Entrevista. Luís Santos (IAVE): “A via de ensino profissional é ainda percecionada pela sociedade como sendo de segunda categoria”
A seguinte entrevista ao Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), aquando da realização dos exames nacionais do ano letivo 2022/2023, trata-se de uma extensão da reportagem “Dos rankings, do ensino secundário ao ensino profissional: o que falta no acesso ao ensino superior?“, publicada pela Comunidade Cultura e Arte. “Nunca nos foi encomendada uma prova de avaliação externa que fosse adequada aos alunos do ensino profissional”, afirmou Luís Santos, Presidente do Conselho Diretivo do IAVE. A acompanhar Luís Santos, encontrava-se também presente Manuel Gomes, Vogal do Conselho Diretivo.
Sabemos que o modelo de avaliação relativamente aos exames nacionais vai sofrer modificações. Os exames vão ter, apenas, um peso de 25% na conclusão do secundário e um peso de 45% para o ingresso nas universidades. De que forma acham que este modelo pode ser positivo? É ou não é positivo?
Luís Santos [LS] – Não sendo uma questão diretamente ligada à missão do IAVE, que é o organismo responsável pela elaboração dos instrumentos de avaliação externa, (exames nacionais, provas de aferição e provas finais do 9.º ano), o que é um facto é que os exames finais nacionais têm um papel muito importante no sistema de acesso ao ensino superior. Tratando-se de instrumentos de avaliação externa nacional, todos os alunos realizam a mesma prova à mesma hora. A vantagem dos exames nacionais prende-se assim com esta ideia de justiça e de equidade nas condições de acesso ao ensino superior.
As alterações feitas foram relativamente pequenas, foram apenas uns ajustamentos ao modelo atual. Em alguma extensão, o modelo considera as classificações obtidas pelos alunos nos exames nacionais, mas os exames nacionais não são tudo no acesso ao ensino superior. Continua a existir uma percentagem muito significativa alocada às classificações que os alunos obtêm no ensino secundário, portanto atribuir aos exames nacionais apenas a função de certificação e de acesso ao ensino superior é muito redutor. Os exames nacionais têm outras funções, nomeadamente as de regulação, que poderão contribuir para a autoavaliação das escolas, assim como a função de aferição do sistema educativo. São funções fundamentais desempenhadas pelos exames nacionais no atual sistema de avaliação das aprendizagens, além do acesso ao ensino superior.
Uma das questões, este ano, foram as provas digitais. Houve algumas queixas nesse sentido. Querem deixar uma opinião sobre isso?
LS – Não há dúvida que as provas digitais fazem parte de um projeto bastante ambicioso e extremamente complexo. Trata-se, desde logo, de um projeto transformador, que obriga à mudança, e a mudança nunca é fácil. A mudança do suporte papel para o suporte digital implica mudanças a nível dos procedimentos, dos hábitos e das regras de aplicação, realização e classificação das provas. É um paradigma completamente diferente, que implica uma reflexão partilhada por parte dos seus intervenientes, o IAVE, o Júri Nacional de Exames e as escolas. Na montagem e na operacionalização do projeto trabalhámos muito diretamente com as escolas, que o consideraram como sendo um projeto muito positivo.
A sua implementação trazia grandes desafios, já sabíamos. Aliás, ao longo do planeamento do projeto, fizemos um levantamento dos desafios expectáveis relacionados não só com a dimensão pedagógica — as provas em suporte digital comportam um horizonte muito mais abrangente no que diz respeito, por exemplo, à realização de itens interativos, mais apelativos para os alunos, e que permitem avaliar competências mais complexas — mas sobretudo com a dimensão tecnológica. Estes últimos são, quanto a nós, os maiores desafios desta transição digital. Verificaram-se, de facto, algumas dificuldades a este nível no início da aplicação das provas de aferição, dificuldades que se foram esbatendo ao longo do processo de aplicação destas provas.
As escolas foram-se habituando, também, aos novos procedimentos: houve, claramente, uma evolução muito positiva desde a aplicação da primeira prova, a prova de TIC, até à última prova, de Português e Estudo do Meio. Esta já deu uma imagem mais aproximada daquilo que queremos: uma prova em que os alunos trabalharam, mostraram o que sabem, sem grandes sobressaltos. O feedback que recebemos é que os alunos do 2.º ano gostaram muito de fazer estas provas digitais. Só quem não está por dentro do sistema educativo, com mais de um milhar de escolas e dezenas de milhares de professores envolvidos na aplicação das provas, poderia pensar que um projeto com esta complexidade estaria terminado logo no primeiro ano. É um projeto que está em desenvolvimento, em que vamos aprendendo com as coisas que correm menos bem.
Mas não notaram, então, lacunas no nível de desenvolvimento tecnológico das escolas? Penso que não será algo linear entre todas as escolas, o desenvolvimento a nível tecnológico não será igual.
LS – Sim, isso é um facto. Há escolas com melhores condições do que outras, mas falámos com diretores de escolas públicas e privadas, de escolas das regiões autónomas, de escolas portuguesas no estrangeiro e nenhum diretor nos disse: “Isso não é possível fazer na minha escola.” Os diretores sabiam das eventuais dificuldades inerentes à utilização da tecnologia — computadores e uma plataforma digital. Estávamos todos cientes de eventuais constrangimentos na aplicação das provas, mas também sabíamos que as escolas tinham as condições mínimas para albergar este tipo de instrumentos de avaliação.
Existem escolas públicas que têm melhores condições tecnológicas do que algumas escolas privadas e vice-versa. Conhecendo a diversidade de recursos tecnológicos entre escolas, que é muito acentuada, colocámos à sua disposição três modalidades de aplicação das provas, de modo a abarcar todas as situações: os alunos poderiam fazer as provas online, diretamente ligados à internet, ou offline, num servidor local, ou ainda utilizando o computador na sala de aula como servidor.
As escolas, optaram, maioritariamente, por fazer as provas online. Nós confiámos na decisão de cada escola. O IAVE e o Júri Nacional de Exames atuaram em conjunto com as escolas para resolver os problemas que foram surgindo.
O que é certo é que as provas digitais se encontram em processo de classificação [a entrevista foi realizada no dia 18 de junho de 2023]. Ao contrário do que se dizia, as provas de aferição foram efetivamente realizadas por uma enorme percentagem de alunos, malgrado algumas dificuldades que são naturais nestes processos complexos. Alguém muito mal informado disse, na altura, que mais de metade dos alunos não tinha feito a prova de TIC, o que não corresponde à verdade. As provas foram realizadas e estão a ser classificadas. O feedback por parte dos professores classificadores permite-nos concluir que os alunos se empenharam na realização das provas, tal como se tratasse de provas em suporte papel. Também não temos evidências de que o contexto atual que se vive nas escolas relativo às questões laborais dos professores tenha afetado demasiadamente este processo de transição.
O IAVE, como já referiu, é responsável pela conceção da avaliação em si, não é responsável pelas leis, depois, que regem e moldam essa avaliação. Mas há pouco tempo, dia 16, creio, saiu na comunicação social que, por exemplo, a nível dos exames de matemática, voltou-se a comprovar, outra vez, que alunos mais desfavorecidos voltaram a ter, mais uma vez, piores notas, ou seja, esta disparidade ainda continua a existir. Aquilo que eu pergunto, e tendo em conta quais são as funções do IAVE, é se este contexto socioeconómico também tem algum peso na forma como vocês preparam essas ferramentas de avaliação.
LS – Um dos principais preditores do desempenho dos alunos é o estatuto socioeconómico das famílias. Os estudos comprovam que alunos provenientes de famílias de contextos socioeconómicos mais elevados têm melhores desempenhos, em média, relativamente a alunos de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos. Constata-se esta situação em todos os países. O grande desafio dos ministérios da educação, por muito difícil que possa ser, é esbater as desigualdades nos desempenhos dos alunos de famílias mais desfavorecidas relativamente aos desempenhos dos alunos de famílias de contextos socioeconómicos mais elevados.
Mas esse não é o único preditor. A formação académica dos pais é também muito importante, isto é, a capacidade que têm não só de proporcionar aos seus educandos todas as oportunidades por via económica e financeira, mas também de prestar apoio aos filhos e de criarem um ambiente familiar propício à aprendizagem. A importância que as famílias dão à educação nem sempre tem a ver com a sua capacidade financeira, mas com a importância que é dada à formação superior dos seus educandos.
Sobre o modelo de acesso ao ensino superior em vigor, há quem defenda que as provas de acesso deveriam ser feitas pelas faculdades e os exames nacionais deveriam deixar de ter esse papel seletivo de ingresso na universidade. Mas, se as provas de acesso fossem asseguradas pelas universidades, seriam os alunos de contextos socioeconómicos mais elevados aqueles que teriam melhores condições para se prepararem para as provas.
