Entrevista. Helena Rato: “Não é fácil uma pessoa com deficiência sair de casa, nem há apoios para se ir buscá-la, não há”
A vice-presidente da Associação Portuguesa de Deficientes revelou como o orçamento de Estado para este ano (2023) esqueceu as pessoas com deficiência e falou das falhas da PSI (Prestação Social para a Inclusão). Abordou as dificuldades a superar na empregabilidade como, também, no acesso aos produtos de apoio (materiais que estas pessoas precisam) e na acessibilidade. Depois dos 18 anos, finda a escolaridade obrigatória que, na sua óptica, acaba por não primar pela inclusão, que caminho podem as pessoas com deficiência seguir? Onde podem estar? “Não há lugar para ir”, revelou-nos.
“Há a escola até aos 18 anos, a partir daí, ou as pessoas com necessidades específicas têm famílias que conseguem dar apoio ou têm uma deficiência que, apesar de tudo, lhes permite continuar a estudar, ou aqueles que são mais carentes não têm local onde estar“, começa por referir Helena Rato, vice-presidente da Associação Portuguesa de Deficientes. Quando questionada se, por compensação, há uma resposta mais reforçada para as faixas etárias mais jovens que ainda não complementaram o ensino obrigatório, Helena Rato refere que “a escola não é inclusiva para a pessoa com deficiência, começa logo por aí“, frisa, complementando que, na verdade, “não há resposta para nenhum grupo etário“.
A questão da mobilidade é um problema, revelando que “não é fácil uma pessoa com deficiência sair de casa, nem há apoios para se ir buscá-la, não há“, declara. Esse é um ponto que conduz à questão da empregabilidade da pessoa com deficiência. Para Helena Rato, que relembrou que a APD já tem uma plataforma para ajudar as pessoas com deficiência a conseguirem um emprego, o primeiro problema prende-se com “um desencontro“, uma falta de correspondência entre a oferta e os empregos que a pessoa com necessidades especiais procura. “Muitas vezes, as pessoas não respondem às ofertas de emprego e o emprego que procuram, também, não o encontram“, mas isso acontece porquê?
A resposta de Helena Rato surge com várias questões consequentes: “Alguém com deficiência que ande à procura de emprego como é que faz, por exemplo, para ir a uma entrevista? Consegue sair de casa? Consegue ter transporte que a leve lá? E no caso de ir lá e conseguir o emprego consegue, todos os dias, sair a horas e chegar atempadamente para cumprir o horário? Tem transportes que a levem lá? Não! As pessoas desistem. As dificuldades são tantas que desistem“, desabafa.
Contrapôs ainda que existe um legislação sobre Acessibilidade desde 2006 mas que, até ao momento, “se continua na mesma“, diz. Quanto ao Programa Acessibilidades 360º, que prevê também a intervenção em casas, avisa que, da mesma forma, “não aconteceu nada“, deslinda, relembrando que passar o projecto para as autarquias acabou por adulterar o conceito, uma vez que o tecto de 10 mil euros é baixo e acaba por não compensar.
Pelas suas próprias palavras: “Passaram a operacionalização e as candidaturas para as autarquias, mas as autarquias nem sequer sabiam, muitas delas! As que já sabiam dizem, ‘isso não nos interessa porque o dinheiro que está previsto para projectos não chega’“, revela Helena Rato. Complementa que “um dos programas tem a ver com a recuperação de habitações para pessoas com deficiência que precisam de obras em casa, mas há um tecto que é de 10 mil euros. Ao preço a que estão as coisas, para fazer uma obra em casa, 10 mil euros não dá para nada, só para fazer algo mínimo.” Remata ainda que, “de facto, para transformar uma casa para ser acessível, a autarquia diz que não se vai meter nisso porque o dinheiro não chega“, colmata.
Não deixa de relembrar, porém, que o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) tem um novo presidente do Conselho directivo, que entrou em funções este ano, o Engenheiro Rodrigo Ramos, que foi coordenador da Estrutura de Missão para a Promoção das Acessibilidades e representou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na Comissão para a Promoção das Acessibilidades. Helena Rato diz que se trata de alguém que poderia fazer algo diferente neste requisito, e aguarda para ver. O mesmo se aplica aos produtos de apoio.
Uma das “necessidades cruciais prende-se com a questão dos produtos de apoio, as chamadas ajudas técnicas que as pessoas precisam para poderem sobreviver: pode ser uma cadeira de rodas, pode ser uma prótese ou uma cama especial. Estamos, hoje em dia, na era da informação e, portanto, para se ter acesso a um serviço público, cada vez mais, tem de ser pela internet. Uma pessoa cega precisa de ter acesso à internet, por exemplo, precisa de ter um computador adaptado às suas necessidades. Temos as pessoas surdas, também, e há produtos de apoio que ajudam à audição, há uma lista enorme. Mas, além destes produtos de apoio, que são de equipamentos, há outros produtos de apoio que são os chamados consumíveis e que são, por exemplo, fraldas, sondas, de um só uso”, diz.
Em Dezembro, a APD enviou aos órgãos de comunicação social um comunicado que explicava que, no orçamento de Estado, não vinha qual a verba para se financiar os produtos de apoio. De momento, Helena Rato fica na expectativa do que será feito por este novo presidente, mas colmata que nada mudou até ao presente, quer “em termos de financiamento, quer em termos de se aligeirar o processo para as pessoas terem acesso a estes produtos.“
Alerta que, estas, “são questões absolutamente importantes que não se colocam só para os adultos, mas para crianças, também. Por exemplo, uma criança que nasça com deficiência, ter ou ter logo estes produtos de apoio faz toda a diferença para que a criança se possa desenvolver. O que é que acontece é que há um decreto- lei que diz que as pessoas com deficiência têm direito aos produtos de apoio gratuitamente, seja qual for a pessoa. Então, isto tem de ser pago pelo Estado”, refere.
Quanto à Prestação Social para a Inclusão (PSI), uma das queixas presentes em Dezembro, no mesmo comunicado, é que no orçamento de Estado não constava, também, qual o aumento previsto para esta prestação. Helena Rato explicou, no entanto, que, já por si, o valor da “PSI base é muito baixo. Houve, agora, um aumento de oito por cento que tem a ver com o aumento do IAS (Indexante dos Apoios Sociais), mas para 284 euros, não chega a 300 euros, sequer. Não chega nem a cobrir bem a inflação, que está a 7% ou 8%“, reforça. Relembrando a forma complicada como os cálculos do PSI são feitos, principalmente para quem não tenha os 80% de invalidez e ainda nutra vontade por trabalhar.