Entrevista. Randy Feltface: “A comédia é um compromisso de tudo ou nada”
O comediante não-humano mais bem sucedido do mundo estreia-se pela primeira vez em Portugal. Randy Feltface é um boneco roxo australiano, que participa há vários anos em vários festivais de comédia pelo mundo. A meio de uma tour americana marcou uma data no Lisboa Comedy Club (dia 16 de junho), para mostrar ao público o espetáculo da sua “The Inhale, Exile Tour”. O espetáculo já se encontra esgotado. Randy Feltface contou-nos porque é que marcou uma data para Portugal, porque pensou em desistir da comédia, e ainda nos revelou algumas das suas referências na comédia: humanas e não-humanas.
Não sei se é a tua primeira vez de sempre em Portugal, pelo menos é a tua estreia em palcos portugueses. Reparei que as tuas datas são maioritariamente no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, e depois há Portugal. Como é que tomaste esta decisão de vir a Portugal?
Boa questão. É a minha primeira vez de sempre em Portugal, e também é a minha primeira vez de sempre a atuar em Lisboa. Eu vinha a Portugal de férias de qualquer forma, neste momento estou no Porto, no NOS Primavera Sound. Sempre quis fazer um espetáculo em Lisboa, atuar em Portugal era um sonho que tinha. Consegui agendar uma data para coincidir com quando estivesse cá. Tenho mais datas na Europa que vou anunciar em breve, para outubro. É de facto estranho ter atuações nos Estados Unidos da América, uma data em Lisboa, e depois mais datas nos Estados Unidos da América (risos). Mas alinhou-se tudo e é muito entusiasmante, porque é um país incrível, é mesmo bom estar aqui.
Sentimo-nos especiais.
Obrigado, acho que vocês valem a pena. E estou curioso para ver como corre, para ver o que as pessoas em Lisboa vão achar do espetáculo.
Vi o teu espetáculo “Purple Privilege” no YouTube. Falas sobre querer desistir da comédia. Comediantes como o Bo Burnham, o James Acaster, a Hannah Gadsby falaram sobre esse mesmo tema em espetáculos e em entrevistas. O que é que há na comédia que faz com que os humoristas pensem em desistir da comédia?
Acho que a comédia é um compromisso de tudo ou nada. Não podes fazê-lo sem te dedicares totalmente. Se estás a dar tudo e não recebes de volta uma resposta enérgica que te encoraja a continuar é fácil começares a pensar: “Que se foda, não quero fazer mais isto”. No caso do James Acaster — não posso falar por ele, mas pelo que li das entrevistas que ele deu na altura [depois do “Cold Lasagne Hate Myself 1999”] —, pelo que também sei da Hannah Gadsby, o que geralmente acontece é que a comédia é um daqueles trabalhos em que tens de deixar a tua vida pessoal fora do palco. Não podes deixar que ela te afete quando estás a atuar, mas também tens de usar parte da tua vida pessoal para material. Tens de falar da tua vida em palco, mas de uma forma engraçada, inspiradora, hilariante e que leve as pessoas a refletir. Às vezes, se fora do palco estão a acontecer coisas mais pesadas na tua vida pessoal, é difícil ir para palco todas as noites e dizer: “Hey, everybody!”. Quando falei com comediantes que estavam a pensar em desistir, percebi que é menos sobre como a comédia está a correr e mais sobre o que se está a passar fora do palco. Faz sentido?
Sim, claro. Mas achas que isso é específico da comédia ou há outras artes em que também acontece? Estavas a dizer que os comediantes têm de se comprometer totalmente e têm de usar assuntos pessoais, mas acho que alguns músicos, por exemplo, também o fazem e esforçam-se para fazer isso.
Concordo totalmente, ontem vi Nick Cave & The Bad Seeds. Foi uma performance incrível e intensa. Foi espetacular como sempre. Mas ele não tem de estar uma hora a fazer o público rir. Ele pode pegar em qualquer perturbação interior que tenha e deixá-la sair completamente em palco de forma crua… melancólica…com raiva. Um comediante ainda tem de fazer as piadas.
Um músico tem mais liberdade para expressar diferentes emoções?