O facto de termos exames nacionais no ensino secundário que avaliam as aprendizagens no final de doze anos de escolaridade torna o processo muito mais justo, mesmo para os alunos de meios socioeconómicos mais baixos, uma vez que os alunos poderão ser alvo de medidas adicionais de apoio às aprendizagens por parte das escolas, durante o seu percurso escolar.
Se os exames nacionais deixarem de ter efeitos no acesso ao ensino superior, as desigualdades entre alunos poderão aumentar, em vez de se esbaterem. Neste sentido, o papel desempenhado pelos exames nacionais no atual modelo de ingresso ao ensino superior representa um fator de equilíbrio e de equidade entre os alunos. Aos que defendem que os exames são um fator de desigualdade, porque os alunos de famílias mais favorecidas têm melhores classificações, é preciso lembrar que isto acontece em todos os aspetos do percurso educativo e não só na avaliação externa. A escola desempenha um papel fundamental ao criar condições para que todos os alunos, independentemente do seu contexto socioeconómico, tenham acesso ao ensino superior, com todo o apoio que lhes podem prestar ao longo do seu percurso académico.
Como é que, de ano a ano, o grau de dificuldade dos exames é avaliado? Como é que isso é decidido?
LS – O atual sistema de avaliação externa tem uma característica, que, se por um lado pode representar um problema, por outro lado, é benéfico para o sistema educativo. O problema prende-se com o facto de as provas serem públicas, o que obriga à construção de itens novos todos os anos. Não é uma especificidade do sistema de avaliação externa português, apesar de esta já não ser a realidade em vários países. No início do processo de construção dos instrumentos de avaliação, conhecemos o comportamento dos itens que saíram nas provas nos anos anteriores. No historial de cada item, são aplicados parâmetros psicométricos, como o grau de dificuldade e o grau de complexidade cognitiva. O grau de dificuldade diz respeito à taxa de acerto que os alunos demonstraram. A tipologia e o formato do item − de seleção ou de construção, de resposta restrita, de resposta curta, etc. — é também levado em conta na construção da nova prova, porque podemos fazer um paralelo com itens que já saíram em provas anteriores, com características semelhantes.
Conseguimos, deste modo, calibrar as provas, em termos do grau de dificuldade e do grau de complexidade. No geral, temos tido uma grande estabilidade nas médias. Isso é importante, tendo em conta a função reguladora dos exames nacionais. A aferição do sistema é, possivelmente, a principal função dos exames nacionais, além do seu papel no acesso ao ensino superior. Não sendo itens iguais entre anos, devem ter características idênticas para que se consiga prever a taxa de acerto que corresponde ao nível de dificuldade dos itens. Em janeiro, quando as provas estão num estado avançado, já é possível fazer essa previsão com alguma certeza.
Sendo provas públicas permite, a posteriori, que os professores possam explorar os itens que saíram nas provas para melhorar o desempenho dos alunos, sabendo, através da análise das provas e dos seus resultados, os aspetos do currículo que deverão ser mais trabalhados.
A vantagem de as provas serem públicas reside no facto de contribuírem para a autorregulação das estratégias didáticas dos professores e das escolas, a nível mais macro. Dificulta a calibração das provas, é verdade, mas, por outro lado, tem vantagens para a melhoria do sistema.
Manuel Gomes [MG] – Indo um pouco lá atrás, queria dizer que a aplicação das provas eletrónicas não surgiu por acaso, apesar de haver, neste momento, de facto, a possibilidade e as condições financeiras para o fazer. A verdade, no entanto, é que o IAVE tem um histórico de trabalhar provas de avaliação externa em formato eletrónico. Em 2016, por exemplo, fez-se uma aplicação piloto da prova de Matemática do 8.º ano em ambiente digital. O que é novidade no atual projeto de desmaterialização das provas de avaliação externa, financiado pelo PRR, é o propósito de generalização à totalidade das provas.
Estas provas não criaram e não irão criar grande disrupção com aquilo que é a prática nas escolas: não o poderíamos fazer, principalmente a nível da construção dos próprios instrumentos de avaliação. Todos sabemos que as escolas não têm, no desenvolvimento do seu currículo nem nas suas práticas pedagógicas, a utilização, em grande escala, das ferramentas eletróncias e dos computadores, porque algumas terão dificuldades nesses domínios. A transição entre o papel e o digital será feita de modo gradual, também a nível das características das provas e dos itens. As provas de aferição aplicadas neste ano já apresentam algumas inovações, mas, na verdade, as provas eletrónicas estão ainda “muito coladas” às provas em papel.
Gostava de dizer que o IAVE é uma instituição aprendente, também, com todas as questões que estão a ser levantadas. Algumas delas já estavam previstas por nós e pelos diferentes agentes educativos. Todos os problemas que surgirem serão alvo de reflexão por parte do IAVE e dos seus parceiros, que serão capazes de os acomodar e resolver.
Saliento, igualmente, uma questão que tem a ver com a transparência dos processos. O Luís Santos referia ainda há pouco a utilização que as escolas podem fazer dos resultados dos alunos e a forma como a avaliação externa pode influenciar positivamente o desenvolvimento do currículo e o processo de ensino e aprendizagem. Tendo em vista este objetivo, o IAVE tem vindo a divulgar, nos últimos anos, técnicas de construção dos nossos instrumentos de avaliação. Por exemplo, a plataforma Itens S.A. disponibiliza itens das provas nacionais e internacionais para que possam ser que utilizados em contexto de sala de aula. Ainda relativamente à transparência dos processos, importa referir que no âmbito das técnicas de construção dos instrumentos de avaliação, o IAVE tem ministrado inúmeras ações de formação, que envolveram milhares de professores.
Em suma, e tal como diz o Luís Santos, podemos dizer tudo o que fazemos e como o fazemos, só não podemos é mostrar as provas antes de estas serem aplicadas. Para que as provas de avaliação externa desempenhem o seu papel enquanto instrumentos de aferição do sistema, são produzidos e divulgados relatórios técnicos sobre os resultados dos alunos das provas finais do 9.º ano e dos exames finais nacionais do ensino secundário. No caso das provas de aferição, são elaborados os relatórios de cada um dos alunos, os RIPA, e os relatórios de escola, os REPA. É verdade que estes relatórios, muitas vezes, não são utilizados ou otimizados pelas escolas, com pena nossa, já que contém informação que as escolas podem utilizar para a melhoria das suas práticas pedagógicas.
Passámos por um período de pandemia, e tem-se falado muito acerca da falta de preparação dos alunos por causa dos desafios que se colocaram na altura: aulas em casa, ensino à distância, portanto, tudo isso. Não sei se o IAVE também teve em conta esse aspeto, na conceção dos exames nacionais nestes últimos anos.
LS – O IAVE também se preocupou com a questão das dificuldades que as escolas e os alunos tiveram durante a pandemia, como não podia deixar de ser. Logo em 2020, quando ocorreu o primeiro grande confinamento e os alunos passaram repentinamente de um regime de aulas presenciais para aulas a distância, cada escola organizou-se da melhor maneira possível. No geral, as escolas fizeram um trabalho excecional, especialmente os professores, que tiveram de lidar com uma situação inédita. Não há palavras que consigam descrever a capacidade que a escola teve em se reinventar, de uma sexta-feira para uma segunda-feira, para prosseguir com a sua missão. O IAVE teve, obviamente, que dar o seu contributo. Em 2020, deparámo-nos com uma situação bastante complexa porque não sabíamos como é que o currículo tinha sido desenvolvido ao longo do 2.º e do 3.º período. Foi preciso tomar decisões quanto aos exames nacionais (as provas de aferição e as provas finais foram suspensas). Optámos por introduzir algumas alterações técnicas nas provas que já estavam feitas, apresentando itens de resposta opcional e itens de resposta obrigatória.
Foi uma solução de recurso porque desconhecíamos até que ponto o currículo tinha sido desenvolvido nas escolas de todo o país. Umas tiveram condições para os alunos frequentarem aulas a distância, outras passaram por mais dificuldades a este nível. Perante esta enorme diversidade de situações, a opção técnica foi apresentar provas em que grande parte dos itens eram de resposta opcional e, dessa forma, apenas alguns contariam para a classificação final. Foi o que se pôde fazer em 2020. Foi um ano perfeitamente atípico, que não pode ser comparado nem com o passado, nem com o futuro. No confinamento de 2021, o IAVE já conseguiu lidar melhor com os efeitos provocados pela instabilidade e pelo contexto de incerteza que continuámos a viver. A opção foi continuar a construir provas com alguns itens obrigatórios, considerados fundamentais os alunos responderem, e um conjunto de itens que não contribuíam − todos, obrigatoriamente − para a classificação final da prova. Os itens obrigatórios representam muito bem aquilo que é expectável os alunos aprenderem nas várias disciplinas. Consideramos que este modelo permite obter resultados robustos. Permite, também, que os alunos mostrem, mais do que aquilo que não sabem, aquilo que realmente sabem.
MG – O Luís já referiu esta questão fundamental e eu gostava de reforçar que os problemas não foram considerados insuperáveis pelo IAVE, que conseguiu manter o foco na equidade e na justiça que devem estar associadas aos processos de avaliação educativa, mesmo em situações muito difíceis, como as que se viveram durante pandemia. Reconhecemos a resiliência e o esforço de todos os agentes educativos: do Ministério da Educação, das escolas e dos professores, em particular, que foram heróis, a par dos encarregados de educação, por não terem deixado cair o processo de ensino-aprendizagem.
Durante esta entrevista foi focado, diversas vezes, que os exames nacionais podem ser uma garantia normalizadora do acesso dos alunos, independentemente dos seus rendimentos ou classe social, no entanto, não sei se têm também uma palavra a dizer ou se quererão dizer algo acerca dos rankings que saem todos os anos na imprensa e que colocam sempre as escolas privadas em primeiro lugar e só depois as escolas públicas, e que também têm os resultados dos exames como uma forma de fazer esse ranking.
LS – Por considerarmos que os processos relativos à avaliação externa devem ser desenvolvidos numa ótica de transparência e porque dar feedback da avaliação pode ter claras vantagens para a melhoria das aprendizagens, torna-se fundamental que os resultados sejam divulgados amplamente. A comunicação social, a opinião pública, em geral, tem todo o direito em conhecer os números, digamos assim. Como calcula, avaliarem-se escolas através de um ranking que recorre apenas a valores absolutos de classificações de exames nacionais é um exercício muito simplista e redutor perante a diversidade dos contextos culturais e socioeconómicos das comunidades educativas e a complexidade do sistema educativo.
Os indicadores desenvolvidos pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência são muito mais robustos, uma vez que contemplam o contexto socioeconómico de cada escola, de forma a comparar, apenas, as escolas que são comparáveis. Como é óbvio, é difícil comparar um colégio de topo com uma escola localizada num bairro de um nível socioeconómico muito baixo. Temos que ter esse cuidado quando fazemos a análise dos rankings e tecemos conclusões sobre a qualidade do ensino dos estabelecimentos de ensino.
Um ranking que apenas utiliza as classificações de exames não nos está a indicar a melhor escola, está a indicar-nos a escola que tem melhores classificações nos exames. Agora, dizer-se que isso é ser a melhor escola é muito redutor, porque existem escolas, tão boas ou melhores, que conseguem recuperar as aprendizagens de alunos que começaram de patamares muito mais baixos, com situações muito mais difíceis e mais complexas. Essas escolas aplicaram medidas didático-pedagógicas eficazes e de grande qualidade, propícias à melhoria das aprendizagens dos seus alunos.
Concordo, portanto, com a divulgação pública dos dados da avaliação externa. O IAVE é provavelmente a entidade da área educativa mais escrutinada por todos. Aprendemos muito com as críticas que nos fazem, mas é um trabalho muito visível. Os jornais têm de fazer uma análise mais contextualizada do desempenho das escolas – e têm feito isso, cada vez mais – e não uma análise baseada exclusivamente em valores de classificação de exames.
Aqui também há outro fator, mas não é propriamente da vossa responsabilidade, mas posso deixar aqui o aparte, que é a questão da inflação das notas dos colégios privadas. Mas ainda sobre este tema, também cabe ao IAVE tirar ilações sobre estes resultados?
LS – Somos os primeiros a analisar os resultados das provas de avaliação externa e a incorporar as conclusões desta análise aquando da construção nas novas provas, sempre no sentido de melhorar aspetos que não estão a funcionar tão bem, por exemplo, aspetos que possam pôr em causa a validade dos itens, isto é, itens que não estão a medir o que queremos medir. O IAVE inicia o trabalho de elaboração das provas assim que o Júri Nacional de Exames disponibiliza a base de dados dos resultados das provas finais do 9.º ano e dos exames nacionais da 1ª fase.
