Entrevista. Celeste: “O reconhecimento é muito surreal. Ainda não me sinto completamente merecedora”

por Pedro Barriga,    9 Março, 2021
Entrevista. Celeste: “O reconhecimento é muito surreal. Ainda não me sinto completamente merecedora”
Fotografia de Alessandro Raimondo, para a Love Magazine

2020 tinha tudo para ser um ano promissor para a cantora inglesa Celeste Waite. Começou em grande com o lançamento do single “Stop This Flame”, em janeiro, um sucesso tal que os canais Sky Sports e o videojogo FIFA 21 o incluíram nas suas bandas sonoras. No mês seguinte, Celeste recebeu o prestigiado “BRIT Award for Rising Star” e, em março, a revista Forbes incluiu-a na lista “30 Under 30 Europe”, na categoria de Entretenimento. No entanto, foi também em março que uma certa pandemia afetou as vidas de todos nós, Celeste incluída. A cantora viu a sua tour europeia ser cancelada e viu-se fechada em casa durante grande parte do ano. Foi precisamente a partir de sua casa que Celeste conversou com a Comunidade Cultura e Arte sobre a sua carreira, a língua portuguesa, Timothée Chalamet e até sobre viagens no tempo. (You can find an English version of this interview here)

Comecemos pelo seu novo álbum, Not Your Muse. Qual é a sensação de ter o seu bebé finalmente cá fora e disponível para todos ouvirem?
Estou tão feliz, porque há sempre tanto ênfase no que se pode fazer no período que antecede o lançamento de um álbum, desde promovê-lo a tudo o que é necessário para concluí-lo. Depois de ser lançado, passa a estar nas mãos dos outros. É por isso que me sinto feliz e aliviada que já esteja cá fora, para as pessoas o ouvirem e para o álbum fazer o seu próprio caminho.

A sua voz faz-me lembrar outras cantoras britânicas talentosas dos últimos tempos, como a Adele e a Amy Winehouse. Quem são as suas maiores inspirações musicais? Tanto artistas contemporâneos como passados.
Em música contemporânea, é provavelmente a Solange, ou até o Kendrick Lamar. A razão pela qual digo especificamente estes dois deve-se a algo que me apercebi ao ouvir e ver como a música deles evoluiu ao longo de vários álbuns. Eles surgiram claramente inspirados por soul, jazz e funk. Depois, eventualmente encontraram a sua própria linguagem e a sua própria maneira. Reinterpretaram o género e tornaram-no original outra vez. Ao ouvi-los fazê-lo, fiquei muito impressionada porque isso sempre foi o que eu quis fazer, sendo eu inspirada por soul e jazz. Sempre quis reinterpretar o género e encontrar a minha própria versão. Eles foram as minhas principais inspirações nos últimos cinco anos. Antes disso, foram cantoras como Aretha Franklin, Nina Simone e Billie Holiday. Foram essas as cantoras que cresci a ouvir. Também Otis Redding, Bill Withers e Al Green. Gostava muito da voz cantada de cada um e da forma como construíam uma narrativa para a melodia.

Quando se mudou para Londres sensivelmente há quatro anos, teve de conciliar um emprego e a música. Qual foi o ponto de viragem na sua carreira? Aquele momento a partir do qual se pôde finalmente dedicar 100% à música.
Esse ponto de viragem deu-se provavelmente nos últimos dois anos e meio, três anos. Só cerca de um ano e meio depois de me ter mudado para Londres é que a música começou a dar frutos, a ser algo que me podia sustentar financeiramente e que me permitia viver em Londres também. Sempre quis viver aqui, mas é tão caro. Um dia tentei a minha sorte e arranjei um emprego que me permitisse [viver em Londres]. Trabalhava num restaurante aos sábados e domingos, e ia para o estúdio nos restantes dias. No entanto, os horários do estúdio eram tão imprevisíveis que, muito frequentemente, tinha de cancelar o meu turno ou remarcá-lo para conseguir ir ao estúdio. Foi difícil manter o meu emprego durante tanto tempo, porque as pessoas não aprovavam que eu fizesse isto.