Acho que um comediante pode expressar uma enorme variedade de emoções. Podes estar zangado, podes comover o público. Mas no final de contas as pessoas estão lá para se rir e tu estás lá para as fazer rir. Tens de colocar as tuas merdas de lado e tornar a experiência agradável. É o teu trabalho fazer com que a atmosfera do espetáculo permita o público rir. Ser alguém depressivo, irritado e descontente só te leva até certo ponto, as piadas ainda têm de ser muito engraçadas. Acho que é um trabalho que te pode consumir, mas ainda acho que é o melhor emprego do planeta. Subo a palco, conto piadas, viajo pelo mundo, posso atuar em países como este. Quando tive momentos na minha carreira em que queria desistir foi muito mais um reflexo do que estava a acontecer na minha vida pessoal fora de palco. Porque se levares as tuas merdas para palco, os espetáculos são maus. A não ser que o público seja simplesmente um grupo de idiotas, os maus espetáculos que fiz foram sempre quando levei uma atitude de merda para palco. Já fiz vários espetáculos seguidos com um má atitude, em que não foi suficientemente agradável para o público, o que me levou a pensar: “Porque é que estou a fazer isto?” Mas não tem sido esse o caso durante muito tempo.
Quais é que são os teus comediantes não-humanos favoritos?
A Nina Conti é a minha favorita, é uma ventríloqua incrível, tem uma personagem chamada Monkey que me faz rir imenso. Adoro-a, podem ver o trabalho dela no instagram. O Monkey é um dos bonecos mais engraçados no mundo. Há um que se chama Toiley T Paper. É um rolo de papel higiénico, tem muitos seguidores no tik tok, ele tem muita graça. E há espetáculos como o “Puppet Up!”, da “The Jim Henson Company”, que é um espetáculo de improviso. E “Os Marretas”, tudo o que eles já fizeram.
E comediantes humanos?
A Maria Bamford, adoro o trabalho dela. Quem é que tenho visto recentemente? Gosto muito do Rory Scovel. Adoro a Ayo Edebiri. É uma comediante americana, faz-me rir muito. Há um comediante chamado Rhys Nicholson, que acabou de ganhar o prémio de melhor espetáculo no Melbourne International Comedy Festival. Ele é brilhante. Adoro o James Acaster. Há tantos, sou um grande fã de comédia. Tenho muitos amigos comediantes e adoro ver comédia.
Como é a comédia na Austrália? Parece-me ser um grande centro para explorar criativamente a comédia.
Há uma grande comunidade de comediantes na Austrália. Melbourne e Sydney são provavelmente os dois maiores pontos, mas há muitos comediantes que vêm de Adelaide, Perth e Brisbane. O Melbourne International Comedy Festival é um grande festival todos os anos. As pessoas viajam de toda a Austrália e de todo o mundo para atuar. Há muitos teatros, muitos sítios para testar material. É incrível, há excelentes comediantes, posso dar-te uma lista de 500 comediantes da Austrália que acho que devias ir conhecer neste momento.
Tu vais a noites de comédia testar piadas?
Sim.
Como é que fazes isso logisticamente?
Tenho o meu cenário sempre comigo. Porque de outra forma estragava a magia.
O Bo Burnham fala um pouco dessas dificuldades. Ele diz que não fazia muito sentido para ele atuar em bares e comedy clubs, se vai filmar as mesmas piadas num teatro, com luzes, cores e sons. No “Purple Privilege” tu usas bastante bem o sons, as luzes e todas essas dinâmicas. É uma das tuas dificuldades quandos estás a tentar construir um novo espetáculo?
Às vezes. Gosto muito dos espetáculos que faço em festivais, em grandes teatros, que têm músicas, luzes e esse tipo de coisas, mas também gosto muito de ter um espetáculo de uma hora que posso fazer em qualquer espaço, a qualquer altura, sem precisar de mais do que algo onde me possa esconder. Portanto acabo por ter sempre dois espetáculos prontos para fazer a qualquer momento.
No “Purple Privilege”, quando falas sobre pensar em desistir da comédia é na sequência de espetáculos que não correram bem em Nova Iorque. Como é que te sentes em relação aos espetáculos após o de Lisboa, que vais fazer pelos Estados Unidos da América?
Muito entusiasmado, tenho atuado no Estados Unidos da América desde março. Adoro o público americano, são muito abertos, estão prontos para rir. Até agora tem sido muito bom. Nova Iorque é o único sítio onde ainda me tenho de vingar pelo espetáculo que fiz em 2018. Já voltei a atuar lá desde então, já lá fiz bons espetáculos, mas vou fazer quatro ou cinco datas deste novo espetáculo no próximo mês. Espero que não me odeiem e que seja muito bom. E espero que Portugal não me odeie também. Amem-me, Portugal!