Entrevista. Joana Guerra Tadeu: “Isto tudo da crise climática vai dar a uma luta de classes”
No mundo do digital, é conhecida como a Ambientalista Imperfeita. A sua página no Instagram tem mais de 23 mil seguidores. Mas o trabalho de Joana Guerra Tadeu vai muito além de ser impactfluencer interseccional. A ativista por justiça climática e social tem um podcast na Antena 3, faz palestras, participa em eventos e iniciativas sobre o tema. O mais recente foi uma viagem ao Quénia com o projeto Climate Of Change, cofinanciado pela Comissão Europeia.
Herdou dos pais a consciência política e ecológica. Começou um negócio na área da sustentabilidade e, quando a filha, Aurora, já tinha um ano, em 2018, criou o Instagram, focado no minimalismo e no lifestyle. Sendo um projeto online, cresceu muito na pandemia, fez 101 lives em 101 dias. Mas cansou-se, precisava de mais e de adequar o conteúdo à sua personalidade. “Apaguei tudo e comecei tudo de novo”. Prima essa atitude na vida. Se não tivesse seguido este caminho, seria geógrafa ou “outra coisa qualquer”. “Invento”.
Hoje tem um podcast, um site, faz parcerias com marcas, mas diz que é “muito chata”, dá palestras e workshops em escolas, trabalha com câmaras municipais e participa em eventos culturais. Elege, para o topo, a luta e organização coletivas: vai a manifestações, promove petições e participa projetos ativistas.
Esta entrevista decorreu na FCSH, na Universidade NOVA de Lisboa, naquela que foi, um dia, a sua casa. Hoje, Joana Guerra Tadeu recorre à comunicação como arma principal para fazer ativismo. Porém, nos media, sabe que ainda é difícil comunicar questões mais aprofundadas sobre justiça climática devido ao modelo de negócio insustentável em que assenta o capitalismo.
Passou por uma fase de rebeldia em relação aos pais; hoje, reconhece-lhes toda a influência que tiveram na sua forma de ver o mundo. Se pudesse viajar agora, iria para a Costa Rica; se pudesse conversar com alguém, jantava com o João Ferreira, mas “ensinava o que é greenwashing” ao CEO da Navigator. Aos jovens diz: “não se calem”.
Perante o estado da crise climática, achas que tem de haver um equilíbrio entre a ação individual, com comportamentos em casa por exemplo, e a ação coletiva, com a participação em manifestações ou em organizações?
Tem. Quando falas em equilíbrio, eu imagino uma balança, e ponho logo o peso todo de um lado, que é o das organizações. Se tu me disseres que só tens disponibilidade para dares uma hora por semana para pensares sobre isto profundamente, eu prefiro que tu estejas numa organização e vás a uma reunião semanal em que és confrontada com as ideias e soluções de outras pessoas; em que se houver uma petição, assinas no momento; se houver um protesto, tu dás essa hora ao protesto. E isso quer dizer que vais potenciar mais o teu próprio potencial de mudança. Tu até podes ter uma ideia incrível que não consegues pôr em prática, mas encontrar alguém que consegue. Além de que te provoca muito mais do que se estiveres sozinha em casa a fazer a tua compostagem ou a fazer a tua horta. Se tens tempo para fazer as duas coisas, é para fazer as duas coisas. Se só tens tempo para fazer uma, organiza-te. Demorei tempo a perceber o que é que tem mais impacto na mudança necessária e urgente de fazer. E o que tem mais impacto é realmente a capacidade de nós nos organizarmos com outras pessoas.
“Não é socialmente justo a responsabilidade ser do indivíduo, porque os indivíduos não têm todos o mesmo dinheiro, e essa é a primeira desigualdade. Para mim, isto tudo da crise climática vai dar a uma luta de classes.”
Joana Guerra Tadeu
Até porque às ações individuais ficam restritas às condições financeiras e recursos de cada pessoa…
Acho que cada um deve fazer a sua parte. Mas não devemos pôr o ónus todo da responsabilidade em cima de nós enquanto indivíduos, mas enquanto sociedade organizada. E isso abre espaço para a imperfeição: não precisamos de fazer tudo bem, mas também não podemos usar isso como desculpa para não fazer nada. E o meu foco agora é esse trabalho ativista em termos de sociedade civil.
A minimalista vinha do mundo do lifestyle, do “vota com a carteira”. E a ambientalista imperfeita diz “vota com o voto”. O voto com a carteira não é democrático, porque a minha carteira não é a carteira das pessoas que me seguem no Instagram. Eu dizer “compra esta marca” é o ativismo burguês — que é para fazer na mesma, até porque a maior parte de nós somos burgueses [risos] — mas, não inclui toda a gente, porque a maior parte de nós somos trabalhadores precários. Não é socialmente justo a responsabilidade ser do indivíduo, porque os indivíduos não têm todos o mesmo dinheiro, e essa é a primeira desigualdade. Para mim, isto tudo da crise climática vai dar a uma luta de classes. Dizem “consuma consciente”; mas não dá para consumir consciente sem teres acesso a informação e poderes ter tempo para analisá-la, e ver se estás perante greenwashing, ou perante uma coisa realista. Epá, e a maior parte das pessoas, 99%, não tem tempo para esta merda! E nesse sentido eu tento ajudar. Em princípio, as pessoas que me seguem confiam na minha opinião em relação a uma marca. Quando me perguntam, “mas tu és jornalista?”: não. Porque eu trabalho com marcas. O meu sonho é deixar de fazer parcerias com marcas, porque deixa de ser necessário para a minha sobrevivência. Mas lá está, eu sou uma trabalhadora precária como tantos outros, e neste momento não é possível. Depois tens de pensar sobre o teu tempo. Porque as pessoas são do tipo “eu vou passar a andar de bicicleta”, e eu digo, “mas tens tempo?”; porque se vives na Amadora e trabalhas no centro de Lisboa vais ter de perder uma hora para cada lado, e se calhar de carro perdias dez minutos, e se calhar isto é importante para ti. Sim, fazes muito menos emissões de carbono, mas eu não sei qual é a tua realidade. E às vezes não é só o dinheiro, é a gestão da família, das responsabilidades, da saúde mental, da saúde física da pessoa. E esta coisa do capitalismo de plataforma, do “5 soluções para”, dos “Instagrams” e dos “Facebooks” da vida…epá, isto é tudo muito giro e muito prático, mas não há uma solução que sirva para toda a gente. Claro que eu faço posts a dizer “cinco formas de seres mais sustentável na casa de banho”, e isso traz-me mais pessoas, mas é isso que interessa? Não. O que interessa é que essas pessoas vejam o post e venham a uma palestra a seguir, debater coisas mais profundas, como os transportes públicos gratuitos. E isto não dá para falar num post ao qual as pessoas têm 15 segundos de atenção para dar.
Então, toda a gente pode ser ambientalista imperfeita?
Claro que sim. A parte genial do marketing deste conceito do “ambientalista imperfeito” é esse, é que facilmente uma pessoa se identifica. É “eu quero fazer a minha parte, separo o lixo, ponho no ecoponto e até recolho a água que estou a aquecer do banho, ah ya e, já agora, podia assinar umas petições, e quando for votar vou olhar para as propostas climáticas de cada partido que é uma coisa que eu não fazia antes. Não posso fazer mais que isto, mas isto é suficiente”. Já estou envolvida, não estou a fingir que o problema não está lá, e já estou a ouvir as notícias com outra atenção. O ambientalismo imperfeito permitiu dar confiança à pessoa com o “mesmo que eu faça pouco, vale a pena fazer”. Sobretudo, se esse pouco for organizado em sociedade.
“A minha mãe começou a reciclar nos anos 80. A gente enchia o carro até ao tejadilho e íamos as duas lá enfiadas entregar o lixo a um centro de recolha de reciclagem que era longíssimo, porque só havia ecopontos para o vidro.”
Joana Guerra Tadeu
Grande parte do teu trabalho assenta na tua capacidade de comunicares. De onde veio este interesse pela comunicação?
