Entrevista. Holly Hood sobre Sangue Ruim: “Queria que fosse a parte mais agressiva, com mais hype, mais banger”
“Tou na luta” são as palavras que nos introduzem a “Peso”, o novo single de Holly Hood. O rapper português inicia assim o penúltimo capítulo de Sangue Ruim, a segunda parte do seu álbum de estreia, com uma declaração de combate. Depois de uma potente primeira parte pela mão de O Dread que Matou Golias, não é de estranhar esta atitude de um artista que prima pela possante energia que tem mostrado ao longo da sua carreira.
“Eu rimo há 21 anos, comecei a rimar com 12. Eu venho de uma altura em que o que era fixe era teres grandes trocadilhos e grandes rimas”, diz a certa altura durante a nossa conversa. No entanto, não é com desdém que o entoa, é com a noção de que o hip hop tem mudado ao longo dos tempos, algo que abraça com confiança: “Quando apareceu o trap, o que me fascinou foi ir à procura de exercícios diferentes, porque eram BPMs diferentes, métricas diferentes. Mas o que eu falo e o que eu digo é praticamente a mesma coisa. Acho que foi o aparecimento do trap que melhorou o meu flow.” Nota-se que é um conhecedor de estéticas sonoras, que é algo que não lhe passa ao lado e que incorpora na sua música. Seja qual for a batida, é garantido que vai sucumbir ao talento do rapper da linha da Azambuja.
Enquanto fazemos a contagem decrescente para o lançamento do último single de Sangue Ruim, a Comunidade Cultura e Arte sentou-se com Holly Hood para discutir o futuro, descortinar a música que ainda está para sair e a evolução do artista ao longo dos anos.
Qual é a ideia por trás de “Peso”?
O conceito do tema é brincar com a cena de seres pesado. Neste caso, o peso significa importância e quanto te pode empurrar para baixo. Mas na verdade é um exercício de ego trip. O conceito do vídeo desenvolvi com o André Caniços, é como se fosse um sonho, uma data de salas dentro da minha cabeça, uma viagem comigo por dentro da minha cabeça. Por isso é que tens cenas bué estranhas como paragens de autocarro dentro de um edifício [risos].
Como é que foi trabalhar com o André Caniços? Ele já trabalhou com outros artistas, como o ProfJam, Pedro Mafama ou a Ana Moura. Foi por isso que tu foste à procura do trabalho dele?
Não, nós somos amigos, estamos regularmente juntos, já estávamos há bué para fazer uma cena os dois e surgiu esta oportunidade. Foi incrível, foi a primeira vez que trabalhei num videoclipe com uma equipa grande — no total eram 25 pessoas — e toda a gente mega profissional. O videoclipe foi filmado em película, teve que ser revelado em Londres, ele [André Caniços] até me disse que foi revelado no estúdio onde revelam a película dos filmes do James Bond. Foi a primeira vez que filmei em película, o [videoclipe da] “Miúda” é em película, mas é tudo fotografias. Este foi mesmo gravado em 16 mm e foi incrível, adoro o trabalho final.
Já temos seis músicas cá fora de Sangue Ruim: “Ignorante”, “Cala a Boca”, “Miúda”, “Some”, “Némesis” e “Peso”. Se for como O Dread que Matou Golias, espera-nos mais uma. Tens alguma surpresa planeada para este tema?
Eu já pus uma vez um snippet pequenino do som no Instagram, chama-se “Daddy”. É o último som, vai ser lançado como os outros sons todos que eu tenho lançado nesta parte — tirando o “Némesis”, que não tem videoclipe. Vai sair em formato single e fecha-se o Sangue Ruim.
Em 2016, dizias que não tinhas a terceira parte do teu álbum pensada. Como estamos agora, cinco anos depois?
Não está fechada a 100%, há algumas coisas que eu ainda não tenho: o nome, a capa… Mas está pensado como vai ser estruturado. A terceira parte tem uma ideia por trás diferente que nem fazia sentido ser lançada música a música.
A capa do Sangue Ruim é a que aparece no videoclipe?
Sim, sim.
E porquê aquela capa?
Foi uma ilustração que eu fiz. É uma metáfora: tens uma senhora muito grande, que significa o hip hop português, tens três gatos em cima da senhora, que são as três partes do meu álbum, e depois um bebé todo mijado mas com grande estilo, porque está com uns óculos da Versace, que sou eu [risos].
Tens várias barras em que fazes referência à religião e até o título da primeira parte do teu álbum alude à Bíblia. Como é que é a tua relação com a religião?
Sou ateu, mas posso dar uma explicação quanto à parte visual estar relacionada com a [religião] cristã. Desde puto sempre achei que a estética do cristianismo é bué forte, sempre foi desenhado para ser uma coisa imponente. E essa estética agrada-me, é uma cena que eu sempre curti na parte visual.
Em que é que este Sangue Ruim difere de O Dread que Matou Golias?
O Sangue Ruim [foi lançado] faixa a faixa e notas não só a minha evolução enquanto rapper e enquanto artista, em certos detalhes consegues perceber até evolução enquanto pessoa. E dá para trabalhar as músicas e posso-me focar num só projecto — e quando eu digo projecto é a música com o vídeo, com a capa, com tudo — enquanto que se estiveres a fazer uma massa, como fiz no primeiro [O Dread que Matou Golias], não consegues ter tanta atenção às músicas todas. Com a segunda parte, o objectivo sempre foi lançar músicas espaçadamente porque eu queria que se notasse evolução numa só parte. Eu queria que a segunda parte fosse a parte mais agressiva, com mais hype, mais banger, tanto que a terceira parte já não vai ter tanto essa estética ou essa ideia. Se fores ouvir as minhas músicas antigas, eu sempre rimei mais ego trip do que rap. Para mim, o ego trip é como se fosse escrita livre, não tem bem um tema, sou só eu a dizer que sou o maior do mundo [risos]. A mim interessa-me mais a maneira como os rappers dizem as coisas do que propriamente o que eles dizem. E é um bocado isso que eu aplico à minha música. Posso estar a falar de sete coisas diferentes ao mesmo tempo na mesma letra, [em vez de] estar ali naquele tema. Também faço, também gosto, mas é outro exercício completamente diferente.