Entrevista. Fernando Negrão: “O político ainda é visto como um ser que não é igual aos outros cidadãos”
A 12ª entrevista do projeto Os 230 já está online, com o objetivo de dar a conhecer mais um deputado da Assembleia da República (AR). Francisco Cordeiro de Araújo, fundador da iniciativa, esteve à conversa com Fernando Negrão, deputado do Partido Social Democrata (PSD), que fala sobre a sua carreira e dá a conhecer um pouco mais do lado pessoal.
Atualmente um dos vice-presidentes da Assembleia da República, Fernando Negrão explica as funções que tem ao ocupar este cargo, garantindo que não tem competências próprias, mas sim as que o presidente da AR delega. “No fundo, é substituir o presidente nas suas ausências, seja por razões de saúde ou de trabalho”, refere de forma resumida.
Angola foi o país que o viu nascer, mas cedo veio para Lisboa, não tendo ainda cinco anos de idade. Por isso, confessa que não guarda muitas recordações do país que abandonou dois meses antes do início da Guerra de Independência de Angola.
A capital de Portugal acolheu-o nos anos 60 e a primeira noite na cidade não foi esquecida, com uma realidade bastante diferente à de Angola. “Recordo-me de estar a dormir num quarto com persianas meio fechadas e de ver a luz a entrar e ouvir uma barulheira enorme dos carros e elétricos, o que, para mim, era uma coisa perfeitamente anormal”, conta.
Foi também na capital que estudou Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mas porquê esta área? “O sentido de justiça e a vontade de tornar a sociedade onde vivemos mais justa” foram as razões apresentadas. No entanto, é no pós 25 de abril que Fernando Negrão inicia a vida académica, o que teve, na sua opinião, um impacto nítido na instituição: “recordo-me de uma enorme balbúrdia”.
O antigo líder do grupo parlamentar do PSD chega mesmo a afirmar que os melhores professores acabaram por ser substituídos “por gente sem qualidade absolutamente nenhuma”. Ainda assim, admite que surgiram “duas ou três pessoas” que se destacaram e que hoje em dia são grandes professores.
E apesar de não terem havido dispensas administrativas, o deputado do PSD recorda um episódio insólito. “Lembro-me de ter passado uma manhã inteira num anfiteatro à espera do Comando Operacional do Continente (COPCON) que nos ia distribuir armas… Portanto isto diz tudo sobre o ambiente na faculdade”.
Depois de estudar Direito, a ideia era seguir advocacia, mas o serviço obrigatório para o qual foi chamada trocou-lhe as voltas. “Um dia chego a casa e vejo em cima da secretária onde normalmente trabalhava e estudava um papel dos correios”, conta. No total, foram dois anos com a vida um pouco “suspensa”, e Fernando Negrão continua sem perceber a razão da escolha: “Ainda hoje, com 65 anos, estou à espera de perceber porque fui um dos chamados”.
Defendendo que faz sentido o serviço militar obrigatório voltar, Fernando Negrão destaca a importância que este período teve na sua vida. “Voltei a ter contacto com o patriotismo, o que foi uma coisa importante”, garante.
Um currículo onde “só falta” a advocacia e o problema “eterno” da administração pública
Desde que terminou o serviço militar obrigatório, Fernando Negrão exerceu várias funções em organismos públicos. Recordando, por exemplo, o período em que foi diretor-geral da PJ, o deputado do PSD, fala no desafio que é “criar as condições para que as investigações prossigam da melhor forma possível”, sabendo equilibrar os meios materiais e humanos.
Tendo sido também juiz, Fernando Negrão vê nesta profissão uma das mais difíceis que existe, comparando-a à dos médicos. “O médico tem uma decisão com efeitos mais a curto prazo e o juiz uma capacidade de decisão que lhe dá mais espaço para poder interferir e influir na sociedade”. De qualquer forma, acredita que um juiz não é um “robot”.
Questionado sobre falhas no sistema da justiça, o deputado do PSD não tem dúvidas em deixar claro o problema: “a celeridade que não existe na justiça”. No entanto, Fernando Negrão acredita que esta é uma questão não de apenas da justiça, mas da administração pública, e que reside num “problema de organização”.
Durante a entrevista o deputado recordou ainda outros cargos, com a área da droga a estar ligada a um deles, e a ser um dos assuntos abordados. De que forma encara o deputado a legalização de várias drogas? Garantindo que “em Portugal temos uma legalização controlada do consumo”, o antigo líder do grupo parlamentar do PSD explica que olha para essa questão com muito interesse, mas um “interesse cuidadoso”, já que “estamos a falar de uma realidade de uma grande complexidade e uma realidade perigosa, principalmente para uma faixa etária que são os jovens”.
Fernando Negrão destaca ainda o desafio de ter concorrido à Câmara Municipal de Setúbal em 2005, “dominada” pelo PCP, e em 2007 à de Lisboa. Mas também houve tempo para falar da experiência que teve em dois ministérios e do que gostaria de ter feito e não fez.
Na Segurança Social, por exemplo, o deputado gostaria muito de ter contribuído para que a geração mais jovem tivesse um “acesso mais pleno ao sistema da Segurança Social, principalmente no que diz respeito às reformas”. E porquê esta prioridade? “Não vemos ninguém neste país que governa preocupado com as reformas, o que é inacreditável porque os jovens hoje correm o risco de chegarem aos 70 anos e poderem não ter reformas ou ter reformas miseráveis”, explica.
Francisco Cordeiro de Araújo aborda ainda a questão de um rumor divulgado na Internet sobre um alegado filho ter sido nomeado para o gabinete de Paula Teixeira da Cruz, quando era ministra da Justiça, com os temas relativos à desinformação e às fake news a surgirem em cima da mesa. “Acho que devemos reagir com muita tranquilidade e calma, não responder e deixar que corra até um determinado ponto, que é aquele ponto que nós pessoalmente consideramos ser insustentável isto continuar”, conta quando questionado sobre de que forma devem reagir nestes casos.
“Verão Quente de 1975”: as escolhas do deputado do PSD
Na habitual segunda parte da entrevista, Francisco Cordeiro de Araújo aposta em questões mais diretas. Sabe, por exemplo, qual foi a decisão mais difícil que Fernando Negrão teve de tomar na sua vida? Ser pai foi uma delas.
Em assuntos políticos como a escolha do melhor Presidente da República, o deputado não tem dúvidas em eleger Marcelo Rebelo de Sousa, ainda no cargo. Noutras “áreas”, o deputado prefere Rui Veloso aos Xutos e Pontapés, cães a gatos e a realidade ao sonho, mas faz mais revelações durante esta entrevista.
Com 65 anos de idade, Fernando Negrão fala na possibilidade de este não ser o seu último mandato, até porque “muita coisa mudou com a pandemia”. “Se eu e outros acharem que posso dar algum contributo, admito um outro mandato”, refere, assumindo também que gostaria de exercer advocacia.
Garantindo que “o político ainda é visto como um ser que não é igual aos outros cidadãos”, o deputado considera que ainda existem muitos preconceitos em relação aos políticos e “um desconhecimento muito grande”. No entanto, acredita ser possível aproximar os eleitos dos eleitores através da educação.
Pondo de parte a ideia de uma necessidade de reforma eleitoral para já, na hora de definir Portugal numa palavra o deputado elege “nobreza”. Por fim, deixa uma mensagem de esperança aos portugueses que pode ver no vídeo.
Artigo escrito por Ana Filipa Duarte, colaboradora do projeto Os 230.