Sílvia Cópio: “O espírito comunitário de quem faz ensino doméstico é muito forte”
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do É Apenas Fumaça, um projecto de media independente, e foi originalmente publicado em www.apenasfumaca.pt.
Ensinar os filhos em casa. É o que a lei prevê – ensinar “no domicílio do aluno”. Mas quem se encontra em regime de ensino doméstico aprende também na rua, sozinho, em grupo. Só não o faz na escola. Uma cruz num boletim de matrícula de um qualquer agrupamento escolar é suficiente. Em Portugal, é. Claro que depois é, e deve sempre ser, mais do que isso. Falamos, afinal, da educação de crianças e jovens.
Keith Haring, artista do movimento pop art americano, escrevia no seu diário, em 1986, o seguinte: “As crianças não distinguem as cores e são ainda livres de todas as complicações, ganância e ódio que lentamente lhes vão ser insinuadas ao longo da vida”.
Muitos dos defensores do ensino doméstico encaram este modo de ensinar como uma alternativa a um modelo de ensino que, acreditam, formata e impõe, castra a criatividade e coloca dificuldades a quem pensa de forma diferente, a quem tem outros interesses, a quem procura outro modo. “As aulas para nada servem”, dizia-nos, em entrevista, José Pacheco. Se isso é verdade, se a escola precisa de reforma, poderá a resposta passar por tirar de lá as crianças para as ensinar noutro lugar?
Em Portugal, o ensino doméstico (também conhecido por homeschooling) é possível, mas há muita gente que não sabe disto. Nos Estados Unidos da América, em 2013, quase dois milhões de estudantes estavam neste regime de ensino (3,4% do universo total de estudantes). É possível na Noruega, no Reino Unido e em França; ilegal na Alemanha, na Grécia e no Brasil, por exemplo.
Por cá, o movimento é tímido mas ganha força. Os dados oficiais mostram-no: no ano lectivo de 2014/2015 eram 199 os alunos a estudar fora da escola, um ano depois este número mais do que triplicava e ascendia já a 619.
Para poder ter a seu cargo estudantes em regime de ensino doméstico, é requerido, ao adulto responsável, um grau de ensino superior ao do estudante. Assim determina um despacho de 1977. A título de exemplo, uma criança que frequente o ensino primário em casa requer um responsável com o ensino secundário, do mesmo modo que uma jovem ou um jovem que frequente o ensino secundário requer um responsável com formação superior. Para dar como concluídos os ciclos de ensino, todos aqueles que se encontrem neste regime têm, ainda, que submeter-se aos mesmos exames nacionais de final de ciclo que a restante população estudantil do país.
A Constituição da República Portuguesa define com clareza: “todos têm direito à educação e à cultura”, assim como “todos têm direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. Mas será que é tão fácil garantir isto quando os estudantes estão fora da alçada da escola? E será que basta querer, será que basta a tal cruzinha no boletim de matrícula? Ou será que ensino doméstico só é possível em famílias endinheiradas? Afinal, quase todos os casos com que nos deparámos na preparação deste tema apresentavam um denominador comum: um dos adultos responsáveis abdicou do emprego para poder dedicar o tempo necessário à educação das crianças e jovens por que era responsável. A grande maioria das famílias portuguesas não estará em condições de o fazer. Precisam as crianças da escola e do recreio, enquanto garante de socialização e confronto com diferentes realidades sociais?
Estas, e outras, foram dúvidas com as quais nos fomos confrontando. Acreditando serem comuns, procurámos as respostas com a Sílvia Cópio, presidente da Associação Movimento Educação Livre e mãe de três filhos que estão (ou estiveram) em regime de ensino doméstico.
À volta do ensino doméstico não há consenso, há resistência e ceticismo. Mas há também, e em sentido oposto, muitas certezas por parte de quem adota esta forma de educar filhos e filhas.
Texto e entrevista: Frederico Raposo
Preparação: Frederico Raposo e Ricardo Ribeiro
Edição de som e vídeo: Bernardo Afonso