Entrevista. Gonçalo Waddington: “Fazer uma longa-metragem é como correr os 100 metros ou a maratona”
Ao Festival de Cinema de San Sebastián, Gonçalo Waddington levou Patrick. É a estreia do ator e encenador como realizador de longas-metragens. Com um filme que tem como ponto de partida a história do desaparecimento de Rui Pedro.
Este é um ano incrível de cinema português. Um programa de que Patrick, o filme, faz naturalmente parte.
Como é que um ator de comédia estreia na realização com um filme duro? Mesmo que não tenha nada a ver com o Gonçalo ator e o Gonçalo realizador.
Acho que um grande parte do público português conhece só o meu lado cómico. Mas eu tenho um percurso no teatro que não tem nada a ver com o do cinema. Escrevo peças, enceno-as e não consigo separar o estar à frente da câmara do atrás. Por exemplo, no teatro, dirijo as peças e entro nas peças. [Sobre] passar para trás das câmaras, já tinha feito duas curtas, mas não se compara no sentido da dificuldade. Precisamos de muito tempo para preparar uma longa, é como correr os 100 metros ou a maratona. É outro tipo de preparação.
O que despoletou esta ideia?
Foi uma história. Há muitos anos li uma notícia que me chamou a atenção. Seria por volta de 1995 ou 96. Algo que se passou no Norte de Espanha, em que uma miúda conseguiu fugir de casa e foi parar a uma espécie de casa de alterne. Acabou por conseguir fugir por uma janela muito pequena. Acho que era ainda menor de idade. Acabou depois por ser apanhada. E quando foram lá os polícias perceberam que se tratava de uma rede de tráfico de seres humanos, neste caso de mulheres. Entretanto, em 98, aconteceu a história do Rui Pedro, que toda a gente conhece, embora ainda hoje se saiba muito pouco do que se terá passado, o que acabou por reforçar esta ideia do que acontece com uma pessoa nessas circunstâncias. Foi aí que comecei a pôr-me no papel dele, a imaginar o que terá acontecido caso o jovem ainda esteja vivo. Só que na altura não tinha maturidade suficiente para escrever. Só mais tarde, em 2008, comecei acertar as ideias: esta ideia de alguém que viveu fora do país, que terá sido levado para fora do país e acabou por aprender uma língua nova, que fez tudo para esquecer o seu passado e que, de repente, quase no segundo rapto, é obrigado voltar ao seu país, obrigado a redescobrir a sua família.
Eu sempre quis que na primeira parte do filme existisse uma realidade mais próxima da dele, da que ele quer viver. Com uma vida social muito ativa, mesmo mais acelerada. Ou seja, como se estivéssemos a tentar a seguir um animal num documentário, em que corremos atrás dele, mas precisamos que o animal domine o seu espaço.
Como foi esse processo, sobretudo na segunda parte, já em Portugal?
Tivemos vários encontros, varias reuniões, por exemplo uma semana na Sertã a viver nos sítios, a ver os décors, a ensaiar. Desde inicio tinha uma ideia muito clara dos décors. Para além disso, tenho família da Sertã. É um sítio que conheço bem, tenho alguma afinidade com aquilo e consegui transmitir essa afinidade, que ele poderá ter ou não ter, mas que pelo menos a personagem da mãe [Teresa Sobral] tem com a tia [Carla Maciel] e com o espaço. Aquela casa é uma casa típica da Sertã, onde vivi com os meus tios e os meus avôs. Isso ajudou-me a passar aos atores uma espécie de livro de códigos para eles aprenderem, mesmo que depois os queiram quebrar. Assim quando chegam aos décors já ficam à vontade.
Se no caso da Alba a escolha pode ter sido mais facilitada, imagino que terá sido mais difícil encontrar Patrick. De resto, uma escolha incrível.
Foi lançado um casting internacional a partir de França, na Bélgica também em Portugal. Sei lá, imaginava um neto de emigrantes, ou filho, alguém com um contacto com a língua portuguesa, mas com o francês como língua materna. Apareceram alguns, todos não atores, pois era o que se pedia. Demorou mais tempo do que esperava, mas ao encontrar o Hugo percebi que ele não teria de falar muito para perceber as suas emoções. Nós nunca vamos ver aquilo que ele vê. Um mês depois, tivemos um outro encontro em que percebi que o Hugo já era o Patrick.
Então a Alba veio depois…
Sim, eu queria primeiro encontrar o Patrick. Na altura, já tínhamos algumas atrizes em vista. Mas aquela cara de miúda, que ao mesmo tempo consegue ser super adulta, mas sem se impor, pareceu-me bastante adequada. Doce, mas ao mesmo tempo misteriosa. Aquela prima que ele reconhece, mas já não conhece. Até porque ele já é outra pessoa. Ela é a parte positiva da Sertã.
Apesar de ser ainda muito jovem, percebe-se que ela já amadureceu muito. Tem quase uma star quality.
É giro porque eu não a conhecia. Parecia-me uma bebezinha. Na altura tinha 17 anos. Ela é muito low profile. Aliás, foi a minha filha que me mostrou no Instagram as imagens da Alba numa novela. E vejo-a no ginásio com roupas provocantes. Não estava à espera. É um pouco o impacto que o primo tem quando a vê no rio. Afinal, a rapariga já é uma mulher. Ainda bem que não conhecia a Alba Baptista.
E agora, vamos ter Gonçalo Waddington realizador, ator…?
Para mim está tudo envolvido, quando me envolvo nos projetos de teatro, por exemplo, também entro como ator. Em dezembro vou estrear uma peça que vou encenar e também participar como ator. São quatro peças da mesma história, O Nosso Desporto Preferido. Esta e a terceira, que é O Futuro Próximo. É um projeto alargado que tenho estado a fazer. Quanto a cinema, vou deixar tudo isto acabar, San Sebastian, e perceber o que vou escrever em seguida. Para já só estou concentrado neste filme.
Entrevista de Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt