teixeira da Mota, projecto que consistia em podcast e numa mão cheia de espectáculos ao vivo que esgotaram em menos de nada. O sucesso do projecto não ditou, porém, a sua longevidade, pelo simples motivo de lhes “apetecer fazer coisas diferentes”. Terminar “no limite certo, até para podermos fazer outras coisas que, se calhar, não têm uma visibilidade tão grande”.

Carlos Coutinho Vilhena / Fotografia de Rui André Soares – CCA

A ida para as manhãs da Rádio Cidade, para a rubrica Dilemas D’Além, foi anunciada com pompa e circunstância, com direito a mupis com mensagens messiânicas, e pode ter surpreendido alguns seguidores da carreira do humorista. Mas o exercício de fazer exactamente o que se quer, “com poucas cedências e fazer exatamente o que foi pedido, trazer o público, não o defraudar, e chegar a pessoas novas, trabalhar para a fatia toda” foi um desafio “complicadíssimo” e não menos difícil do que fazer exatamente o que faz nas peças ou espectáculos. “Fazer números sem fazer cedências. Como é que se define a qualidade do humor? Primeiro, a eficácia dos risos, ou seja, quanto mais risos por segundo, mais eficaz é, acho eu. Depois, como é que chegas lá? Utilizando sotaques, utilizando figuras públicas, utilizando asneiras ou humor sexual ou escatológico? Limpamos isso tudo e depois, clichés. Os bebés são feios. O homem e a mulher. Depois limpamos isso tudo e ok, vamos tentar fazer agora uma rúbrica sobre dióspiros, que seja transversal entre os 12 e os 20 anos e que uma pessoa urbana, um gestor da Deloitte, ache graça e, ao mesmo tempo, um guarda-florestal ou um senhor da bomba que esteja a ouvir também ache graça. E é humor de observação com um dióspiro. É um exercício mais de eficácia do que artístico. É tipo artesanato.”

A ideia para a peça “Síndrome de Lisboa” já paira há algum tempo. Na sequência da perda de um amigo para o suicídio, a resposta a uma série de questões era premente. Como é que vivemos com as chamadas de atenção, como é que vivemos na incerteza de um apelo que se vai repetindo. “O que a psicologia nos diz quando temos alguém que está constantemente, há 10 anos, com tentativas suicidas, seja um pai, um amigo, é que tens de te balizar para continuar a tua vida, porque isso não é saudável, vai chegar uma altura e tu não podes esperar, estás a começar uma relação, estás no espectáculo do teu filho, tu não podes arrancar para ter com uma pessoa que está há dez anos a ter chamadas de atenção. Mas o que a humanidade e a sensibilidade nos diz é se eu não atender a esta chamada, esta pessoa…? Portanto, este debate entre aquilo que é ética e os valores e, academicamente, aquilo que é a psicologia e o que é saudável mentalmente, é o contrário daquilo que é ser um bom amigo.” Contracenando com Catarina Rebelo, com quem já havia trabalhado no “Clube da Felicidade“, a peça é sobre um artista — o próprio, pois não gosta de “ter nomes falsos tipo Mateus” — e uma psicóloga que acaba de passar pelo mesmo. “Este debate, ou seja, alguém que está a tentar curar uma pessoa que está a passar pelo mesmo problema que ela não conseguiu prevenir. E ao mesmo tempo tem de ser eticamente responsável e tem de ser profissional.

Carlos Coutinho Vilhena / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Porquê Síndrome de Lisboa? Ao princípio, até se pensou em mudar o nome para outras cidades onde a peça será apresentada, mas há uma questão “que acontece em Lisboa, mas também no Porto, e deve acontecer em outras cidades, que muitas vezes têm a arrogância de uma Nova Iorque, de Paris ou de Londres, em que nos levamos demasiado a sério, julgamos muito em miúdos, mas depois temos um complexo de inferioridade de um subúrbio de Bordéus. Acho que é uma coisa muito portuguesa, eu não sei se é a síndrome de Lisboa. É um meio caminho e, um híbrido entre temos os livros, temos a cultura, temos o nosso aqui, mas ao mesmo tempo temos aqui um instinto de vizinha, de subúrbio de Bordéus, não sei explicar isto. É um meio caminho, entre as coisas que muitas vezes nos corta as pernas, corta-nos as pernas em tudo, levamo-nos demasiado a sério, quando não temos nada que justifique isso. É uma síndrome de um país evoluído, mas não de uma grande capital onde as pessoas relativizam mais.

