Entrevista. Meta_: “Escolher a língua em que canto também escolhe a emoção e a mensagem”
Em 2018, Mariana Bragada apresentou-se perante o público português no Festival da Canção, com a sua doce canção “Mar Doce”. Desde então, a sua música passou por grandes mudanças. Sob um novo nome artístico, Meta_, a cantora e compositora transmontana pegou nas suas origens e no mundo que tem palmilhado para expandir a sua sonoridade. Honrando tradições e ciclos naturais, o seu álbum de estreia XIV – A Integração cria uma ligação espiritual à terra e aos seus antecessores, procurando encontrar curas e equilíbrio para lá daquilo que conseguimos ver.
Desde pequena que a música fez parte da vida de Mariana, que andou no coro, tocou violino e guitarra, e escreve as próprias canções desde os 15 anos. Apesar de nunca ter sonhado fazer música profissionalmente, está agora prestes a lançar o primeiro álbum. “Fuego Sagrado” e “Sangue da Mulher” foram os singles que antecederam o lançamento de XIV – A Integração, marcado já para esta sexta-feira, dia 19 de Maio. A Comunidade Cultura e Arte teve a oportunidade de falar com a artista sobre as suas inspirações, o novo projecto e as suas escolhas artísticas.
O que significa o teu nome artístico?
Meta_? Bem, escolhi este nome quando tinha, sei lá, 14 ou 15 anos [risos]. Como eu já sei que eu gosto muito de aprender e de me transformar, e para mim a música é sobre esta experiência e sobre este explorar, eu queria que englobasse algo que fosse de metamorfose. O principal é de “metamorfose”. Depois, também tem a ver com a parte de ser um prefixo que se adiciona a algo, pelo seu nome e pelo underscore, que se insere agrupando-se a outras coisas.
De que forma é que crescer em Trás-os-Montes influencia a tua sonoridade?
Influencia a minha vida toda no geral e depois também influencia a música. Mas, na verdade, acho que só quando saí e fui viver para o Porto é que me apercebi da riqueza que existe lá, porque cresço num mundo onde existe só aquele mundo e de repente apercebo-me de que há muitas coisas diferentes. Inspira-me muito, não só na Natureza e neste honrar de ciclos, quer seja no cultivo, quer seja a maneira como o meu avô e os meus pais se preparam para as estações do ano e isso tudo. Acho que sempre foi muito importante estar conectada com estes ciclos, para me conseguir conectar de volta a essa raiz, independentemente de onde eu esteja.
Como constróis as tuas músicas?
Boa questão. [risos] Tem várias formas. Tenho imensos áudios no telemóvel, só assim cenas que estou a andar, surgem-me e gravo, e às vezes depois volto a pegar e construo coisas. Outras vezes estou na guitarra e surgem melodias e palavras e começo por aí. No caso do álbum, fiz um pouco diferente. Eu fiz, em 2020, na pandemia, em casa, quatro sessões nocturnas de improviso com a loop station, sintetizador, percussões e guitarra. E pronto, às 9 da noite, durante quatro dias, estava ali a gravar tudo o que fosse. Então depois, neste caso, a partir desses improvisos, transformei as canções.
A tua forma de cantar é, às vezes, bastante dramática e poética. De onde vem essa maneira de cantar?
[risos] Questiono-me, também. Acho que há-de ser desta parte mais ancestral e de eu realmente sentir muitas coisas. Acho que sou bastante sensível e depois não tenho outra forma de cantar senão a acabar por me expor e a ser vulnerável.
Na primeira música que lançaste [“Fuego Sagrado”] misturas três línguas, assim como ao longo do disco. O que está por detrás dessa decisão?
Neste meu percurso, até agora, a solo, tenho só mais o EP [Mónada] em português e lancei uma música, a “Running Wild Again”, em inglês. Este álbum foi muito influenciado pelas minhas viagens, tanto na Europa como na América do Sul, então eu também queria que isso estivesse integrado e presente. Achei que seria bom ter uma música que fosse quase como esse cartão de visita para o que vai acontecer e que englobasse essas três línguas, porque são línguas com que me identifico bastante. O inglês, desde pequena que cresci a ouvir músicas em inglês, no carro, a cantar e tudo… Mesmo com o espanhol, eu sou de Bragança e é muito perto, e depois na América do Sul, no Peru e no Uruguai, também falava espanhol. Mesmo ao improvisar as músicas, eu vou testando várias línguas. Então é algo que, naturalmente, eu vou sempre saltando de uma para a outra. Até porque eu acho que, para mim, escolher a língua em que canto também escolhe a emoção e a mensagem. Então eu uso mais a língua como ferramenta de expressão, que eu sinto que está mais de acordo com a emoção que eu quero transmitir.
Já falaste um pouco da tua viagem à América do Sul, mas queria saber de que forma inspirou o disco.
Isto foi em 2019, uma grande sincronia em eu ter um trabalho de sonoplastia ao vivo para teatro no Brasil e no Uruguai, que calhou exactamente nas duas semanas a seguir à semana em que uma amiga, a Ana Marta [Dias], que filmou o vídeo [da música “Fuego Sagrado”], tinha marcado um retiro no Peru. De repente, coincidiu tudo e eu decidi embarcar na viagem também. Então, nós fizemos um retiro e usei a planta medicinal ayahuasca lá no Peru, com uma tribo de xamãs, a tribo Shipibo, que era uma família. O álbum é muito inspirado nessa Natureza e no poder que essa Natureza tem, de cura. É muito focado nessa parte espiritual de cura e de realmente me aprofundar e conectar comigo. Na altura que fui, foi logo a seguir ao Festival da Canção e também tinha saído da faculdade, e então estava num momento de grande busca. Essa viagem trouxe para mim muito desta força e desta aprendizagem sobre a minha ancestralidade, sobre estes medos de ser vulnerável e de me expor e… sim, muito sobre estas emoções do que é estar vivo [risos] e como lidar com isso da melhor forma.
