Entrevista. Isabel Moreira: “Foi à esquerda que encontrei a correcção das desigualdades do Estado Social”
No caminho de dar a conhecer todos os deputados da Assembleia da República, o projeto os 230 publica mais uma entrevista, a 11ª desde setembro. Desta vez, Francisco Cordeiro de Araújo, fundador da iniciativa, conversa com Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista (PS). Nesta entrevista, a antiga professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) recorda a ligação que tem com o país onde nasceu, o Brasil, e deixa claro a sua opinião sobre assuntos como a eutanásia e a forma como o Governo está a lidar com a pandemia de COVID-19.
Por mero acaso, como garante, a deputada nasceu a 2 de abril de 1976 no Rio de Janeiro, Brasil, a mesma data em que foi aprovada a Constituição da República Portuguesa (CRP). “É evidente que foi um acaso, mas eu gosto muito de ter nascido no mesmo dia, mês e ano em que foi aprovada a Constituição”, confessa.
E, passados mais de 40 anos, qual a opinião de Isabel Moreira sobre a CRP? “Acho que a Constituição teve as alterações que foram necessárias, sobretudo nas revisões de 82 e de 89”, garante. Neste sentido, considera não serem necessárias alterações constitucionais muito urgentes, reforçando a ideia de que “a CRP está bem como está”.
Filha de Adriano Moreira, e num contexto familiar em que o assunto “política” era frequentemente abordado e discutido, as suas raízes tiveram um peso importante na sua vida. Ainda assim, a deputada do PS deixa claro que durante muito tempo não achou que a vida política passasse pelo seu futuro profissional. “Nunca imaginei que viesse a ser deputada”, afirma, apesar de ter sempre como foco a vida ativista, que, na sua opinião, “não deixar de ser uma forma de fazer política”.
O facto de ter nascido no Brasil foi algo que também a marcou, apesar de não conseguir explicar a razão em concreto. Ainda assim, Isabel Moreira não tem dúvidas em afirmar que é o país do qual gosta bastante. “É um sítio para o qual vou quando posso com enorme felicidade e não sei bem explicar porquê… É algo quase espiritual”, confessando ainda que é apaixonada por música, poesia e literatura brasileira.
Como olha Isabel Moreira para a atual situação no Brasil?
Isabel Moreira mostra-se bastante preocupada com o atual estado do Brasil. Fazendo referência a um “golpe” contra a antiga Presidente do país, Dilma Rousseff, seguido de várias “réplicas” e “tréplicas”, a deputada do PS fala em algo que define como “a situação mais trágica que podia acontecer ao Brasil”: Bolsonaro no poder.
Com amigos no país dos cariocas, Isabel Moreira garante que as pessoas com quem conversa sentem que “o Brasil bateu no fundo em termos do que está a ser a destruição do bom que tinham conquistado”. E, para a deputada do PS, que fala mesmo em “terror máximo”, “há bastante dificuldade em encontrar neste momento uma alternativa forte relação ao que se está a viver no Brasil”. Quanto a possíveis soluções, “qualquer coisa é melhor do que Bolsonaro”, garante.
Questionada sobre a semelhanças, ou não, entre o Brasil e os EUA, Isabel Moreira fala em realidades muito distintas. No entanto, defende que “há qualquer coisa que une aquelas figuras grotescas, inimigas das mulheres e de todas as minorias, com um discurso antissistema como se não fossem eles próprios fruto do sistema”.
É também neste contexto que Isabel Moreira esclarece que não se identifica com a expressão “antissistema” porque gosta do sistema. Dando o exemplo da corrupção, a deputada do PS considera que a ideia, por vezes passada por populistas de extrema direita, de que Portugal é um país bastante corrupto, o mais corrupto do mundo e que nunca houve tanta corrupção como agora é falsa.
Ainda assim, Isabel Moreira reconhece que este tipo de discurso com ideias como “temos de lutar contra o sistema e prender os corruptos” está a ganhar alguma popularidade. “É o tal discurso antissistema (…) como se o sistema fosse mau”, considera.
Reforçando a defesa do sistema, a deputada define-o como resultado de uma revolução que criou um regime democrático. No final, garante que conta com “aspetos que podemos apontar, que funcionam menos bem, mas tem sobretudo coisas que devemos saudar”. “O sistema mais corrupto de todos é a ditadura não é certamente a democracia”, frisa.
