Entrevista. Diogo da Silva (Move Mind): “É importante mudar a maneira como se vê os streamers em Portugal. Deve ser considerado um trabalho, uma profissão”

por Rui André Soares,    30 Maio, 2022
Entrevista. Diogo da Silva (Move Mind): “É importante mudar a maneira como se vê os streamers em Portugal. Deve ser considerado um trabalho, uma profissão”
Diogo da Silva (Move Mind) / Fotografia de Rui André Soares – CCA
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Diogo da Silva, mais conhecido por Move Mind, é um dos streamers da Twitch mais acarinhados de Portugal e na semana passada em Milão, Itália, foi premiado, na categoria Live, nos About You Award 2022, a maior premiação de criadores digitais da Europa. O jovem de 30 anos, que também representa a For The Win Esports (FTW Esports), contou-nos, na sua terra natal, perto de Penacova, que gostava de ser apresentador de televisão e que comprou o computador de onde fez as suas primeiras streams com trabalhos que fazia como carteiro. Diogo da Silva também nos contou que a sua média de sono já chegou a ser de duas, três horas por dia e de como isso causa desgaste e pode afectar a sua saúde mental. Falámos com o Move Mind sobre tudo isto e outros assuntos, na entrevista que se segue.

Na semana passada venceste, na categoria Live, os About You Award 2022, a maior premiação de criadores digitais da Europa. A cerimónia da entrega dos prémios aconteceu em Milão. O que é que achas que te distinguiu dos outros nomeados para teres sido o vencedor?
Uma boa questão, por acaso. Achava que me prejudicava o facto de não falar em inglês. E eram 13 júris e achei que à partida estaria aí excluída a hipótese de vencer. Mas também acho que o meu conteúdo é muito derivado, não só no gaming como em todo o processo criativo que passa pelo canal, desde o inicio ao fim da stream. A energia que coloco nas coisas que faço também é importante, e canto, danço, produzo músicas com malta que é conhecida a nível nacional, ainda que sejam músicas para jogos e num âmbito mais engraçado. Acho que são estes pequenos pormenores que me distinguiram dos outros criadores de conteúdos que tinham milhões de seguidores.

O que é que achas que poderá mudar agora depois de receberes este prémio?
Já recebi alguns contactos de algumas agências em Portugal. Mas o que acho realmente importante é mudar a maneira como se vê os streamers em Portugal. Aquilo que faço deve ser considerado um trabalho, uma profissão. E as marcas também têm que estar atentas a isto porque fomos a uma gala a Milão onde estão criadores de conteúdos e pessoas que participam em filmes, em séries, que estão no topo da moda internacional. Portanto, se Portugal conseguiu colocar cinco pessoas [Move Mind, Clara Não, Hugo Suíssas, Lucas Rodrigues e Sofia Coelho] lá e se conseguimos trazer um prémio, neste caso eu, penso que devemos ser levados mais a sério no futuro.

Diogo da Silva (Move Mind) / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Achas que este prémio também te pode abrir portas para a internacionalização, por exemplo, no Brasil, por causa da língua ser a mesma?
Vou tendo no meu canal algumas pessoas do Brasil. No último ano, tive até um dos maiores criadores de conteúdos do Brasil, o LOUD Coringa, que passou em directo na minha stream a elogiar e, sinceramente, não sei como é que ele apareceu e como é que chegou lá. E noto cada vez mais pessoas brasileiras a chegarem ao canal. Não digo que isso da internacionalização aconteça agora por causa do prémio dos About You Awards, mas sim pelo trabalho que temos vindo a desenvolver ao longo do tempo. Tenho estado sempre no top 20 dos canais mais vistos da língua portuguesa e isso faz com que também venham pessoas curiosas do Brasil para cá.

“Muita gente acha que sou uma personagem e que a minha maneira de ser no canal é diferente do meu dia-a-dia, mas não é. Quem me conhece sabe disso.”

