Entrevista Exclusiva: Aimee Lou Wood: “O que a minha personagem passa em “Sex Education” é o que a maioria das mulheres vive”
A série Sex Education já vai na segunda temporada e já todos vimos alguma coisa relacionada com a série, seja o Quim Barreiros numa música de educação sexual para totós ou um ou outro clipe que circula por essas redes sociais. Pode aparentar ser uma série sobre o início da vida sexual de adolescentes, uns mais bem sucedidos do que outros, mas Sex Education é bastante mais do que isso. São os receios, o medo de não se ser aceite, o não-pertencer, a ousadia de ser diferente, os problemas de saúde mental, o bullying.
A temporada que agora já se pode ver no Netflix traz-nos de volta os conselhos de Otis Wilburn (Asa Butterfield) e a complexa realidade de Maeve Wiley (Emma Mackey), bem como as idiossincrasias do quotidiano da terapeuta sexual Jean Wilburn (Gillian Anderson). Traz-nos também a muito social Aimee Gibbs, personagem interpretada por Aimee Lou Wood, com quem estivemos à conversa durante as gravações desta temporada. Esta é a única entrevista dada pelo elenco para Portugal.
A primeira temporada teve um enorme sucesso em quase todo o mundo. Quando estavam a fazer a primeira temporada, esperavam que a série tivesse este impacto?
Bem, nós gostámos tanto de a fazer que tínhamos esperança de que o público gostasse tanto da série como nós. Estávamos preparados e realistas, sabemos que podemos divertirmo-nos imenso a gravar, mas pode ser um flop ainda assim. Por isso, mantivemos as nossas esperanças altas e as nossas expectativas baixas, e ficámos muito felizes com a forma como a série foi recebida. Acho que foi o timing perfeito para uma série como esta.
Como é ser a Aimee na série?
Gostei tanto da Aimee! É a minha personagem preferida entre as que já interpretei. Ela é como qualquer uma das mulheres, acho que as coisas pelas quais ela passa na primeira temporada é o que a maioria das mulheres passa, e, por isso, é bastante compensador interpretar uma personagem que é tão próxima do público. Não nos sentimos isoladas, mas sim apoiadas pelas mulheres. Muitas mulheres falaram comigo sobre como se identificaram com algumas partes, como a história da masturbação, e que isso as ajudou bastante não só na vida sexual, mas também no próprio empowerment em muitos outros aspectos. Acho que a Aimee é uma personagem com a qual nos podemos identificar tanto e isso é impressionante no argumento da Laurie [Nunn], que criou uma pessoa única, algo extravagante, mas que também é “familiar” para muitas mulheres. Somos todos muitos peculiares, individualmente, mas também podemos identificarmo-nos com muitas pessoas. A Aimee parece uma pessoa real e é isso que eu adoro.
Na minha opinião, Aimee é a personagem que tem maior liberdade. Ela não assume publicamente, mas é amiga de todos, não tem limites nas suas relações, embora sofra pressões para se comportar de acordo com as normas sociais estabelecidas. Achas que a tua personagem incentivou muitos adolescentes – rapazes e raparigas – a defenderem o que acham estar certo e o que acreditam?
Sim, definitivamente. Quando estamos na escola, é tão difícil afirmarmo-nos e fazer coisas que possam levar a que não gostem de nós. Porque os outros gostarem de nós é uma prioridade quando se está na escola secundária, e não só. É assustador estar todos os dias num ambiente em que não nos damos bem com todos, onde não somos acessíveis e descontraídos. Se formos alguém mais controverso, como a Maeve, é muito mais difícil. A escola pode ser mais difícil quando se é realmente honesto sobre quem somos realmente. Exigir que sejamos tratados com respeito. A própria Aimee é muito desrespeitada, porque é assustador exigir respeito quando se tem aquela idade. Todas estas coisas com as quais as jovens se debatem podem ser vistas na segunda temporada. A Aimee vai num sentido completamente diferente, porque passa por uma situação traumática e muda realmente quem ela é. É evidente que continua a ser a Aimee, que é uma pessoa extrovertida, divertida e simpática, mas ao mesmo tempo luta para disfarçar a tristeza e as preocupações. O facto de ela estar tão traumatizada, e a aprender a ser quem é sem ter de estar constantemente feliz, é um desafio enorme para ela na temporada 2, porque ela acha que talvez a única coisa que tenha para oferecer é o facto de ser muito divertida e o facto de se dar com toda a gente. Ela é muito acessível e uma optimista inveterada, então quando não tem estes dois pontos, sente-se bastante perdida. Ela tem uma crise de identidade e a Maeve ajuda-a nessa fase. A Maeve envolve-se bastante e destaca o facto de não haver problema de se dizer que algo não está bem.
As pressões sociais podem ser realmente difíceis na escola secundária, como disseste. Mas também nas redes sociais é incrivelmente fácil que alguém seja alvo de bullying e isso passa para um número incrivelmente grande de pessoas. Na temporada 1 existe um episódio deste género, em que um vídeo é difundido por redes sociais para toda a escola, uma realidade que não está apenas circunscrita à fase da adolescência.
Sim! As pessoas gostaram muito dessa cena, a cena da minha vagina, onde todas as raparigas se mobilizaram por alguém. A Ruby não é uma pessoa muito agradável e é uma bully, mas todas as mulheres e rapazes perceberam que o que ela estava a passar nunca é merecido e é errado. Temos de ter empatia mesmo pelas pessoas que são mais “difíceis”, porque nunca sabemos o que se passa nas suas vidas, nunca sabemos pelo que passaram. Esta série ajuda as pessoas – e veremos mais a Ruby nesta temporada – a perceberem melhor o motivo pelo qual as pessoas são como são. Acho que o Sex Education ajuda na empatia, ajuda a ver que muitas vezes aquela pessoa, que vemos como alguém que é mais popular, é provavelmente a que está a passar por problemas bastante graves. Não é óbvio que as pessoas que sejam alvo de bullying sejam as únicas que estão a passar por maus momentos. Todos nós temos problemas e temos de cuidar uns dos outros. E é algo que devemos ter sempre presente, estarmos atentos aos nossos amigos “felizes”, aqueles que parecem estar sempre bem e positivos, porque não sabemos o que estão a disfarçar. Esta série fez com que as pessoas perguntassem a outras como estão realmente. O bullying é um problema tão grande nas escolas, e normalmente os bullies estão a passar por fases igualmente difíceis em casa ou nas suas próprias vidas. Pessoalmente, acho que a série é sobre termos este tipo de conversas, não tiranizar as pessoas, tentar falar, termos compaixão e empatia entre nós.
A série também aborda outras questões, como homofobia, liberdade de expressão, vergonha do próprio corpo, assim como de saúde mental. A saúde mental é algo que está na ordem do dia e talvez a série tenha dito a todos que não há problema em se dizer que não se está bem, seja psicologicamente, na vida sexual ou em qualquer outro aspecto da vida. Como actriz, achas que tens, de certa forma, esta missão?
Sentimos realmente uma grande responsabilidade em determinados assuntos. É evidente que, como actores, somos uma parte ínfima de toda a máquina. Há centenas de pessoas a trabalhar na série, mas nós somos quem dá a cara. Devido ao que a série defende, parece que temos essa responsabilidade de contarmos as histórias, que são importantes, da forma mais honesta que conseguirmos. E quando a questão aborda a saúde mental – este tipo de questões está a ser mais falado, mas ainda há um longo caminho a fazer para acabarmos com a vergonha e com o estigma. Acho que quanto mais honestos os actores são a interpretar as histórias, da forma mais corajosa que conseguirmos, mais estas histórias chegarão às pessoas e farão com que não tenham problemas em assumir que não estão bem. Temos de mostrar que isso também é normal nas pessoas mais populares, ativas e extrovertidas. Atualmente quase todas as personagens são apresentadas como alguém que é muito atraente, pacífica e que está de bem com a vida, mas eu não acho que essa abordagem seja muito responsável, porque muitas pessoas veem essas séries e pensam “eu não sou assim” ou “não sei ainda bem como sou e tenho ansiedade”, etc. Por exemplo, o Jackson tem uma história bastante interessante nesta temporada, porque é considerado como alguém que tem a vida mais perfeita… é um desportista, tem fama, e tudo parece correr-lhe bem, mas percebe-se, em qualquer uma das temporadas, que ele não está bem e que sente uma pressão enorme para ser quem é. É uma questão bastante pertinente nos rapazes, e é por isso que o suicídio entre os homens é tão preocupante, tanto no meio académico como devido a problemas sentimentais. Porque os homens não falam tanto e, com esta série, espero que percebam que não há também qualquer tipo de problema em falarem sobre os seus problemas emocionais ou de mostrarem que estão tristes.
A Aimee, ou a personagem que a Aimee interpreta, foi considerada um ícone feminista, como alguém que assume a sua vida sexual e simplesmente quer ter prazer. O que achas disto? É um pouco estranho porque a Aimee na série é também um pouco submissa…
Sim! (risos) Eu fiquei muito surpreendida e algo preocupada. Porque a Aimee [na série] é alguém que é muito sexy e parece estar a divertir-se, mas é evidente que ela está a fingir. Eu esperava que as pessoas pudessem ver como ela é emocionalmente e vissem o incrível crescimento que ela faz. Quando ela diz “sim, estou sempre a fingir”, ela fica tão solta, porque é um ser humano e não tem a certeza de tudo. Acho que é por isso que ela se transformou num ícone feminista, porque é como qualquer outra mulher e reconhece o facto de nem sempre conseguir fazer as coisas bem e nem sempre se proteger. Ela não quer só impressionar os rapazes, e na segunda temporada poderemos vê-la expor mais essa parte dela de uma forma muito mais adulta. Podemos ver a transição dela de rapariga para mulher. É algo estranho que alguém como a Aimee Gibbs possa ser considerado um ícone feminista, mas acho que é porque é ela própria e mostra que pode ser ela própria.
Como é ser a Aimee Lou Wood na vida real depois da série?
Sinto-me bastante mais corajosa depois da série, pelas coisas sobre as quais falo, a minha disponibilidade para discutir as coisas que possam ser um pouco mais difíceis. Não manter as coisas ao nível da ficção, mas ir além. Ser a Aimee ajudou-me a ser a Aimee da vida real.