Entrevista. Karla Campos: “Ao longo destes 20 anos tivemos crises económicas mundiais que afetaram a cultura, mas nunca desisti; não dá de uma maneira, dá de outra”
Não é um ano igual aos outros para o Ageas Cool Jazz. O histórico festival de Cascais celebra um aniversário redondo. Vinte anos depois da primeira edição, em 2004, sentamo-nos com a diretora e programadora Karla Campos no atual recinto do festival, no Parque Marechal Carmona, em Cascais. Karla é a fundadora deste projeto, e a pessoa que o conduziu desde essa primeira edição até à atualidade.
É patente ao longo da conversa o amor e a dedicação que a diretora nutre pelo Ageas Cool Jazz. Propomos-lhe um mergulho na história dessa ideia inaugural, percebendo como se constituiu essa janela de oportunidade que cruzou a vida de Karla Campos com a música, com Cascais, e com as condições para tornar esta visão uma realidade de tal forma sustentável que ainda se atualiza anualmente, vinte anos depois.
Mergulhamos na forma como vê a identidade do festival, como pondera as escolhas da programação, como lê os públicos; e indagamos sobre as dificuldades de gestão com que se deparou ao longo destas décadas, superando os desafios. É um retrato que cruza o lado pessoal e profissional de Karla Campos. E que demonstra a resiliência de quem, guiada pelos seus valores e pela paixão pela música, constrói uma bonita história que envolve públicos e artistas, num formato que acredita ser diferenciador no panorama português e até internacional.
Recuemos ao início, à génese do festival, em 2004. De onde é que surgiu a ideia de começar este festival?
É com muito gosto que vos conto esta história. É um grande orgulho poder chegar aqui ao 20.º aniversário de um festival que nasce da minha vontade de querer fazer um festival diferente daquilo que já era o habitual, em Portugal e no mundo. Sempre gostei muito de música, artes plásticas… sempre tive uma relação com a arte muito próxima como apreciadora, colecionadora. A música esteve sempre bastante presente ao longo da minha vida; quando ia viajar tinha a curiosidade do destino, obviamente, mas também ia sempre ver quem é que lá estava a tocar. A música ao vivo para mim foi sempre extremamente importante.
Comecei muito cedo a trabalhar na área da comunicação e publicidade, numa altura em que se as marcas se começavam a comunicar através de eventos. E eu acabava por juntar sempre a parte da música. Houve um período muito interessante da minha vida profissional que me fez estar à frente da direção de marketing do Pavilhão Atlântico, logo a seguir à Expo 98, e naquele espaço realizavam-se vários tipos de eventos. Naquela altura, graças à minha formação de gestão de empresas e marketing, percebi que havia aqui uma oportunidade de um festival diferente do habitual, e daí nasceu o que é hoje o Ageas Cool Jazz.
“Isto foi indo ano após ano, com resiliência, com perseverança. Ao longo destes 20 anos tivemos crises económicas mundiais que afetaram a cultura, mas nunca desisti; não dá de uma maneira, dá de outra. Não vem aquele artista, vem outro.”
E qual era a sua ligação com Cascais?
Desde sempre morei em Cascais, desde miúda. A música foi sempre muito forte aqui, quer pela componente do jazz (também o Estoril Jazz nasceu aqui em Cascais), quer os concertos de rock em Cascais que havia no final dos anos 70, início dos anos 80. Era bastante miúda e insistia com a minha mãe para ir assistir a concertos; ela não me deixava vir porque tinha medo. Eu gostava de um rock assim um bocadinho agressivo, sou mais do punk e da new wave. Então a minha mãe vinha comigo para garantir que tudo corria bem, e depois percebeu que estava à vontade e passei a vir sozinha aos concertos. Mas Cascais é o berço da música em Portugal, pelo menos na minha geração, e isso acompanhou-me a minha vida toda.
Há algum momento-chave em que lhe tenha dado o click para criar o festival?