Não faço ideia. [Risos] Sempre foi algo muito natural em mim, o querer comunicar, o criar coisas. Se estivesse no secundário hoje, provavelmente teria um Instagram ou um Tiktok onde já comunicaria imenso. Na minha altura, não havia nada disto, havia o Hi5. Eu criei o meu primeiro Facebook aqui na faculdade por ordem de um professor. Na escola, eu fazia murais, panfletos, jornais de parede. Organizei protestos e manifestações na cidade onde estudava e as pessoas conheciam-me por isso. Estava na associação de estudantes, chateava a direção da escola que me odiava! Eu fazia as mesmas asneiras que os outros, mas como era boa aluna não me suspendiam, mas como os outros eram suspensos, eu dizia que também tinha de ser, e que não vinha à escola, e depois não suspendiam ninguém. Tinha sempre esta mania que ia salvar o mundo, muito savior complex. E isto veio muito dos meus pais, eles são assim. A culpa é deles!!! [risos] Depois, eu queria ser geógrafa na realidade, mas os meus pais assustaram-me muito com as perspetivas do desemprego na altura. Então, eu e o meu pai fizemos um Excel supercomplexo com montes de variantes. Sociologia ficou em primeiro, comunicação em segundo e geografia em terceiro. E à última da hora, decidi pôr comunicação em primeiro. Hoje, se calhar, no meu trabalho, até uso tanto os conhecimentos de Geografia como os de Comunicação, porque a Geografia foi o que me despertou para a geopolítica, para esta coisa do Global North explorar o Global South, para as questões da sobrepopulação, as questões climáticas.
Agora, há outra realidade. O meu pai é jornalista e lembro-me de ver o jornal a ser impresso, e do cheiro da impressora, e de tocar nos primeiros jornais, e de a tinta ainda estar fresca e ficar toda suja. E lembro-me de conviver nas redações, quando ainda se fumava nas redações. E, obviamente, há de ter ficado gravado. E claro que os nossos ideais estão muito ligados aos nossos pais, quando temos boas relações e os admiramos. E com certeza isso terá tido um papel aqui.
Falas muito dos teus pais. Quem são os role models da tua vida?
Têm que ser os meus pais! Quando somos mais novos, ninguém gosta de admitir que está a seguir os passos dos pais. Aliás, faz parte do nosso processo de desenvolvimento fazermos o oposto: rebelarmo-nos contra eles. E eu fiz isso lá para os 20 e tal anos. E arrependo-me imenso [risos]. Aprendi imensas coisas, mas foi uma fase muito difícil da minha vida. Trabalhei num banco, odiei. Trabalhei numa consultora, odiei. Vestia-me com saltos altos, saias travadas, quem me conhece sabe que essa pessoa não sou eu. Mas eu tive que experimentar…A minha mãe começou a reciclar nos anos 80. A gente enchia o carro até ao tejadilho e íamos as duas lá enfiadas entregar o lixo a um centro de recolha de reciclagem que era longíssimo, porque só havia ecopontos para o vidro. Depois fomos para uma quinta e a minha mãe compostava, e eu trabalhava na horta e tinha que tratar dos animais com a minha mãe. Ia limpar a cavalariça e chegava à escola a cheirar a cavalo e achava aquilo tudo horrível… A minha mãe tem uma ligação à natureza e o meu pai é o oposto, é super urbano, mas super conectado a estas questões mais políticas, mais sociais. Portanto, as nossas conversas ao jantar eram em torno destas coisas e eu tenho que lhes dar crédito. Mas acho que só percebi isso quase aos 30. E foi muito fixe para mim em termos de desenvolvimento pessoal fazer as pazes com isso e passar a gostar das semelhanças aos meus pais, se há coisas que eu espero não fazer iguais? Isso é só saudável! [risos]
Depois, houve aqui houve professores muito importantes. Um professor meu de Geografia, o António Barreto. Aquele homem moldou muito a minha cabeça e a minha maneira de pensar, apesar de termos opiniões diferentes politicamente. Ele fez-me questionar tudo, e fez-me perceber como pelo facto de vivermos num sistema, o planeta, estamos todos ligados, e faz com que todos os assuntos estejam ligados. E estarei eternamente grata por isso. E aqui na faculdade, um professor que me marcou profundamente e que me deu a primeira oportunidade no jornalismo mais a sério, foi o António Granado. Mudou a minha vida completamente, 200% um role model, até porque ele depois dedicou-se à comunicação da ciência, e eu lembro-me do quão importante era, para ele, que a ciência fosse bem comunicada. E hoje em dia, perceber a ciência, conseguir comunicá-la de uma maneira que não seja secante para ninguém, mas que seja correta, é fundamental para o meu trabalho.
Ia perguntar-te o que serias se não tivesses seguido este caminho, mas já percebi que, se calhar, seria geógrafa…
Se calhar geógrafa. Sabes que essa pergunta é uma pergunta que não me não faz sentido nenhum. O que eu penso é: se um dia não quiser ser isto, sou outra coisa qualquer, não há problema. Eu já segui tantos caminhos diferentes. Eu já trabalhei numa consultora. Já fui jornalista. Eu já escrevi para a Bola, escrevi sobre futebol nacional sobre o qual eu percebo zero. Eu já fiz relatos de futebol de jogos que estavam a acontecer em Angola e Moçambique e que eu nunca vi… Eu preenchia duas folhas de jornal sobre aqueles jogos e era tudo ao telefone com alguém que tinha visto o jogo e que não sabia bem dizer em que minuto é que tinha sido o golo. Eu já fiz a Bola de estrelas, que foi a coisa mais humilhante que fiz na minha vida… são basicamente mulheres nuas com estrelas a tapar os mamilos. Eu pus essas estrelas no Paint para aquilo ir para o site à meia-noite! Já trabalhei na Sábado, fiz reportagens super divertidas, entrevistas super giras. Fiz coisas muito giras na RTP com o António Granado, quando fizemos o primeiro site de notícias da RTP. Agora, estou na Antena 3, estou a ter experiências surreais com a equipa das manhãs. Portanto, se me disseres “então, se amanhã não quiseres ser ativista”, eu digo “não sou, invento outra coisa qualquer”.
Tens essa liberdade.
E essa liberdade é muito importante para mim. Se a minha vida é fácil? Não. Se sou precária? Sim. Se não sei muito bem se vou ter dinheiro para o próximo mês? Maior parte do tempo. Tenho uma filha o que também traz os seus desafios. Mas para mim, é mais importante eu ter esta liberdade do que ter outras coisas que me trariam segurança. E eu experimentei ir pela rota da segurança, mas não deu, não me faz feliz. Eu não estou a dizer que eu estou certa e que as outras pessoas estão erradas; mas, de facto para mim, funciona assim. Se eu um dia achar que devia ter sido geógrafa, eu hei de ser geógrafa [risos].
“Ainda não produzi nenhum conteúdo sobre o Quénia, e já voltei há umas semanas, porque precisei de digerir tudo aquilo que vi lá. Uma parte foi muito violenta, porque foi racista, imperialista, colonialista, white saviorist. E eu vou ter que denunciar tudo isso… será grave, obviamente, e tem implicações ao nível profissional e institucional graves do meu lado, para as quais eu me estou a preparar.”
Joana Guerra Tadeu
Se pudesses ir agora viajar que destino escolherias e com que intenção?
Já há muitos anos que eu tenho dificuldade em fazer lazer sem fazer trabalho. Para aí desde 2014 que eu vou a um evento porque se calhar tem potencial para…; vou a um restaurante vegan, porque pode ser que…; vou a um ciclo de palestras, porque pode ser que encontre uma pessoa para entrevistar. Eu estou sempre um bocadinho wired. O tema da sustentabilidade também é muito grande, no qual eu consigo enfiar quase tudo. Depois, acredito muito na cultura como um quarto pilar para a sustentabilidade. Portanto, quando vou à procura de cultura aquilo pode e deve contribuir para o desenvolvimento sustentável.
O primeiro destino que me vem à cabeça é Costa Rica, porque é onde há mais biodiversidade por metro quadrado. E é um sítio onde sempre quis ir. É um sítio onde espero ir brevemente em lazer, mas tenho a certeza de que vou arranjar maneira de pegar para trabalho, porque vou querer conhecer tudo. Eu já consigo imaginar: selva, vulcões, mar, lagos, cascatas, árvores, bichos, insetos… [risos]
Como foi viagem ao Quénia? O que fizeste?
Já tinha tido a oportunidade de ir a um país africano e ver biodiversidade africana, em modo completamente relaxado. Desta vez, fui lá em trabalho, e fui ver a mesma coisa, mas em sítios onde as coisas estão a correr muito mal por causa das alterações climáticas. Quando tu vais num contexto turístico, mostram-te o melhor que há para ver, quando vais num contexto profissional, no meu contexto, as pessoas mostram-te o pior que há para ver. E, ainda assim, foi a coisa mais bonita que eu vi. Fui a um parque onde os búfalos estão todos a morrer. Há uma pandemia e não sabem o que é. E a política daquele parque natural é não interferir. Mas ao mesmo tempo, queres saber por que estão a morrer e queres perceber se os humanos fizeram alguma coisa que está a provocar isto. Mas isso será intervir no ecossistema. Há ali toda uma componente ética, moral, e uma componente de ecologia, no sentido da relação entre espécies. É tudo tão intenso e tão bonito, ver aquelas pessoas realmente preocupadas com o que estão a fazer, mas ao mesmo tempo, a respeitar os limites da intervenção. Eu ainda não produzi nenhum conteúdo sobre o Quénia, e já voltei há umas semanas, porque precisei de digerir tudo aquilo que vi lá. Uma parte foi muito violenta, porque foi racista, imperialista, colonialista, white saviorist. E eu vou ter que denunciar tudo isso… será grave, obviamente, e tem implicações ao nível profissional e institucional graves do meu lado, para as quais eu me estou a preparar.
Trouxe-te uma nova visão das coisas?
Não necessariamente. Não houve nada que me surpreendesse, mas de facto, é uma oportunidade grande para poder viajar para um sítio tão longínquo e tão diferente para fazeres o teu trabalho, é um luxo. Claro que gostava de fazer mais coisas do género, mas até que ponto é que esse é o foco? No limite, podia fazer tudo no computador e nunca saía dali, mas preciso destes momentos para recuperar.
Se pudesses ter um encontro e conversar com um líder político, uma figura pública, um empresário, quem escolherias e o que lhe dizias?
[Risos] Se for para ser desagradável, convidava o CEO da Navigator, para lhe explicar o que é greenwashing, não que ele não saiba, mas mesmo para ser passivo-agressiva. E pagava ele, obviamente. Se fosse para ser agradável para mim, e se fosse uma pessoa morta, convidava a Wangari Maathai, que é a minha ativista preferida, que por acaso é do Quénia. A primeira visita que nós fizemos lá foi a uma floresta e ela foi patrona dessa floresta. Foi incrível para mim, e até me emocionei. Ela foi responsável pelo Green Belt Movement, que quer ligar todos os países africanos por floresta. Agora, com alguém vivo, e para ser agradável para mim…. Difícil. Eu gosto muito de odiar pessoas [risos]. É muito mais fácil, metes aquela pessoa ali naquele canto, tudo que ela faz está errado, pronto, e não precisas de justificar, é ótimo [risos]. É muito fácil obviamente, mas não é justo. Ia dizer o João Ferreira, mas o João Ferreira agrada a toda a gente, até aos liberais. Podes ser hétero, gay, pan, demi, de direita, de esquerda, toda a gente saía com o João Ferreira. Com certeza teria muitas coisas interessantes para conversar com ele. Acho que muita gente na minha posição escolheria uma Greta Thunberg, mas acho que a Greta está fartinha de nos aturar, e eu também não tinha propriamente muitas coisas fixes para lhe dizer. Como ela própria diz, é sobre o movimento não é sobre ela. Ela foi instrumentalizada, e isso perturba-me imenso. Acho que há outras pessoas que diriam o Guterres, mas coitadinho, deve estar cansadíssimo. Adorei que ele tenha dito que as petrolíferas estão a ser cínicas ao usarem a guerra para aumentarem os lucros. Acho que este tipo de declarações é difícil de fazer e acho que ele tem tido alguma coragem nesse sentido. Mas faço zero questão de jantar com ele. Temos os dois coisas muito melhores para fazer. Acho que preferia jantar, sei lá, com um filósofo qualquer, que se dedique muito a pensar e a ouvir, uma pessoa para me provocar. No outro dia, numa conversa com um dos meus melhores amigos, ele falou-me sobre os transportes públicos gratuitos ser uma péssima ideia, e ele é a pessoa que eu mais respeito à face da Terra. E eu pensei “estás-te a passar”, e depois ele começa a dar argumentos e aquilo começa a fazer sentido e tu ficas “não abanes as minhas crenças! Não faças isso, puto”. Depois ficas a pensar naquilo, e depois tens que ir ler. Mas isto é o mais útil que nos podem dar.
Escreveste uma carta aberta à tua filha sobre a crise hídrica. O que tens a dizer aos jovens sobre isto?
Não se calem, sejam chatos. E não deixem os adultos continuarem com este discurso criminoso de que vocês é que vão mudar o mundo. Não temos tempo para isso. Vocês mudarão o mundo, com certeza, até porque, infelizmente, serão obrigados a viver num mundo muito diferente e terão que lutar muito por melhores condições de vida, nomeadamente no acesso à água. Epá, mas não deixem os adultos virem com esta conversa, isto parece um elogio, e parece um idolatrar da vossa geração. Mas isto é uma desresponsabilização de quem está no poder neste momento. É um lavar as mãos de quem fez a asneira e de quem devia ter melhorado as coisas. Não deixem, porque quem está agora a gerir as empresas e quem está agora a governar é que tem que mudar as coisas. Vocês vão mudar outras coisas. Portanto, gritem muito, sejam muito chatos e lembrem-nos que a responsabilidade é deles.