Como é que explicas a um céptico, que é o meu caso, a tua conexão com a espiritualidade e a ancestralidade?
Então… eu acho que, na minha visão, a ancestralidade e a espiritualidade fazem parte de toda a gente. E não é, tipo, uma cena de “sou espiritual, então eu ajo assim ou de repente tenho outra forma de viver ou de estar”. Para mim, a parte da espiritualidade surgiu mais até quando estava no secundário, como um recurso para a minha saúde mental. Nessa altura, estava a lidar muito com depressão — sempre lidei muito com depressão durante a minha vida toda e continua a ser um tema, por isso é que acho que às vezes esse sentimento mais pesado ou dramático acaba por estar presente. Mas então, eu comecei nessa busca da meditação, de medicinas naturais… pronto, queria conseguir estar um pouco melhor na presença aqui neste mundo, em mim, e foi por isso que surgiu. Eu também era céptica, antes [risos], até usar como ferramenta para mim. Mas a espiritualidade, para mim, não é mais do que simplesmente conectares-te a ti e ao mundo que te rodeia de uma forma… sei lá, do melhor possível que tu consigas e estares aberto para aprender sobre ti. A parte dessa ancestralidade, para mim, acho que tem muito a ver com esse meu propósito de estar cá e dessa conexão com a terra, com a memória… Acho que há muitas histórias e muita riqueza que nos carregamos, que às vezes focamo-nos só nesse carregar do peso, mas também trazemos muitas coisas que foram passadas por nós e que podemos trazer de volta de outra forma, que honre toda a gente.
Tendo em conta que contextualizas o disco com a tua viagem a América do Sul, há algumas questões relativas a apropriação cultural. Alguma vez consideraste isso ao fazer este disco?
Eu pensei muito sobre isso. O álbum, para mim, é o que eu aprendi nesta viagem. Não é eu a tentar imitar os cânticos que ouvi lá, não é eu a tentar vestir-me como eles se vestiam ou a fazer as mesmas práticas. Não é só a aprendizagem da tribo indígena ou da planta medicinal ou da viagem que fiz, acaba por ser o meu mundo que chega a outro mundo e como é que eu vejo isso, como é que eu sinto isso e o que é que em mim se reflecte, para eu depois conseguir trabalhar a seguir. Ou seja, não é o meu objectivo tentar apropriar-me disso. Acho que não o fiz, acho que nas músicas tem muito a ver mais com o que eu estava a sentir naquele momento e o que a medicina me trouxe como resposta e como eu processei isso. Porque a integração [referência ao nome do disco] é o nome dado ao processo depois de estares em contacto com essas plantas medicinais. Geralmente tens uma dieta que fazes antes, depois a toma e depois essa integração. Então acaba por, este álbum, ser a minha integração dessa experiência no mundo em que eu vivo e no mundo onde que eu cresci. Então… é isso, acho que não é, de todo, trazer coisas que não são minhas, mas sim ver onde é que nos encontramos.
De que forma é que incorporas a dança na tua arte e na tua música?
Olha, a primeira vez que estou a incorporar isso foi no videoclipe [“Fuego Sagrado”]. Trabalhei com a Sara [Afonso]. Eu participei num espectáculo de teatro como actriz pela primeira vez, na [peça] “Invencível Armada”, e ela estava lá como directora de movimento. Nós conectámo-nos bastante e eu achei que seria fixe criar uma coreografia com ela baseada no refrão. Então começámos a trabalhar nisso e aparece um bocadinho no final do videoclipe. E pronto, pode ser que no Primavera [Sound] dance assim um bocadinho mais. Estou mais a pensar num espectáculo não tão agarrado à loop station e as máquinas, que é como eu costumo estar no meu espectáculo a solo, mas mais nesta expansão de movimento e performance.
Como é que são os teus espectáculos ao vivo?
Pronto, antes era isso, eu e a minha loop station e uma guitarra [risos]. Agora, mesmo por causa da sonoridade do álbum, estou a mudar um bocado o set. A solo, pronto, sou eu com máquinas de efeitos de voz, a parte mais electrónica, a guitarra também e o adufe. Depois, em trio, sou eu mais só com a voz e a máquina de voz, o Manu Idhra na percussão e o Bom Beijo no baixo e na parte electrónica.
Para além do teu projecto a solo, já emprestaste a tua voz a outros artistas. O que é que essas colaborações adicionaram à tua música?
Hm… Na forma como, de repente, me tenho de colocar noutros sítios e pensar criativamente de outras formas. Por exemplo, com o álbum que saiu agora, do Minus & MrDolly, eu tenho duas músicas com ele. Nesse, por acaso foi interessante, porque daquela vez escrevemos os dois a letra e eu ia fazendo a melodia, e geralmente sou sempre eu só a escrever a letra. E então também foi giro por essa expansão e por esse outro método diferente. Depois, por exemplo, com o Xinobi também sempre me senti muito livre de experimentar as línguas e essa forma mais experimental de cantar. Para mim é bom, porque faz com que eu não esteja sempre sozinha no meu mundo de produção e de criação, e faz-me expandir bastante mais.