Sim. Eu frequentei o Festival de Jazz de Montreux, e é esse que me dá realmente o trigger, o que me dá a vontade de pensar, de criar um festival mais ou menos no mesmo estilo. Fui lá algumas vezes, e sentia que havia alguma ligação especial entre o público e o espaço. Eles têm um lago, nós temos o mar; mas têm espaços muito bonitos, ao ar livre, espaços fechados e claro que não têm a vantagem que nós temos aqui de ter uma temperatura amena, mais sol. E senti que podia fazer algo parecido aqui. Porque não aqui em Cascais? Fazer um festival parecido, inspirado no que eu já vi de tantos estilos de música; não restrito à música jazz. Temos jazz, mas também blues, soul, R&B, música portuguesa, música brasileira. E é assim que é o Festival de Jazz de Montreux. Também esse tem o nome de jazz, mas não é só jazz. É até bastante mais atrevido que o Ageas Cool Jazz na escolha de outros estilos de música!
Que bandas é que a apaixonavam?
New Order, Depeche Mode, Human League, Soft Cell; sei lá, tantos nomes. The Clash, Ramones. Vi tudo ao vivo, a música ao vivo sempre me fascinou bastante, porque adoro música. A música traz-nos para o presente. Hoje em dia fala-se muito nisto do viver o presente, o mindfulness, e a música traz-nos para o presente porque estamos a ver algo, alguém, uma banda ao vivo, e nada melhor do que isso para nos trazer para o presente para o convívio com amigos; ajuda-nos muito quebrar o lado mais boring que a nossa vida tem sempre. É o momento da fruição, de desfrutar, de viver; e que nos traz para a realidade de conviver, de ver o artista na sua intimidade e na sua proximidade. Podem vir todos os streamings, todos os YouTubes, e por aí fora, mas o “ao vivo” não é substituível. Somos seres humanos, e estar a ver um artista ao vivo, perceber as reações do artista, as reações das pessoas que estão à nossa volta a dançar, a forma como dançam, como se comportam, como recebem essa comunicação através da música… Isso sempre me fascinou imenso, imenso.
“Nós podemos ter ótimas ideias, mas quem manda é o mercado. Ao final do dia, se o mercado não aceitar ou não comprar a ideia, não funciona. E como eu tenho esse defeito de profissão, nunca fiz nada sem primeiro consultar o mercado para perceber se o meu projeto vai funcionar.”
Na prática, como operacionalizou a organização daquela primeira edição?
Apresentei a proposta à Câmara de Cascais na altura, e quem geria na altura era a Junta de Turismo da Costa de Estoril. Um dos objetivos desta Junta de Turismo era atrair turistas. Para isso não pode haver só um hotel, tem de haver uma praia, golf, desporto, mas também tem de haver conteúdo cultural, para que o turista, seja nacional ou internacional, usufrua do destino. A música é um conteúdo cultural e, portanto, também interessava a estas entidades ter estes conteúdos. Na altura o desafio era fazer um festival em Cascais, e tornou-se maior ainda porque o que me disseram foi “não, não é só Cascais, vais ter que fazer em Cascais, em Oeiras, em Sintra e em Mafra”.
Começou por ser dois concertos em cada lugar: dois em cada concelho. Em Cascais começou por ser dentro da Cidadela de Cascais. Em Mafra era no jardim do cerco. Em Oeiras, nos jardins do Marquês de Pombal. E em Sintra era o único lugar que não era ao ar livre, no Centro Cultural Olga Cadaval. Houve depois umas evoluções a nível de estatutos da Junta de Turismo e passaram a ser as câmaras a escolher se queriam ou não queriam a programação cultural. E aí a Câmara de Sintra não continuou, porque a estratégia deles de cultura não se alinhava com este conceito. E por outro lado eu insistia sempre muito que preferia um lugar ao ar livre, porque valorizo a relação das pessoas e dos artistas com a natureza. Para mim o cenário e o conceito passavam por isso. Durante anos o festival aconteceu nesses três concelhos: Cascais, Oeiras e Mafra.