A arrogância que por vezes se sente de Lisboa, ou das pessoas que vivem em Lisboa, é “altamente destrutiva. És licenciado? Menos. Fizeste um espectáculo? Menos. As pessoas não trajam em Lisboa, não queimam as fitas, é tudo menos. Mas porque é que não se pode celebrar ser licenciado, sem as pessoas dizerem sempre que há pessoas melhores do que tu? Não somos mais cultos nem mais ricos por vivermos nos centros [urbanos], se o somos é temporariamente. E esse complexo de inferioridade é uma defesa, porque as pessoas querem ser ilustres de alguma forma em termos de sociabilidade. E agarram-se ao que têm, que é terem nascido num perímetro onde o metro quadrado é mais caro, mas isso é altamente destrutivo depois no futuro.

Carlos Coutinho Vilhena / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Tudo isso, refere, poderá ser um dos motivos para o facto de haver tão bons humoristas num país tão pequeno. “Ter o Miguel Esteves Cardoso, o Bondage, o Ricardo Araújo Pereira, o Bruno Nogueira a fazerem coisas tão complexas e sem ponto de comparação é desse complexo de nos estarmos sempre a ver de fora, que penso ser o ponto de partida para o humorista. O analisar tudo, o sofrer por antecipação. O meu grande problema é pensar em tudo ao limite e as pessoas às vezes não têm de o fazer.”

A ideia de se ver como se estivesse a ver-se por “uma câmara da Securitas” é algo que persegue Carlos desde os 5 anos. Incutido pelos pais, incutido pelos colegas, leva-o a dizer que esta ideia de se ver de fora é, possivelmente, o motivo pelo qual é humorista. Este pensar em tudo, o motivo pelo qual faz as coisas, esta análise externa sobre o eu, acompanha Carlos “desde puto, até na mochila que levava com rodinhas. Não tenho uma roda, um sofrimento a tentar o que é que eu posso colocar ali porque eu sei que vão gozar comigo. Porque eu julgaria aquela pessoa, é um julgamento exterior. Porque é que eu escolho um estojo daquela cor ou daquele material quando tinha 6 anos? Se for o mais barato, sou julgado por isso, se for o mais barato também. Tudo tem de ter uma razão, o estojo, o lápis, as calças e a bainha das calças.

Este permanente estado de análise é transposto para a sua carreira. Se há dois anos nos dizia que “tinha 2 anos para ficar mainstream ou desaparecer”, a verdade é que se foi readaptando, repensando e, com o mínimo de cedências artísticas possível, tem vindo a cimentar a sua liberdade de fazer tudo aquilo que quer. As cedências, diz-nos, podem ser a receita para “uma vida mais confortável a longo prazo”, mas há pontos basilares dos quais não abdica. Um deles é a remuneração justa para as pessoas que fazem parte do projecto, outro é rodear-se de pessoas com quem já nem seja preciso dizer o que se quer, como é o caso de Pedro Durão, que co-escreve a peça, e João André, “possivelmente o tipo com mais qualificações em teatro em Portugal”.

Em tudo o resto, e “porque a matemática também é uma óptima metáfora para a vida”, são equações que se vão resolvendo e um certo desconforto quando sente “que está tudo resolvido.” Esta observação e inquietação sobre si, sobre os outros, este olhar mais introspectivo, humorístico, de uma certa relativização de problemas inflacionados que nos toldam, como seres humanos, estarão presentes em Síndrome de Lisboa, passará por Lisboa, Porto, Coimbra, Torres Novas, Águeda e Leiria.

Se estiveres numa situação de risco podes ligar para várias linhas de apoio disponíveis aqui. “As linhas de apoio telefónico, na sua generalidade garantem o anonimato e oferecem a possibilidade de falar sobre as questões relacionadas com o suicídio com voluntários sem a pressão de uma conversa face-a-face. Falar sobre o problema ou compartilhar a dor com outra pessoa que se interessa pode ser uma grande ajuda em situações de crise.”  

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados