Entrevista. Madalena Palmeirim e o conforto no encontro
Madalena Palmeirim é cantautora e multi-instrumentista e irá subir ao palco do Teatro São Luiz no sábado, dia 7 de novembro, para apresentar Right as rain, o disco de estreia em nome próprio. Pelo caminho, tem colaborado com uma imensidão de pessoas, em diversos projectos e em diferentes fases do seu percurso. Right as rain, o álbum, conta com a colaboração das muitas pessoas com quem se tem cruzado, numa multitude de estilos cantados em vários idiomas.
Falámos com Madalena Palmeirim sobre este disco, sobre o que teremos pela frente e sobre o que se passou desde o lançamento de Right as rain há sensivelmente um ano.
Cresceste no mundo muito colaborativo, começaste logo com o teu irmão (Bernardo Palmeirim), tiveste várias colaborações com várias pessoas. A Madalena Palmeirim é um mundo de pessoas?
Sim, eu acho que tenho esta natureza, o seio familiar é algo que te estrutura e que te forma de alguma maneira. Eu cresci em casa com muita gente, de porta aberta. Acho que isso também me veio definir na maneira como depois trabalho. O meu trabalho a solo é essa grande constelação de pessoas à minha volta, amigos, família, que decidi trazer para perto de mim num acto mais de celebração, mais festivo, para um processo que é muito solitário que é compor canções, pré-produzir, ir para estúdio, etc. Sei que estava a precisar também de um olhar mais fresco sobre o meu trabalho. Eu gosto desse lado quando os outros nos ajudam a encontrar aspectos diferentes que se calhar, à partida, não iria olhar sozinha, mas com os outros é mais fácil chegar a diferentes sítios, ser surpreendida e isso é bom pra mim.
Na apresentação ao concerto no site do Teatro São Luiz, a primeira frase é “não é sozinha é que se faz uma casa feliz”. Não sei se faz parte de alguma letra ou de algum projeto…
Não, mas tem que ver com a primeira pergunta e com o facto de precisar de ter esse movimento à minha volta. Sempre tive esta característica de não estar muito tempo parada no mesmo sítio, sou muito paciente e calma, mas desde cedo tenho esta necessidade de rodopiar. A minha mãe gozava comigo a dizer que nunca parava em casa, porque estava sempre a procura de novos entretenimentos e de companhia. Tem mesmo que ver com essa natureza e com o que eu acho que é um bem-estar na minha vida no trabalho.
O disco Right as rain já foi lançado há 11 meses…
Sim, lançámos no final de dezembro de 2019. Ainda chegámos a tocar ao vivo, estávamos a preparar a festa de lançamento no São Luiz em Abril, mas infelizmente, com tudo o que se passou, tudo foi obviamente adiado. Tem sido um trabalho feito de uma maneira bastante diferente, inesperada, porque estivemos a trabalhar a partir de casa, tudo o que podíamos fazer em directos, festivais on-line, até isso se tornar um peso. Foi bom e importante nos primeiros meses de quarentena, para não ficarmos totalmente isolados e fechados, e sentir que o trabalho podia continuar a existir. Com a equipa que trabalha comigo tive essa sorte de não me sentir sozinha, mas foram uns meses duros em que te dás conta que estás a dar trabalho gratuito. Desde a parte técnica até à concretização estava a tornar-se um pouco pesado. Foi aí que eu decidi fazer o projecto “No jardim com”, para começar a desconfinar e numa maneira de trazer o encontro humano para perto de mim. Sobretudo ter uma equipa técnica ao meu lado. É um dos aspectos que é facilmente esquecido, na altura tinha havido a manifestação e foi também uma maneira de sublinhar essa importância de se trabalhar com uma equipa técnica sem a qual nada acontece.
Na altura foi quase um placebo para nos esquecermos do confinamento…
Fez sentido durante algum tempo, mas eram tiros nos nossos próprios pés. Estava a ser um retrocesso naquilo que é profissão de um músico. E na forma como o trabalho deve ser valorizado.
Estive a ouvir o teu disco e existe uma música, de seu nome “Solidão”, que é muito curiosa e que tem a letra “Sai para a rua, solidão/ Entra para o quarto, multidão”.
Confesso que foi daquelas que de repente a letra ecoa de outra maneira. É totalmente diferente e é muito curioso como o trabalho nunca está parado, não se fixa nem cristaliza no tempo e ainda bem. Os nossos olhos vão mudando e isso é bom.
Depois de 11 meses, e como ouvinte quando ouço um álbum depois de um ano, ouço outra coisa, como é para um artista o processo de maturação do álbum? Como voltas ao álbum 11 meses depois de o teres editado?
Pensando especificamente na fase que estamos a passar, e como referiste o tema “Solidão”, as coisas vão encontrando outro lugar e outra perspectiva. Estou a pensar também na canção “Para todo o lado”, que também foi uma das que me fez mais sentido naquilo que estava a passar e a sentir. É uma letra feita de antíteses e eu durante esta quarentena senti um pouco esta bipolaridade, um grande activismo, um grande idealismo, cada dia tinha uma força diferente. Uma montanha russa, que acho que todos sentimos. Olhar para trás já me traz outras coisas que eu não imaginaria ao fechar o álbum em 2019. Mas também gosto que esse olhar se renove.
Como já referimos, durante a tua vida tiveste muitas colaborações e o próprio álbum tem muitas colaborações e também muitas sonoridades. Pegando novamente no tema “Solidão”, que tem uma toque de samba, lembrei-me de uma crónica do Gregório Duvivier em que ele diz que “um bom samba não se faz sem tristeza”. De que forma um bom álbum não se faz sem solidão também?
Sim, sobretudo num disco a solo é inevitável passar não por essa, não lhe queria chamar tormenta, mas por esse passo de isolamento, também é uma zona de crescimento, é duro essa solidão e esse processo. É um pouco tortuoso teres a certeza daquilo que estás a fazer, às vezes não consegues ter uma distância, um olhar crítico. Mas como qualquer processo, com fases de entusiasmo, quando as coisas começam a encaixar-se e outras de menos entusiasmo. Acho que é inevitável, em qualquer processo, passar por isso.
O nome do álbum é Right as rain que me faz lembrar uma música de Smashing Pumpkins que versa “And right as rain, we’re not the same”. Com o passar do tempo, não somos os mesmos, e gostava de saber para onde te diriges.
É uma boa pergunta, mas acho que um bocado espartilhada no sentido que vou continuar a fazer diferentes projectos, tenho este projecto de som, também faço sonoplastia para espectáculos, que é outro campo do som que eu gosto muito de trabalhar e eu acredito que as coisas vão se contaminando. Para mim é difícil dizer para onde vou neste projeto, porque tudo o que está à minha volta influi nesse caminho. Tenho vontade de continuar a beber mais música do mundo. Sobretudo começar a experimentar outras línguas, acho que é o meu maior foco, começar a desbravar o italiano, francês, que estão um pouco empoeirados, mas posso alargar mais o leque fonético deste jogo de som com a palavra. No fundo, vai ser sempre um enriquecimento esse nível. E esse será para já o foco.
A musicalidade das línguas?
Sim, e naturalmente também das próprias músicas. Acho que aí nunca terei um olhar afunilado de escolher um caminho ou uma categoria. Não digo que não, mas neste momento não me parece que seja por aí.
Também li que gostas de musicar poemas de outras pessoas…
Sim, também. No disco já tenho um cúmplice, que é o Pedro Faro. Há canções, por exemplo, a morna era um fado dele, que eu travesti de morna. Mas também temos o tema “Solidão” que ele fez o texto e eu fiz a música. De alguns anos para cá que tenho vindo a musicar poemas por exemplo um poema da Margarida Vale de Gato, de quem eu gosto muito, do Tiago Ribeiro Patrício, que é um amigo de longa data, e mais recentemente um exercício para o filme da Catarina Vasconcelos, “A metamorfose dos pássaros” em que musiquei um texto que ela escreveu. Esse espaço da colaboração para mim é o momento mais ligeiro. Não sei explicar a razão mas existe algum conforto nesse lugar de encontro. Também apresenta sempre desafios diferentes e obriga a sair da tua escrita, da tua forma de pensar as coisas. E esse constante desafio é o que me entusiasma.
Quais são as tuas perspectivas para o futuro da cultura neste contexto?
Quero acreditar que a cultura se vai manter aberta, na verdade é o que me faz sentir e já estive, desde que as coisas começaram a abrir, no palco e fui a espectáculos. A verdade é que me sinto muito segura numa sala de espetáculos, as pessoas estão sentadas com distância, as entradas são controladas, são espaços mais amplos. É evidente que nos vamos comportando na forma como nos sentimos bem, mas eu creio que vai manter-se dentro do limiar daquilo que é possível e saudável para a cultura. Os artistas não podem ficar muito mais tempo parados. Depois depende também de cada fase de trabalho de cada artista, depois desta festa de lançamento, que é mesmo importante fazermos para continuarmos a olhar para a frente, talvez me concentre em temas novos, noutro projeto que eu também tenho que começou nesta quarentena, as Rainhas do Autoengano. Dentro do que é possível, tentar não parar. Mas depende de cada um e acima de tudo da resistência. Acho que isto é uma maratona, uma luta feita no dia-a-dia onde ter grandes expectativas não é uma boa tática.
Sentes o público mais sôfrego?
Por um lado ainda bem, porque as pessoas se apercebem da falta que a cultura faz na vida delas, mas fiquei muito surpreendida quando voltei a trabalhar no São Luíz, em julho, e no formato que não é a coisa mais fácil, que eram leituras encenadas, ter uma adesão incrível e tem estado sempre cheio. Tem havido esse suporte do público e percebi que há uma sede muito grande de sair, de se emocionar. No outro dia fui ver ao concerto do Manuel Dordio com imagens da Joana Linda no Cinema Ideal e senti exatamente isso. Para além de os dois fazerem coisas lindíssimas, foi uma suspensão dentro desta bolha que estamos a viver e de encontro, de suspensão num mundo que tanto aterroriza.
Madalena Palmeirim actua este sábado, dia 7 de novembro, às 16 horas, no Teatro São Luiz em Lisboa – bilhetes aqui. Right as rain está disponível no Bandcamp para streaming e compra física.