Relativamente ao ensino profissional e também ao acesso das pessoas que recorrem ao ensino profissional, e depois vão para o ensino superior, não sei se também gostaria de alegar alguma coisa sobre isto. Porque ainda há uma perceção na sociedade muito negativa acerca do ensino profissional e também me tenho apercebido disso com a realização desta reportagem.
LS – Concordo plenamente. A via de ensino profissional é ainda percecionada pela sociedade como sendo de segunda categoria. A mentalidade vigente é que os cursos profissionais se destinam prioritariamente a alunos que não conseguem ter sucesso nos cursos científico-humanísticos. É uma mentalidade instalada há já muitos anos, desde a diferenciação, no antigo regime, entre liceus, escolas industriais e escolas comerciais. Ainda não se saiu desse paradigma, ou seja, ainda não se entendeu que há alunos cujas aptidões são muito mais práticas, não são tão académicas, mas que são alunos tão bons como os outros, e que poderão contribuir para o desenvolvimento económico do país.
Esta mentalidade preocupa o IAVE. A verdade é que nunca nos foi encomendada uma prova de avaliação externa que fosse adequada aos alunos do ensino profissional. Os alunos do ensino profissional que queiram ingressar no ensino superior têm duas alternativas: ou frequentam cursos técnico-profissionais superiores, podendo entrar, mais tarde, em cursos de licenciatura e mestrado, sem a obrigatoriedade de realizarem exames nacionais; ou, em alternativa, candidatam-se ao ensino superior, realizando os exames nacionais, idênticos àqueles realizados pelos alunos do ensino científico-humanístico, o que não será muito adequado em termos da avaliação. A via de ensino profissional é tão importante como a via científico-humanística e Portugal já tem quase metade dos alunos na via profissional. Esta é também a visão de muitas instâncias na União Europeia, na OCDE, por exemplo. O IAVE integrou recentemente um grupo de trabalho da OCDE que visa o desenvolvimento de um estudo internacional, parecido com o PISA, com o propósito de avaliar competências dos alunos de determinados cursos profissionais.
Ainda há a questão dos alunos que gostariam de fazer exame e que têm alguma deficiência relacionada com visão ou coordenação motora mas que, cognitivamente, se encontram perfeitamente capazes de fazer o exame. Como é que o IAVE prevê nestas situações. São situações previstas? Há falhas? É necessário melhorar esse acesso, essa adaptação?
LS – O IAVE e o Júri Nacional de Exames, de acordo com as atribuições respetivas, são responsáveis pela elaboração e aplicação de provas adaptadas a determinados alunos, garantindo o acesso à avaliação externa por parte de todos os alunos, na ótica da educação inclusiva. Neste sentido, estão previstas adaptações nos instrumentos de avaliação, assim como acomodações na aplicação desses instrumentos. Os alunos poderão necessitar de mais tempo para realizar a prova ou terem um intérprete de língua gestual portuguesa no caso de alunos com surdez. O IAVE disponibiliza anualmente a prova de Português Língua Segunda destinada a estes alunos. É, digamos assim, a “prova rainha” no conjunto das provas adaptadas, porque é a única prova feita de raiz para alunos com determinadas características, neste caso, pessoas com surdez severa a profunda.
O IAVE tem assegurado também provas adaptadas a alunos cegos ou com baixa visão. Estas provas podem ser ampliadas ou transcritas para braille. Contemplam, igualmente,a utilização de software de leitura de texto. As adaptações são mais profundas nas provas destinadas a alunos com incapacidade motora severa que os impede de escrever. Para estes casos, os alunos utilizam software muito específico para responder aos itens e dispõem de tempo adicional. O IAVE trata estes casos de uma forma casuística. Os nossos colaboradores deslocam-se às escolas, quando é necessário, para compreenderem quais são as necessidades desses alunos. É claramente uma das áreas de enorme investimento por parte do IAVE, em parceria com o JNE, quer em termos de tempo de trabalho quer em termos de recursos humanos envolvidos.
A principal intenção do trabalho do IAVE é que a avaliação externa, pelo importante papel que desempenha no sistema educativo, seja planeada e desenvolvida nos seus vários processos de modo a abarcar todos os alunos. É um direito de cada aluno, que tem de ser assegurado com a maior qualidade, equidade e justiça por parte dos organismos que têm responsabilidade na área.