Diogo da Silva (Move Mind)

Como é viver em Penacova, fora dos grandes centros, fazer os lives daqui, da tua casa de infância, e ser um dos streamers mais acarinhados do país?
Admito que isso é um bocado estranho, sou sincero [risos]. Até porque achei que isto nunca fosse acontecer. Ainda me lembro de ser carteiro para comprar o meu computador para começar a fazer streams e, do nada, estou a trabalhar numa discoteca e numa loja de roupa e vem a covid e fico desempregado. E agora dedico-me a 100% a ser streamer e, passados dois anos e tal, estou em Milão a receber um prémio numa gala onde estão os maiores criadores da Europa.

Consegues separar bem o Diogo da Silva e o Move Mind, ou, para ti, não tem de existir separação e vivem bem um com o outro?
Muita gente acha que sou uma personagem e que a minha maneira de ser no canal é diferente do meu dia-a-dia, mas não é. Quem me conhece sabe disso. Onde acho que pode existir ali alguma diferença e algum esforço da minha parte é quando é para fazer um trabalho mais sério e aí vou ter mais filtros.

Relatavas os jogos da Académica na RUC. Onde ficou essa paixão, uma vez que agora és essencialmente streamer?
Essa paixão está prestes acontecer num palco muito maior, acho que ainda não posso dizer aonde. Mas, na próxima semana, vou já ter o meu último teste para o início da próxima temporada, se Deus quiser.

Diogo da Silva (Move Mind) / Fotografia cedida gentilmente pelo streamer

Mas maior que a Sport TV, onde já fizeste alguns relatos?
Essa pergunta não é muito fácil [risos]. Já fiz alguns trabalhos com a Sport TV mas nunca relatei em directo. Mas, quem sabe, na Sport TV, vou deixar assim no ar [risos].

Acima de tudo és um criativo, para além de streamer, gostavas de fazer outros trabalhos? Quais?
Se pudesse, fazia isto a minha vida toda. Agora, quem sabe um dia… as minhas streams já dão na televisão, na SIC Advnce, na SIC Radical e também já deram no próprio canal principal da SIC, por volta das 3 da manhã, pouca gente vai vendo, mas o próximo passo, quem sabe, seja voltar para isso para, um dia, conseguir apresentar um programa na televisão. Gostava de ser apresentador.

Dás-te pessoalmente com vários jogadores de futebol conhecidos. Queres contar alguma história que aches engraçada que viveste com algum deles?
Tenho histórias com muitos deles e gosto de guardar essas coisas para mim. Prefiro não contar e que a amizade prevaleça e que isso dure muitos anos. Há coisas que me surpreenderam, como o João Félix marcar o primeiro golo da selecção nacional e dedicar-mo… eu estava a ver o jogo aqui no Leitão do Aires — que está aqui mesmo à nossa frente — e festejo o golo, faço uma story, estava mesmo contente por ele e ele por mensagem diz-me: “opá, festejei o golo por ti mas, acho que não apareceu”. E, passado cinco minutos, a selecção mete uma fotografia nas redes sociais em que está ele a fazer o meu símbolo. Estas são histórias que ficam as outras prefiro guardar para mim.

Se pudesses escolher almoçar com alguém que ainda não conheces e admiras, com quem é que seria esse almoço?
Se pudesse escolher, sinceramente, acho que gostava de almoçar com o máximo de pessoas que me seguem e fazem o canal crescer. Deixei de ter ídolos para agora gostar de vários que são eles. Estou focado no meu trabalho e é graças a essas pessoas que cheguei aonde cheguei, essas sim são as pessoas que mais admiro neste momento.

Ainda tens medo de andar de avião? Ou agora como viajas regularmente esse receio foi diminuindo?
O medo diminuiu nos arranques dos aviões [risos]. Agora, a aterrar é que é mais hardcore, um pesadelo, passo muito mal.

Tens de ter material criativo para alimentar a tua legião de fãs quase diariamente. Quantas pessoas é que trabalham contigo neste momento? Tens copywriters, designers, gestores de redes a trabalharem contigo?
Gosto que todo o processo seja meu. As coisas têm de partir de mim. Já tive uma experiência ou outra em que as coisas não partiram de mim e não correram bem, não parecia que era eu a fazer aquilo. Mas tenho uma equipa que trabalha comigo: um designer gráfico, um rapaz que me cria vídeos para o Youtube e TikTok, tenho contabilista, advogado, manager e já tive massagista todas as semanas. E, posso dizer, embora agora não tenha tempo, ter massagista é das coisas mais importantes porque estou sentado 10/12/13 horas por dia e este metro e noventa e quatro não é fácil de manter de saúde. E tenho a minha psicóloga, que me acompanhou desde o início do processo de quando não era conhecido e passei a ser conhecido, e há coisas que quando começas a ser mais conhecido que não é fácil de gerir. É importante ter uma boa equipa para conseguir estar focado na parte criativa.

Onde guardas todas os adereços que vais adquirindo para incorporar as tuas várias personagens? 
Tenho um guarda-fatos onde tenho a maioria deles pendurados e os que vou usando mais vezes estão num caixote ao pé do meu quarto; que é para pegar, vestir e, no fim, deixo lá outra vez. Neste momento tenho entre 20 e 30 fatos. Tenho fatos de tudo, até tenho um de um radar de estrada. E, agora, a seguir a esta entrevista, vou buscar um fato que mandei fazer faz uns 10 meses. Este sim é um fato à séria.

Fazes streams quase todos os dias. E por vezes durante 10 horas. O processo é exaustivo e continuo e trabalhas essencialmente de noite. Há consequências de todo este processo e exposição na tua saúde mental? Ou lidas bem com tudo isto? 
Ao início foi pior. Quando começas aparecer e aparecem os haters. Mas agora o problema nem é esse; é mais o desgaste. O processo criativo que há antes de fazer uma stream… e as streams de 10 horas ou mais que costumo fazer. Depois acabo a stream e ainda vou ver coisas ao canal para ver o que é que fiz de mal, se correu bem, se o som estava bom naquele minuto. Ao fim a ao cabo, uma stream dura 15 horas para mim, o resto das horas do dia ficam para dormir ou jantar. Não se almoça. A minha média de sono estava em duas, três horas e agora já as consigo colocar nas cinco. Vamos ver se consigo melhorar.

Diogo da Silva (Move Mind) / Fotografia cedida gentilmente pelo streamer

Entre os streamers, fala-se de saude mental ou ainda é um assunto tabu? 
Falo desse tema no meu canal para várias pessoas, porque o que me acontece muito, e acontece muito a criadores de conteúdos que fazem streams, é como se estivéssemos mesmo a falar com aquela pessoa, e por vezes somos o escape de muitas pessoas que estão a passar por uma fase de depressão, ou de alguém que perdeu um familiar, acabou um relacionamento ou que está com covid. Também já tive muitas histórias de pessoas que vieram ter comigo ao vivo e recebo muitas mensagens, e é o que costumo dizer: acho que toda a gente devia de ter um psicólogo na vida, porque acho que ter um psicológo não é vergonha nenhuma e, sim, uma mais-valia seja para o que for e, nem que uma pessoa esteja totalmente bem, vai haver um dia pior e, portanto, falo imensas vezes sobre como a parte psicológica é importante. Este é talvez o factor mais importante nas streams, porque, se estiver mal, as coisas não vão correr bem e o meu objectivo é estar a 100% para que as pessoas em casa recebam uma boa energia.

E sobre a saúde mental das audiências? Ou seja, sendo que as lives acontecem quase sempre a altas horas, e durante o período da noite, isso mexe com os períodos de sono. E, no dia seguinte, há aulas, por exemplo. E o teu público se calhar é maioritariamente jovem…
As estatísticas indicam que há um factor grande de 18 a 24 anos e de 24 a 34 anos. E tenho muita gente entre os trinta e tal e quarentas. O objectivo é começar as streams cedo, embora, muitas vezes, não consiga, mas começo por volta das 21h/22h e apanho um determinado público e, quando chega perto da meia-noite, vai ficando outro tipo de público e chega uma altura do horário que já tenho malta que está a trabalhar. Malta que é segurança, que não consegue adormecer, também sei que tenho pessoas que prejudicam o seu sono para me estar a ver e espero que a malta também não falte às aulas e ao trabalho e que consiga dormir mais que eu e que não siga o meu exemplo nesse sentido, digamos assim.

Detalhe do troféu dos About You Awards 2022 / Fotografia de Rui André Soares – CCA

Sentes que para as gerações mais velhas ainda há preconceito sobre ser-se streamer ou gamer?
Um bocado. Muita gente acha que isto é só ligar o computador e jogar. Mas, para vingares no mercado, tens que ser bom naquilo que fazes e tens que marcar diferença de alguma forma. Na geração mais antiga, e falo por mim quando comecei, a maioria das pessoas não percebia o que é que o filho da Ilia [Diogo da Silva/ Move Mind] estava a fazer em casa durante semanas e meses, que era uma preguiçoso, que não trabalhava. Inclusive isso aconteceu com um primo meu e que, hoje em dia, olha para mim de maneira diferente. Estavam enganados.

Quais são as tuas referências de streamers?
Quando comecei não havia streams. Jogava porque me divertia e uns amigos diziam “começa a stremar” e então lá comecei a dar uso à conta da Twitch. Antes disto, não tinha computador para fazer estas coisas e ia aparecendo no canal das pessoas a dizer que era o Hélder Conduto [relator de futebol], que foi a minha grande referência para entrar nas streams.

Outra pessoa que tive como referência foi o Dr. DisRespect. Era um gajo que usava uma peruca, uns óculos e um fato. Mas o que me cativava não era o facto dele usar uma peruca ou os fatos, porque, se as pessoas streamarem todas da mesma forma, ou seja, se se sentarem e streamarem, só dessa forma são todas iguais, era por causa da personalidade e porque tinha uma stream construída de uma forma totalmente diferente das outras. Eu adoptei vários personagens para usar em vários cenários e foi isso que me inspirou nele. Todos os cenários que ele tinha construído, desde casas, estádios, carros…. foi isso que fiz com o Rui [@designsantos17], o meu designer, e, hoje em dia, todos os cenários que vou construindo são ideias minhas e do meu designer e a primeira vez onde vi isso foi com o Dr DisRespect.

Já conheceste o Hélder Conduto?
Não [risos]. É uma coisa muito estranha [risos]. Já conheci uma data de gente e ainda não conheci o gajo que me levou a tudo isto. Comecei na brincadeira de querer ser relator de futebol porque ele [Hélder Conduto] relatava o Fifa, ali em 2008/2009, e eu jogava e relatava. E, então, tentei ser relator de futebol e a coisa não correu bem, tentei ser relator de Fifa e quase directamente percebi que, para se ser relator, tinha de ser conhecido, não quer dizer que seja o mundo das cunhas, mas que ajuda e que elas existem existem.

Tens algum novo projecto para os próximos tempos e que possas revelar?
Não sei se posso revelar [risos]. Bem, mas consegui uma parceria com a Twitch, que é a plataforma onde trabalho, e a ideia foi tirar o streaming do meu quarto e levar para o que Portugal tem de bom, as paisagens, a natureza. E, então, fui introduzindo um storytelling ao longo dos últimos dois anos no meu canal em que sou um rei de um castelo e onde fui publicando elementos; como uma espada, um escudo, um fato… e a coisas foram avançando. Passado um ano e tal, o projecto vai sair. O streaming vai ser ao vivo num castelo em Sesimbra, vai ter provas de esforço e diversão. É um mix de jogos variados e reais com pessoas reais. Chama-se Conquer The Castel e vai ser realizado nos dias 30 e 31 de Maio e 1 de Junho, sempre pelas 15h. E também vai ser transmitido no meu canal.

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