Entrevista. Feu! Chatterton: “Desde o início que quisemos juntar a poesia ao rock”
A génese deu-se em 2011, mas foi em 2014 que lançaram oficialmente o seu primeiro EP (com o mesmo nome do grupo), seguido de Ici Le Jour (a tout enseveli). Nasceram da dialéctica entre um jovem que escrevia, Arthur Teboul (hoje vocalista), e o rock progressivo de Clément Doumic e Sébastien Wolf. Mais tarde, a eles se juntaram Antoine Wilson e Raphaël de Pressigny. Na primeira metade deste ano, lançaram o álbum Palais d’Argile e agora encontram-se em tournée por terras francófonas. Estivemos à conversa com Sébastien Wolf sobre o novo trabalho e sobre o projecto.
As pessoas referem-vos regularmente como sendo percussores de um rock poético. Além disso, Chatterton foi um poeta britânico oitocentista. Desde o inicio que pretendiam ir para lá de uma dimensão técnica?
O nome é e não é por acaso. Foi fruto de um impulso, mas representa uma tendência que ainda hoje mantemos. Desde o início que quisemos juntar a poesia ao rock. Se olharmos à própria chanson française, esta também foi muito influenciada pela poesia francesa, sobretudo dos séculos XIX e XX. Nesse sentido, não fomos excepção.
Daí terem sempre decidido cantar em francês?
A nossa base é a de contar histórias e a língua francesa tem uma duplicidade muito particular. Tem um potencial lírico, mas também violento. Uma expressividade muito própria. Desde o início que foi muito claro para nós que iríamos cantar em francês.
Algo que diverge um pouco da tendência geral…
Sim. No caso do nosso género musical, o rock, o inglês é claramente a língua tradicional do mesmo. Não só por aquilo que foram as suas origens, mas também por combinar bem com os ritmos. É mais desafiante fazer-se rock através da língua francesa. Associamo-la mais a melodias de Brassens, Brel ou Ferré. Para nós, porém, que nos interessamos muito pela mensagem, não poderia ser diferente.
Como é que caracterizam Palais d’Argile, o vosso mais recente álbum?
É um álbum que promove a fusão entre o rock progressivo e uma vertente mais electrónica. Para o efeito, tivemos a oportunidade de o trabalhar com o Arnaud Robotini, que se encontra associado à vertente electrónica aqui em França.
É um álbum muito crítico. Transporta-nos para a relação excessiva que temos com os ecrãs, fala-nos do flagelo da migração, de alguns transtornos mentais, de um mundo em decadência. Ao mesmo tempo, é um álbum positivo porque, à medida que se desdobra, vai propondo uma solução. E essa solução é a de habitarmos o mundo de uma forma poética. Não a de nos tornarmos todos poetas, é claro, mas a de vermos poesia em várias frentes da vida. Se formos ao encontro da sensibilidade e da simplicidade, esbatemos parte da decadência do mundo.
O que é que vos dá mais gosto enquanto banda?
Há um momento mágico que é o da criação de um trabalho musical novo. Algo que surge do nada, que não podemos prever nem impedir. Depois surge uma conexão emocional aos temas criados, e um desejo de os tocar diante do nosso público durante vários anos. E é justamente diante desse público que surge uma outra magia; um sentimento de partilha emocional muito forte. Uma epifania que faz valer tudo a pena.
As ideias para músicas surgem mais individualmente ou sobretudo quando se reúnem?
Depende. Por exemplo, no nosso caso, o trabalho individual seguido de um processo de compilação foi mais ao início, sobretudo durante a construção do primeiro álbum.
Mais recentemente, por exemplo, eu e o Arthur isolámo-nos no Sul de França, onde promovemos uma improvisação livre e conjunta. Nesse isolamento, ele escreveu alguns fragmentos de texto e, junto a ele, eu improvisei várias linhas musicais. Acordes, melodias. Compusemos várias coisas que vieram a ser incluídas no Palais d’Argile. Mas, no geral, o que te posso dizer, é que quando se dá esse trabalho conjunto, há sempre um momento onde não são necessárias palavras. Um momento de fricção entre o texto, a melodia e os acordes em que sabes que criaste algo que vai ficar para a posterioridade. É intuitivo.
O que é que procuram transmitir a quem vos ouve?
Honestamente, nós não escrevemos para um público. Fazemo-lo, ao invés, porque faz sentido para nós compor, porque nos dá muita alegria alcançar aquele estado de comunhão artística de que te falava há pouco.
Ainda assim, sentimos que algo que nos tocou profundamente merece ser partilhado com o mundo. Até porque muitas vezes está associado a uma linguagem universal. Por exemplo, o tema da perda, do luto: quando escrevemos a “Souvenir”, uma música do segundo álbum, veio no sentido de já termos todos lidado com a perda de alguém. Em outro tipo de temas completamente distintos, e porque vimos do rock, do espectáculo, para nós é importante providenciar momentos de grande libertação e de alegria a quem nos ouve nos nossos concertos.
De que forma é que comparam o momento actual do grupo face ao passado?
Acho que houve uma evolução. Hoje fazemos coisas melhores do que ao início. Tanto do lado da composição, dos arranjos, mas também do lado performativo. Claro que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas sentimos que houve um crescimento. Mas ainda assim, e para nós, a grande evolução dá-se quando nos tornamos cada vez mais libertos, cada vez mais naturais não só na forma de materializar aquilo que pretendemos, mas também de nos autocriticarmos sobre aquilo que fizemos. Quando iniciamos uma actividade artística, e sobretudo quando somos jovens, temos a tendência para nos convencermos a nós próprios que aquilo que acabámos de fazer foi excelente. Sermos amplamente honestos em relação a estas vertentes é um caminho a percorrer para os artistas. A verdade é que crescemos nesse aspecto.
Actuar em Portugal é algo a considerar para vós?
Sim, sem dúvida! Ansiamos por actuar um dia no vosso país.
Para além de muitas datas por toda a França, a banda actuará no Zénith, em Paris, no dia 10 de Fevereiro de 2022.