Entrevista. Sara Correia: “Ser-se fadista não se escolhe. Nasce-se”

por Ana Monteiro Fernandes,    14 Abril, 2025
Entrevista. Sara Correia: “Ser-se fadista não se escolhe. Nasce-se”
Fotografia de João Portugal
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No dia 7 de março do próximo ano, Sara Correia vai actuar no MEO Arena e avisa que podemos esperar de si “um concerto de alma inteira“, além do seu orgulho em levar a música tradicional portuguesa àquela que é a nossa maior sala. Quanto a Paris, por onde a sua digressão passará dia 18 de maio no Teatro Folies Bergère, a fadista quer muito “cantar para os portugueses que estão fora do seu país para que possam sentir o Fado mais perto.” E confessa: “Gostaria muito de ter também os franceses comigo, a assistir ao concerto. No alinhamento, vou passar pelos meus álbuns, mas não queria desvendar muito mais para que sejam surpreendidos“.

“Liberdade”, o seu último álbum, foi lançado em outubro de 2023 e em outubro de 2024 foi lançada uma reedição em formato CD duplo e digital com o nome “+Liberdade”. Espera-se que no último trimestre deste ano a fadista edite o seu próximo álbum e revela que se sente “cada vez mais madura e com mais coisas para dizer. Cada álbum é uma história diferente de mim, é um passado misturado com presente e com olhos no futuro.” Em entrevista à Comunidade Cultura e Arte (CCA) esclarece que “ser-se fadista não se escolhe. Nasce-se.

Em março de 2026, vais atuar pela primeira vez, em nome próprio, no MEO Arena. O que podemos esperar e como sentes esta estreia?

Sinto-me imensamente feliz por cantar na maior sala do país. Ainda para mais, sendo fadista, deixa-me ainda mais orgulhosa ter a oportunidade de levar a música tradicional portuguesa ao MEO Arena. É uma grande responsabilidade, mas também um orgulho enorme poder representar o Fado e, de certa forma, Portugal. Uma coisa é certa, podem esperar de mim um concerto de alma inteira.

A tua nova digressão vai passar por Paris, uma cidade que tem uma larga presença portuguesa emigrante. Como estás a preparar o espetáculo? E o que podemos esperar mais desta nova digressão?

Primeiro, cantar em Paris, numa sala como esta, no teatro Folies Bergère, é super gratificante. Quero muito cantar para os portugueses que estão fora do seu país para que possam sentir o Fado mais perto. Gostaria muito de ter também os franceses comigo, a assistir ao concerto. No alinhamento, vou passar pelos meus álbuns, mas não queria desvendar muito mais para que sejam surpreendidos.

Podes levantar um pouco o véu sobre o novo álbum que se espera que seja editado no último trimestre deste ano?

Não queria muito levantar o véu, mas posso garantir que me sinto cada vez mais madura e com mais coisas para dizer. Cada álbum é uma história diferente de mim, é um passado misturado com presente e com olhos no futuro.

Tiveste a tua maior digressão no ano passado, com mais de 80 concertos. Que balanço final fazes da digressão com quatro datas esgotadas nos coliseus do Porto e de Lisboa?

Foi inesquecível, foi um ano mágico de muito trabalho e dedicação mas também com um retorno incrível do público: ter quatro salas esgotadas nos coliseus é fascinante! Agradeço ao meu público, pois só canto porque alguém recebe a minha mensagem, porque alguém sente o que digo. Acho que é isso que significa ter salas esgotadas. Seguimos para mais um ano onde espero por todos!

Lançaste um tema com os Calema, “Respirar”. Como foi a experiência desta colaboração?

Eles são maravilhosos. Foi incrível estar em estúdio com eles e gravarmos esta música. Torna-se mais fácil quando estamos realmente juntos e quando acreditamos em algo. Amo esta música e a mensagem que passa.

No Fado coloca-se sempre esta questão, o facto de ser necessária maturidade, ser necessária vida, experiência para cantar o Fado. No entanto, o Fado sempre fez parte de ti. A minha pergunta é a seguinte: achas que consegues cantar o Fado com mais emoção, mais calejo, com um outro entendimento daquilo que o Fado é, quando olhas para trás, para todo o teu percurso com mais maturidade?

Sim! É exatamente isso. As palavras começam a ter mais peso, mais impacto em nós. As nossas histórias de vida começam a ser vistas de outra forma e sentimos mais, ou sentimos menos. Sabemos, no entanto, que alguma coisa muda com a idade. Sou a mesma pessoa lá de trás mas sou mais mulher, o que significa que sei, mais do que nunca, o que quero, e isso reflete-se na minha música, no meu Fado. Sou o que canto.

No podcast da Carolina Deslandes disseste que não te atreves a escrever porque tens muito respeito pela língua portuguesa. Mas não gostavas mesmo de experimentar?

Olho sempre para o Frank Sinatra: não compunha, mas fazia as músicas tornarem-se dele, à sua medida. Como ele, há tantos outros. A Carolina tem o poder de me rasgar a alma e de me conhecer de fora para dentro e de dentro para fora, por isso vai ser sempre uma compositora especial para mim. Não conheço ninguém com estas capacidades. Não digo que nunca vou escrever. Quem sabe, um dia.

O que mais te preocupa na hora de perceber se vais ou não interpretar determinado tema?

Não me preocupo com nada! Canto o que sinto e só canto o que realmente me faz sentido.
Se não, não canto. Ponto final.

Acreditas nas raízes populares do Fado, como revelaste nesse podcast, acreditas que nasceu do povo que sentia o Fado como uma necessidade de expressão? Achas que as novas gerações de fadistas têm conseguido trazer o Fado para o lado popular do nosso tempo? Ou seja, têm conseguido fazer com que o Fado ainda faça sentido, hoje, como forma de expressão popular contemporânea? O que torna para ti o Fado intemporal?

Sim, acredito que nasceu de uma necessidade de expressão. O Fado é, de tal forma, sentido e intenso que tinha de ter uma linguagem própria. Vivemos tempos diferentes, vivemos coisas diferentes, histórias diferentes, formas de vestir diferentes, tudo mudou, mas o Fado não muda, é um facto. É realmente intemporal na sua essência, mas é como se, atualmente, se vestisse com novas peles, como se pudesse ter mutações. Mas o Fado tradicional, esse, nunca mexe. Seremos menos fadistas por isso? Porque sinto-me fadista de uma ponta à outra, como se tivesse tido outras vidas dentro do Fado. Não consigo explicar este sentimento, sinto-o. Acho que ser-se fadista não se escolhe. Nasce-se.

No nosso país a popularidade do Fado não foi linear, principalmente após o 25 de Abril. Houve a tal nova geração de fadistas que o trouxe de novo para a ribalta popular. Porque achas que houve esse novo ressurgimento e como olhas para a forma como os mais novos olham para o Fado? Achas que os jovens têm uma boa relação com o Fado? Gostam de o ouvir e de o afirmarem? Notas que há mais jovens a frequentarem casas de Fado, por exemplo?

Sem dúvida que sim. Se na minha altura éramos poucos, consigo imaginar antes da minha geração. O Fado tem vindo a ter um caminho excecional nesse sentido, e temos de agradecer muito aos nossos fadistas que romperam estradas para lá chegarmos. Acho que, atualmente, se perguntarmos a alguém mais jovem se conhece o Fado eles já não dizem que não, já estão mais informados. Isso deixa-me imensamente feliz. Acho que devia ser assunto nas escolas visto que é uma música tradicional portuguesa. Mas isso é um caminho ainda a percorrer, temos ainda um longo caminho a fazer em relação ao Fado e ao que ele representa no nosso país. Agora é continuar a fazer o trabalho que temos feito até aqui, com valores, verdade e com a portugalidade na voz.



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