Achas que são as pessoas que não prestam atenção ou são os media que ainda não sabem comunicar os problemas climáticos e ambientais?
Isso é uma pergunta para fazer uma tese [risos]. Acho que as pessoas prestam atenção àquilo que lhes põem à frente. Acho que há muito negacionismo que vem de um sítio de medo: o de “não há nada que eu possa fazer para melhorar as coisas, portanto, mais vale nem sequer ouvir”. E respeito muito isso, porque isso é um mecanismo de defesa como outro qualquer, e eu sou uma grande defensora da saúde mental. E longe de mim dizer às pessoas que estão erradas por tentarem proteger-se dessa realidade que é tão dura. Pensar que a minha filha vai viver com 25 litros de água por dia é, de facto, duro e doloroso. Em termos de media, acho que nós temos um problema grande que é a Internet como meio num modelo de negócio onde a informação é grátis. E este modelo de negócio, vá, novamente o capitalismo de plataforma, veio mudar completamente a maneira como se faz jornalismo e como se fala nestes assuntos. Ainda não chegámos a um modelo de negócio em que o jornalismo possa ter qualidade e existir economicamente. Os jornais ganhavam dinheiro com vendas e com publicidade. Neste momento, não é preciso fazer publicidade no jornal, porque tens outro 1500 meios muito mais eficazes para isso; e não precisas de comprar o jornal porque a informação é gratuita. Marx dizia que isto ia acontecer, é o late stage capitalism. Não há aqui surpresas. Os media estão dependentes dos interesses financeiros, extrativistas, capitalistas, e em nada ecologistas. Portanto, vai ser sempre um bocadinho difícil que os media nos tragam este conteúdo. É o mesmo que eu, que sou uma trabalhadora precária, continuo a ter que trabalhar com marcas, e daquilo que querem que eu diga. Claro que eu, como sou muito chata e tenho a sorte de agora ter um programa na Antena 3, que me dá alguma estabilidade, vou conseguindo dizer que não quando há coisas a que não estou de acordo. Quer dizer, nós tivemos a revista Visão a cobrir a COP26 de forma intensiva, com o patrocínio da Galp… E estamos a falar de uma COP onde houve mais de centenas de inscrições de lobbies das petrolíferas do que houve credenciais dadas a ativistas. Se isto levanta problemas? Claro que levanta. E acho que isto é uma das questões do modelo de negócio em que, seja em questões climáticas ou sociais, vai ser sempre o problema do capitalismo.
Estás sempre envolvida em muitos projetos, quais são os próximos passos?
Vou agora aos Açores fazer um projeto, vou contar priolos, um pássaro típico de São Miguel, numa ação da Sociedade Portuguesa de Conservação das Aves. Gostava de acompanhar uma expedição na Madeira, porque a zona protegida das Desertas aumentou este ano e vai haver novas expedições. Gostava de começar a criar conteúdo em inglês para um público europeu, por ter estado envolvida em várias iniciativas europeias. Gostava de estar na televisão regularmente para chegar a públicos diferentes. Já me perguntaram se eu fazia o Big Brother Famosos. Eu não sou famosa, mas eu digo sempre que sim. Não tenho desejo nenhum de ir para o Big Brother, mas eu penso que se fosse para lá usar copo menstrual, chatear toda a gente porque não se lava a louça assim e tem que se poupar água, acho que seria útil. É o programa com mais audiências do país [risos]. Se eu gostava de estar ali exposta 24 horas por dia? Epá não. Mas acho que podia chegar a mais pessoas. Não posso ter pretensões de mudar o mundo sozinha, portanto as minhas pretensões têm que ser chegar a mais uma pessoa. É usar a comunicação para alavancar estes assuntos, que eu acho que são urgentes do ponto de vista social e de justiça climática, de todas as maneiras possíveis, imaginárias, em que eu tenho coragem para me enfiar.
Esta entrevista foi realizada no âmbito da cadeira de Produção Jornalística, do curso de Ciências da Comunicação, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.