Entretanto começamos a programar nomes um bocadinho maiores e começava a ficar difícil gerir as suscetibilidades para onde é que iam os artistas mais populares, dada a proximidade geográfica entre as câmaras. Começou a haver a disputa. “Porque é que esse artista vai para ali e não para aqui…?”, e passado uns anos o festival acabou por ficar concentrado em Cascais. Posteriormente passou a estar concentrado em Oeiras, e agora está de novo em Cascais. E isto tem a ver com estratégias que cada câmara vai tendo ao longo dos anos, que coincidem por vezes, ou quase sempre, com as eleições autárquicas. Cada vez que há eleições autárquicas há novos objetivos, novas estratégias e nem sempre estaríamos alinhados. Hoje em dia estamos em Cascais, mas se outras oportunidades surgirem… Mas é aqui que estamos e onde gosto bastante de estar, porque realmente foi aqui que tudo começou. Estamos aqui há quase 20 anos, sediados agora num hipódromo que na altura não era possível utilizar.
É um festival que sempre teve a componente de ter uma plateia sentada; um festival de cadeiras, em que as pessoas compram o seu bilhete e têm um lugar marcado. Trazemos a lógica de um espaço cultural fechado para a natureza. Criar condições para que as pessoas sintam conforto ao nível do que é uma sala de espetáculos, construída com todas as necessidades e exigências legais, trazendo isso para um jardim. Porque no verão sabe melhor estar ao ar livre a assistir a um concerto do que estar enfiado numa sala de espetáculo. Usamos o Hipódromo, o Parque Marechal Carmona e o anfiteatro.
Isto foi indo ano após ano, com resiliência, com perseverança. Ao longo destes 20 anos tivemos crises económicas mundiais que afetaram a cultura, mas nunca desisti; não dá de uma maneira, dá de outra. Não vem aquele artista, vem outro.
Vinte anos depois do início, o panorama dos festivais em Portugal está mais povoado, há cada vez mais festivais. Considera absurdo afirmar-se que pode existir uma saturação do mercado, um excesso de festivais?
O Ageas Cool Jazz é um festival completamente diferente dos outros festivais e foi esse o meu objetivo. Eu pesquisei, do ponto de vista do mercado da música, do consumidor, do espectador. Quem manda é o mercado. Nós podemos ter ótimas ideias, mas quem manda é o mercado. Ao final do dia, se o mercado não aceitar ou não comprar a ideia, não funciona. E como eu tenho esse defeito de profissão, nunca fiz nada sem primeiro consultar o mercado para perceber se o meu projeto vai funcionar. E à partida, como empresária, tenho de pensar uns anos para a frente.
Na altura, em 2004, o mundo da música já estava a mudar bastante. Ainda tínhamos CDs, já tínhamos internet, ainda não havia streaming, mas já havia muita pirataria. A nível do retorno do investimento dos artistas, já estava a começar a ser bastante complicado eles obterem retorno da música gravada. A música ao vivo é a receita garantida de um artista e da estrutura que está à sua volta. São os concertos ao vivo que hoje lhes dão a grande fonte de rendimento. Têm de gravar à mesma discos, porque são os discos novos que os põem em tours.
A proliferação de festivais não se verifica só em Portugal, é no mundo inteiro. Claro que há uns que se vão aguentando e duram muitos anos; outros que não se vão aguentando e acabam por desistir. Mas eu diria que há lugar para todos, desde que se consulte e se respeite o mercado.
“O primeiro patrocinador de todos é o público. Se não se vendem bilhetes, não se consegue trabalhar e atingir break-even, a empresa ser saudável e estar aqui há 20 anos. Não podemos fazer castelos de areia, temos de programar artistas que vendam bilhetes, que o público goste”
Existe comunicação e coordenação entre festivais para conseguir apresentar aos artistas uma proposta de circuito e facilitar a sua vinda? O Ageas Cool Jazz tem festivais com os quais se articula?
Eu, como promotora, escolho os artistas, mas há aqui um lado de touring geográfico que os agentes dos artistas têm de coordenar. Um artista não vai tocar ao Japão e depois vem para Cascais, isso não funciona. Há a intenção de ter o artista no festival, mas o artista tem de ter uma tour geográfica para que financeiramente seja viável. Se o artista estiver a desenhar uma tour que seja mais para a Europa do Sul, há mais probabilidades de vir ao Ageas Cool Jazz. Normalmente, quando vem parar a Portugal é porque o artista começa a tour aqui, ou então pode começar pela Europa do Norte e vem cá para abaixo. Isto depende muito dos objetivos do artista em termos dos mercados que eles querem atingir, das propostas que lhe chegam.
O Ageas Cool Jazz tem uma particularidade que vai de encontro às estratégias de atuais dos grandes artistas. Há artistas de grande dimensão que começam a não querer ir para os festivais de multi line-up. Na nossa lógica de programação, o nosso artista internacional é o headliner. É como se fosse um concerto individual. Esta é uma grande diferença do Ageas Cool Jazz para os outros festivais. Nós somos um festival que tem por dia três concertos, e esses concertos acontecem em sequência, não em simultâneo. Temos dois palcos: o palco Cascais Sessions by Smooth FM, e o palco principal, onde tocam a primeira parte e o artista headliner. Isto para o artista é muito importante, porque não está a ser disputado por outros artistas na mesma noite. A noite é deles. E isto para o artista é muito importante porque, com tantos concertos que eles têm que fazer, começam a escolher, também em função destes critérios. Ser um artista no meio de um cartaz de 20, 40 ou 100 nomes é diferente de aquela noite ser deles.
De que forma é que o Ageas Cool Jazz ausculta os seus públicos? E sente que a caracterização do público tem vindo a evoluir nestes 20 anos?
O target do Ageas Cool Jazz é alargado, entre os 25 e os 70 anos, dependendo da programação de cada dia. Por noite acabamos por ter outros sub targets, e a intenção é mesmo de propósito. Para os Air, por exemplo, estamos num target de 30 anos, 50 e poucos. Uma Diana Krall, se calhar, já estamos mais nos 30 e tal aos 70 anos. Temos um dia sempre muito alternativo e aí descemos mais às camadas mais jovens. Este ano é a Noite Brasileira com a Luedji Luna e a Marina Sena, ou a noite portuguesa com o Dino d’Santiago e a Maro.
Eu quero tocar todos os targets, porque todas as pessoas, tenham a idade que tiverem, valorizam estar sentados numa cadeira e num espaço com uma dinâmica mais tranquila. Essas pessoas também vão aos outros festivais; mas aqui a lógica é outra, é cool, é tranquilo, é confortável. Mesmo o bilhete em pé, mais afastado do palco e mais barato, para quem preferir! Temos concertos desde 1.500 até 10 mil espectadores; numa noite mais tranquila é possível ver um concerto sentado na relva.
Varia bastante o tipo de público e a quantidade de público que vem por dia. Mas uma Diana Krall também vai buscar públicos mais novos, porque o jazz está em alta. Os mais novos, hoje em dia, também gostam bastante de jazz. Quando o festival começou, era uma comunidade mais velha e hoje não é. É cada vez mais um público muito mais jovem. E surgiram imensas bandas, como os BadBadNotGood, Snarky Puppy, e outros tantos… que trazem imenso público, vendem bilhetes.
Há cerca de 10 anos já se começava a perceber o início do boom de turismo na região da Grande Lisboa. Que balanço faz das consequências deste fenómeno para o Ageas Cool Jazz? Os turistas estão a chegar ao festival na mesma proporção em que chegam a Lisboa?
Desde que o festival nasceu está articulado com o turismo; na altura com a Junta de Turismo da Costa do Estoril, que evoluiu para a Associação de Turismo de Lisboa e a Associação de Turismo de Cascais, que trabalham com o Turismo de Portugal. Portugal sempre foi um destino de turismo, Cascais sempre foi um destino de turismo; é, aliás, a segunda maior região de turismo em Portugal. Agora, hoje em dia, com esta quantidade de turistas que temos, e alguns deles que até já não são turistas mas sim novos residentes, claramente fomos percebendo que estamos cada vez com uma população maior de estrangeiros como clientes do festival.
Imagino que sejam muitos os fatores para escolher os artistas que programa, e pergunto-lhe se o gosto da Karla Campos é um deles? Ou se também acontece de vez em quando acabar para programar artistas cuja música não aprecie tanto…
Isto é mercado, tem de haver mercado. O lado profissional da Karla Campos e o lado pessoal é difícil de dissociar, porque está dentro da mesma pessoa. Sou apreciadora de todos os géneros de música e sou bastante eclética. Mas isto é o mercado; temos de ver se os artistas estão a vender bilhetes, é o mercado que manda. Mas, independentemente do mercado, a minha escolha recai no meu gosto pessoal; porque [mesmo dentro de um mesmo género] há soul e soul, há R&B e R&B. Claramente a minha curadoria passa por perceber como são os artistas, como estão e como tocam ao vivo. Eu sou um bocadinho de ver para querer. Vou vê-los ao vivo, quase todos, antes de os contratar.
Que festivais costuma frequentar para fazer essa auscultação?
O Festival de Montreaux, por exemplo. O South by Southwest (SXSW), em Austin; o Coachella, o Sónar, o Primavera Sound de Barcelona. E aos festivais portugueses, vou a todos, não todos os anos, mas escolho sempre um ou dois. E conheço os produtores, e trocamos opiniões, temos um diálogo aberto e saudável.
Este ano será a quinta vez que tanto o Jamie Cullum como a Diana Krall vão atuar no Ageas Cool Jazz. Que relação é esta que se estabelece com artistas específicos, que levam a que um festival ache que faça sentido trazê-los com esta regularidade?
A Diana Krall foi a primeira artista de maior dimensão que o festival contratou. Foi difícil contratar porque era um festival que tinha muito pouco tempo e a artista (ou a agente) não conhecia, e é uma artista bastante exigente no seu critério de escolha onde toca. As condições e exigências eram bastante caras. Mas era uma aposta que eu tinha de fazer porque queria efetivamente subir e posicionar o festival. A partir daí criou-se uma relação: ela gostou imenso, hoje em dia pergunta se eu ainda uso o mesmo hotel em Cascais, porque ela agora só quer vir para este hotel, porque depois quer ir andar a cavalo, quer ir comer não sei aonde… há tantas histórias! A Norah Jones foi fazer uma aula de surf. O David Byrne sai do Tour Bus, entra numa bicicleta e nesse dia só andou de bicicleta. Não queria os carros, não queria nada. Andou a fazer voltas pela ciclovia do Guincho.
Esta relação de confiança que se vai criando com os artistas, com os agentes, com todos… isto são relações puramente humanas. Não é só cumprir riders; se eu perceber que lhes posso dar até mais e melhor do que aquilo que eles me estão a pedir, no hotel, na comida, no vinho, no queijo…
Os artistas acabam por se apaixonar pelo festival, no fundo…?
Eles dão esse feedback às agências. E o público também sente que existe uma fidelidade grande por parte desses artistas que vêm cá repetidas vezes. A repetição acontece, com gosto e sucesso. Eu não podia deixar de contratar o Jamie Cullum, porque ele ao vivo é inacreditável. As suas atuações são incríveis, vai cantar para o pé do público, faz covers de outros artistas que não têm nada a ver com o jazz, como aquele da Rihanna… são experiências ao vivo que as pessoas não esquecem e que querem repetir, da mesma maneira que os concertos da Diana Krall são incríveis, e quem gosta quer ver e voltar a ver.
Num ano em que o festival faz 20 anos fazia-me todo o sentido convidá-los. Eles amaram poder vir ao ano em que o festival faz 20 anos, disseram logo com todo o gosto “claro que sim, queremos estar contigo, Karla, no ano em que fazem 20 anos queremos estar aí e celebrar com vocês”. E o público também, porque as vendas estão a correr bem. Também surpreendemos com artistas novos, da nova geração; mas gosto de mostrar aquilo que as pessoas já conhecem.
“A Norah Jones foi fazer uma aula de surf. O David Byrne sai do Tour Bus, entra numa bicicleta e nesse dia só andou de bicicleta. Não queria os carros, não queria nada. Andou a fazer voltas pela ciclovia do Guincho”
Vivemos recentemente uma pandemia, e depois uma escalada inflacionista. Li numa entrevista sua que os custos de produção estavam a subir na casa dos 30%, e que havia um esforço do Ageas Cool Jazz para impedir que o preço dos bilhetes acompanhasse essa escalada na mesma proporção. Como é que se gere a sustentabilidade de um festival neste cenário?
O primeiro patrocinador de todos é o público. Se não se vendem bilhetes, não se consegue trabalhar e atingir break-even, a empresa ser saudável e estar aqui há 20 anos. Não podemos fazer castelos de areia, temos de programar artistas que vendam bilhetes, que o público goste. Mas faz parte da estratégia escolher o preço do bilhete. Não vamos por um preço que as pessoas não possam pagar; eu sou super market oriented. Não podemos vender bilhetes ao preço que se vende noutros países, porque têm com outras economias e outras pirâmides das necessidades. Os bilhetes não aumentam na mesma proporção dos outros países, de maneira nenhuma. É uma grande dificuldade mantermo-nos à tona pelos custos de produção, impostos, e exigências legais para fazer estes festivais em recinto improvisado, que acabam por nos trazer custos acrescidos.
É aqui que também entram todas as parcerias que são possíveis fazer. E há uma simbiose muito grande. Quando fazemos um concerto, estamos a atrair público para um lugar, que vai consumir num hotel, num restaurante, numa loja. É isso que as câmaras municipais querem! Por outro lado, a música é também a arte que mais facilmente as marcas conseguem comunicar, porque tudo aquilo que me for proporcionado num espaço que eu gosto, vou levar na minha memória emocional; as marcas têm interesse em contactar com este público-alvo. Temos toda esta simbiose trade-off de equilíbrio entre todos. Mas o principal é a venda dos bilhetes. Se os bilhetes não se venderem, nada disto acontece. Se houver redução de público nos festivais, as marcas deixam de contactar.
O que destaca no cartaz deste ano do Ageas Cool Jazz?
Pela celebração dos 20 anos, ter a Diana Krall e o Jamie Cullum é muito especial. São artistas que cresceram com o festival e criaram uma relação com o público deste festival, e com Portugal graças ao festival. Por isso tinham de estar presentes neste ano.
Mas depois temos sempre a tal noite diferente, alternativa, mais arrojada, que este ano foi para a música brasileira, que é a noite da Luedji Luna e da Marina Sena, que são duas artistas mais recentes do panorama da música brasileira, a Luedji da nova geração da MPB, e a Marina Sena inspirada no baile funk, do eletrónico funk, mas misturando raízes da música do samba e da região mais norte do Brasil.
De há uns anos para cá tenho apostado numa noite de música portuguesa. É um dia muito especial com a Maro e com o Dino d’Santiago, dois artistas que nos tocam no coração, e nos alertam para questões que se passam no dia-a-dia. Já estão com uma amplitude bastante grande, nacional e internacionalmente; não foi fácil conseguir juntar a agenda dos dois, mas consegui! Vai ser uma noite muito diferente.
Os Air, que abrem o primeiro dia do festival, estiveram alguns anos sem tocar, e eram uma banda que que eu já há muitos anos queria contratar. Vêm tocar o Moon Safari, e só vão tocar esse álbum, mas o público está entusiasmado com o facto de eles virem tocar esse álbum, porque é fantástico.
E para além do palco principal?
Um palco que se tem destacado muito e que tem crescido muito é o palco Cascais Jazz Sessions by Smooth FM. Para mim fazia todo sentido ter um palco de Jazz tocado por portugueses, e temo-lo desde 2017. Ainda não está anunciado o cartaz, vamos anunciá-lo em breve, e é um ano promissor. Vai ser um palco incrível. Em parceria com a Smooth FM, temos um concurso de talentos, e o prémio dos três vencedores é vir tocar às Cascais Jazz Sessions. Por isso é que o palco agora tem este cunho da Smooth FM, que é uma parceria que voltámos a ter, que são um canal incrível para promover o festival.
Aos domingos também temos as Cascais Lazy Sundays, que é uma programação gratuita nos jardins da Casa das Histórias Paula Rego, com uma programação muito específica, de DJ sets de pessoas que não são artistas: são personalidades da música, programadores culturais, jornalistas, influenciadores, mas que têm um gosto musical que faz sentido estarem inseridos no cartaz. Dá-me um gosto incrível desafiá-los, tirá-los da zona de conforto. Faço o desafio com bastante antecedência e alguns que nunca puseram música [a passar] vão aprender. São finais de tarde muito agradáveis, e são gratuitos; há um lado de responsabilidade social que o festival tem a este nível, ter um momento que é gratuito.
Olhando para um futuro imaginado, em que nem os meios nem o mercado fossem obstáculos, o que é que ousaria sonhar para o Ageas Cool Jazz?
Gostaria de ter 31 dias de festival, passá-lo de 7 para 31 dias. Não era bom?