Entrevista. Grande parte da obra de Luiz Pacheco, sobretudo diários, está ainda por descobrir

por Lusa,    7 Janeiro, 2023
Entrevista. Grande parte da obra de Luiz Pacheco, sobretudo diários, está ainda por descobrir

O escritor, editor e crítico Luiz Pacheco, que morreu há 15 anos, escreveu muito e publicou pouco, deixando “todo um continente” ainda por descobrir, maioritariamente diários, que estão por estudar, transcrever e publicar, revela António Cândido Franco.

Autor de “O firmamento é negro e não azul. A vida de Luiz Pacheco”, biografia que será publicada no dia 12 pela Quetzal, António Cândido Franco, que estuda a obra e a vida deste escritor desde a adolescência, contou à Lusa ter ficado surpreendido com a quantidade de diários que descobriu existirem e que se encontram na posse da família.

Aliás, esse foi o principal obstáculo que encontrou durante as pesquisas para a elaboração da biografia: “A dificuldade de acesso a muitos materiais”.

Pacheco foi um escritor que escreveu muito e, pode-se dizer, que publicou muito pouco, portanto é todo um continente que está ainda por descobrir. Pode parecer algo de surpreendente mas é verdade, infelizmente, penso eu, mas também não me quero pronunciar sobre esse assunto, esses materiais não são públicos, estão na posse da família”. 

O facto de grande parte do espólio de Luiz Pacheco estar com a família “não facilita a investigação” e há todo um trabalho a fazer com esse espólio “para nós podermos no futuro vir a ter uma obra efetiva que não existe”. 

O que existe neste momento, de Luiz Pacheco, são apenas dispersos que ele foi publicando aqui ou ali, digamos que grande parte da obra, a epistolografia, as cartas, os diários, os cadernos, tudo isso está por publicar, inclusive contos. Há muito material que neste momento é desconhecido”, afirmou o também professor universitário, especialista em literatura e cultura portuguesas.

Ainda assim, António Cândido Franco teve acesso a muitos materiais inéditos de Luiz Pacheco, aos quais recorreu para a biografia, mas tem “consciência de que o icebergue é muito mais profundo e muito mais largo” do que as possibilidades que teve de poder fazer este trabalho.

Foi também neste contexto que teve a surpresa de descobrir “a importância enorme” que o diário tem na literatura de Luiz Pacheco, alguém que até então via sobretudo como “um critico literário de grande importância, com uma teoria própria” e que ficou muito conhecido como tal, principalmente com os artigos que escreveu para o Diário Popular, nomeadamente os primeiros textos de José Saramago, quando saiu o “Levantado do chão”.

Foi ele que descobriu vários escritores na década de 1960 e 1970, foi um crítico de grande importância, toda a gente o reconhecia. Depois havia a dimensão do narrador, mas de facto o diário era uma coisa mal conhecida”. 

Há uma publicação de 2005, ano em que Luiz Pacheco fez 80 anos, “Diário remendado”, editado pela Dom Quixote, “um livro extraordinário que deu a conhecer a faceta diarística da literatura de Luiz Pacheco”, mas que abarca apenas o arco temporal de 1971 a 1974, “um período muito curto” da sua vida.

À medida que fui consultando os materiais inéditos que estão na Biblioteca Nacional e que estão com a família — que, tenho de ser sincero, consultei-os, mas há muito para consultar junto da família —, apercebi-me que o diário, afinal de contas, ocupa muitos e muitos anos na vida do Pacheco e que esse diário está todo por publicar e até por estudar”. 

António Cândido Franco destaca que todo esse trabalho tem de ser estudado e transcrito, porque quase sempre está escrito à mão e por vezes numa caligrafia difícil.

O diário ocupa na literatura dele uma dimensão gigantesca, ele nunca deixou de escrever, nunca, e durante perto de 40 anos o Pacheco mantém o diário. Nós conhecemos três ou quatro anos, isto para mim foi uma surpresa muito grande”.

Descrito pelo biógrafo como um “grande e exemplar drama humano”, Luiz Pacheco teve uma vida que foi uma sucessão de “dramas muito vivos” e aos quais ele se entregou: a relação com o pai, a relação depois com a família, com a mulher, a relação com o trabalho, a relação com o Estado Novo, a relação com o meio literário, com a crítica literária, com o jornalismo e com o alcoolismo.

Foi um homem de confronto permanente com estas instituições e que, de alguma maneira, o isolaram profundamente em relação a tudo, ele acabou por ficar sozinho, ser uma espécie de franco-atirador contra tudo aquilo que estava à sua volta, foi um caso absolutamente singular e solitário, mas isso acabou por ser vivido com um preço e um preço muito alto que foi o sofrimento”.

Foi essa imagem de drama de vida que António Cândido Franco viu em 1972, quando o encontrou pela primeira vez, na feira do livro de Lisboa, “um escritor que estava praticamente nu, roto, esfomeado, cadavérico e a apresentar o seu livro, a levantar o braço para se ir embora, porque era incapaz de dizer duas ou três palavras, provavelmente alcoolizado”.

No entanto, sublinha o facto “exemplar” de Luiz Pacheco ter tido 20 anos de alcoolismo profundo, “um estado quase comatoso permanente”, e ter conseguido sair.

Vai ao inferno e sai do inferno”, são raros os casos em que isto acontece, considera, afirmando que a partir de 1990 Luiz Pacheco manteve-se sóbrio.

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