Diria que herdou a paixão pela música de um familiar, de um amigo, de outra pessoa?
A minha família era muito apaixonada por música e esse amor passou para mim, sem dúvida. O meu bisavô era cantor, mas faleceu quando a minha avó tinha apenas catorze anos. Ele cantava e tocava piano. Penso que a minha avó sempre achou que, se ele tivesse vivido mais tempo, ela provavelmente teria aprendido a tocar piano e teria apostado mais em cantar e seguir música. Mas a realidade foi outra. Penso que talvez tenha herdado a minha voz dele ou da minha avó. Às vezes oiço a minha avó a cantar pela casa e ela tem uma boa voz, por isso se calhar a minha voz veio do lado dela da família.

Então a sua avó tem um tom de Celeste na voz.
Sim! [risos]

Ou melhor: a Celeste é que tem um tom de avó na voz.
Sim, exato.

Recentemente, gravou três canções para o filme “The Trial of the Chicago 7”. Entretanto, uma delas — “Hear My Voice” — foi nomeada para um Golden Globe e está entre as finalistas para o Óscar de Melhor Canção Original. Qual é a sensação de ver estes prémios emblemáticos reconhecerem o seu trabalho? Para não falar do “BRIT Award for Rising Star” que venceu há um ano.
É muito surreal. Ainda não me sinto completamente merecedora. Há coisas que acontecem tão depressa que não sei ao certo se as mereço. Significam imenso para mim, particularmente porque há muito tempo que escrevo canções, mas a minha música no mundo é ainda muito nova. Por isso, esse reconhecimento é muito importante, porque coloca muita fé em mim e no meu trabalho. Quanto às pessoas do público, pode ser que lhes dê uma razão para irem ouvir a minha música.

Como foi a experiência de se aventurar na indústria do cinema? Era algo que sempre quis fazer ou a oportunidade simplesmente surgiu?
Foi algo que de certa forma veio ter comigo. Sempre me imaginei a escrever canções para filmes. Era algo que sempre quis muito, muito fazer. Quando comecei a escrever em nova, sempre pensei que se não me tornasse cantora, se não estivesse à frente das câmaras, escrever é algo que poderia fazer nos bastidores. Esta experiência veio no seguimento de eu ser a minha própria artista em público. Quando se é cantora, há tantas oportunidades diferentes e tantos caminhos diferentes que se pode tomar, quando se atinge um certo escalão. Só espero alcançar um nível na minha carreira que permita afastar-me e explorar outras possibilidades. Talvez isso implique que me ausente um pouco do público e esteja antes nos bastidores, mas é algo que quero muito fazer.

Como foi o processo? Trabalhou de perto com Daniel Pemberton, o compositor da canção?
Sim. Ele escreveu a banda sonora do filme, por isso teve de fazer música instrumental para acompanhar várias cenas, mas o que ele me pediu foi que escrevesse com ele a canção que passa nos créditos finais. Não nos pudemos encontrar pessoalmente por causa da pandemia, então fomos trocando ideias por mensagem e falando ao telemóvel. Foi assim que aconteceu. Eventualmente conseguimos reunir num estúdio, por volta de agosto ou setembro do ano passado, e terminar a canção, mas grande parte já tinha sido escrita antes disso. Fizemos umas pequenas alterações que surgiram na hora, que nos pareceram bem no momento. Foi assim que correu. Tenho vindo a conhecer o Daniel cada vez melhor, agora que temos interpretado a canção em público e feito outras coisas relacionadas com ela.

Falámos sobre o início da sua carreira, da ascensão atual… e agora, o que se segue para a Celeste? Agora que lançou o seu primeiro álbum, quais os planos para o futuro próximo?
Quero muito escrever um segundo álbum. O que aguardo mais ansiosamente é poder sair e dar concertos, porque tenho muitas saudades de o fazer. É isso que me vai na cabeça neste momento. Penso sempre no quadro geral e nas coisas que poderão acontecer mais lá para a frente, mas acabo por viver um dia de cada vez.

Penso que nunca atuou em Portugal, pois não?
É verdade.