As “lutas” de Isabel Moreira. Do casamento entre pessoas do mesmo sexo à eutanásia
Durante a entrevista, Isabel Moreira confirma que se vê mais como uma pessoa de Esquerda e explica algumas das razões. A deputada do PS fala, nomeadamente, no facto de “a Esquerda dar um papel ao Estado no combate à pobreza que a Direita não dá”. Por outro lado, acredita que as pessoas de Esquerda tendem “a ter uma visão muito mais aberta da sociedade e muito mais tolerante em questões de igualdade e liberdade, como os direitos das minorias”.
Foi também nesta linha de pensamento que, enquanto ativista, a antiga aluna e professora na FDUL lutou por uma causa: o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na altura, Isabel Moreira não era deputada, mas via nesta proibição algo “inconstitucional”. Agora, e com a “luta” a ter sido ganha, a deputada do PS via na proibição uma “aberração”, acreditando sobretudo que “se o Estado desse o sinal de que todos podiam casar isso seria revolucionário em termos de mudança de mentalidade”.
A eutanásia, atualmente proibida em Portugal, é outra “luta” que Isabel Moreira pretende travar, considerando “inadmíssivel que o Estado não tenha abertura para todas as pessoas”. No entanto, esclarece que, a ser aprovada, “tem de ser em condições específicas e delimitadas para não ser inconstitucional”.
Para além destas, existem outras muitas “lutas”. Isabel Moreira garante que no seu dia a dia dedica-se a áreas da primeira comissão como as da justiça, da administração interna e dos direitos fundamentais em geral. “É um trabalho que faço com muito gosto, continuamente no parlamento, e que não é tão visível… Mas não deixa de ser um trabalho que me dá imenso prazer e que é feito sem holofotes”, explica.
Pandemia de COVID-19: “estamos a viver uma situação que não foi pensada pelas leis”
Com a entrevista a ser gravada ainda quando estava em vigor o Estado de Calamidade e não o Estado de Emergência em Portugal, Isabel Moreira explica de que forma funciona parte do mecanismo legal em plena pandemia. Ainda assim, nessa altura, considerou que “estamos a viver uma situação que não foi pensada pelas leis”.
Isabel Moreira garante que as leis não previram uma situação de pandemia que pode durar um ano ou dois. Por isso, fala em algumas irregularidades: “É natural que a lei permita que o Governo, sem passar pela Assembleia da República (AR), possa restringir direitos, liberdades e garantias devido a um terramoto, mas já não é razoável que um Governo sem dar cavaco à AR possa restringir direitos e liberdades durante um ano”.
É neste sentido que Isabel Moreira defende que restrições aos direitos, às liberdades e garantias deveriam ter sido feitas através de uma lei da AR. “Estaríamos mais confortáveis se tivesse havido uma «lei chapéu», como se enquadrasse o contexto de pandemia, que autorizasse o governo a restringir algumas liberdades”, considera, garantindo que vários países fizeram isso mesmo.
“Verão Quente de 1975”: as escolhas da deputada do PS
Na segunda parte da entrevista, Francisco Cordeiro de Araújo coloca várias questões em cima da mesa. Quando questionada sobre o melhor Presidente de Portugal, Isabel Moreira não tem dúvidas em destacar Mário Soares, mas a tarefa revela-se mais complicada na altura de escolher o melhor rei do país.
Entre Marco Paulo e António Zambujo, a deputada do PS escolhe Zambujo, e, no mundo da política, escolhe Hillary Clinton, também uma das pessoas com quem gostaria de almoçar, e não Bernie Sanders. E qual o livro que Isabel Moreira não se cansa de ler? A resposta a estas e outras perguntas está no vídeo da entrevista.
Por fim, Isabel Moreira reconhece que os políticos têm “alguma responsabilidade” no facto de os cidadãos estarem mais distantes da política e de quem elegeram para os representar. Ainda assim, adverte que “há uma dose que não corresponde à verdade, que é altamente explorada por uma certa direita extremista e populistas de forma exacerbada”.
Quanto à mensagem que deixa aos portugueses, está intimamente relacionada com a atual crise de saúde pública que todo o mundo enfrenta. Isabel Moreira deixa como sugestão que os cidadãos se guiem pela ciência e não pelo medo.
Artigo escrito por Ana Filipa Duarte, colaboradora do projeto Os 230.