Então claro que tenho de perguntar: num mundo pós-COVID-19, vai passar por Portugal numa das suas futuras tours?
Sim, espero que sim! Em 2019, quando estava a dar concertos, talvez ninguém em Portugal me conhecesse bem. Se calhar isso já mudou um pouco entretanto. Por isso, sim, adorava ir, sem dúvida.

Alguma vez visitou Portugal? Como turista.
Por acaso não. É um daqueles lugares que ainda não fui, mas que adoraria mesmo ir. Estou ansiosa por ir.

Conhece alguma palavra em Português?
Não. [risos] Mas sabe que mais? Uma pessoa da minha equipa fala português, mas ainda é bastante principiante. Terei de aprender com ela. Se alguma vez for a Portugal, ela terá de ir comigo.

Eu posso-lhe ensinar uma palavra. Quer aprender uma?
OK, sim.

Que palavra é que gostaria de aprender?
Como se diz “hello”?

Olá.
Oh, só dizem “olá”… [risos] OK, como é que se diz “it’s so good to be here”?

Pode ser “estou muito feliz…”
Estou muito feliz…

“…por estar aqui.”
…por estar aqui. Estou muito feliz por estar aqui.

Muito bem! Acho que é uma aluna promissora.
Obrigada. [risos]

Sobre os seus fãs, que gostariam de a ver atuar ao vivo agora, que outras opções têm? Como é que a podem acompanhar?
O Instagram é o melhor sítio para as pessoas se manterem a par do que ando a fazer. É aí que vou mais vezes. Não vou necessariamente fazer uma atuação em live stream, mas vou sem dúvida publicar cada vez mais versões ao vivo das minhas canções no YouTube. Basta estarem atentos ao meu Instagram. Onde quer que eu publique, haverá uma indicação de onde se encontra.

Que música tem ouvido recentemente? Algum álbum de 2020 que tenha apreciado muito?
O Slowthai acabou de lançar um álbum [Tyron] que tenho andado a ouvir. Ele é um rapper aqui do Reino Unido. Talvez já não sejam álbuns recentes, mas gosto muito do When I Get Home e do A Seat at the Table da Solange. Por acaso, há um álbum do Maverick Sabre, que penso que foi lançado no ano passado, do qual gostei muito. Estas são as coisas mais atuais que tenho ouvido, mas costumo é ouvir música muito antiga, para dizer a verdade.

Gostaria de terminar com algumas perguntas que imagino que não lhe são feitas em entrevistas. Em tom de brincadeira.
OK, ótimo!

A primeira pergunta é: se tivesse uma máquina do tempo, para que ano viajaria?
1932. Foi o primeiro ano que me veio à cabeça.

Porquê visitar o passado e não o futuro?
Essa é uma boa pergunta. Sempre quis… aliás, mudei de ideias! Quero ir para 2030! Para poder ver onde me encontro daqui a nove anos.

Esperemos que a sua carreira já não esteja em ascensão, mas sim plenamente estabelecida.
Sim, esperemos que sim.

Que filme a faz rir sempre?
Provavelmente “A Ressaca”. [risos] Não costumo ver muitas comédias, mas essa talvez tenha sido a última comédia que vi.

E que filme a faz chorar sempre?
Provavelmente aquele com o Timothée Chalamet.

“Beautiful Boy”?
Não. Como se chama o outro?

“Call Me By Your Name”?
Sim, esse fez-me chorar. Por acaso, a última coisa que me fez chorar muito foi o documentário sobre o Alexander McQueen. Chama-se “McQueen” e saiu em 2018.

Terei de o ver. Há alguma canção que adore e da qual desejaria ter sido a escritora?
Sabe que mais, há sempre uma. O Bill Withers tem uma canção que se chama “In My Heart”, que amo muito. Gostava de ter sido eu a escrevê-la.

Última pergunta: se tivesse de ser um objeto durante um ano, que objeto escolheria ser?
[chocada] Claramente um vaso não, porque se pode partir facilmente!

[risos]
[uns segundos de silêncio] Estou a olhar à volta do meu quarto, mas não há aqui nada que eu queira ser. [risos] Se calhar fico-me por uma flor.

Na esperança que alguém cuide bem de si.
Sim! [risos]

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