Entrevista. Steve Kipner: “Segui o meu instinto para perceber até onde me levaria”
Aos 70 anos, conta com uma carreira de 54. Entre desempenhar as funções de vocal de apoio dos Bee Gees, integrar bandas como Steve & The Board e compor sucessos musicais como Physical de Olivia Newton-John, Hard Habit To Break dos Chicago, Genie In a Bottle de Christina Aguilera ou Breakeven dos The Script, trilhou um percurso diversificado e completo na indústria musical. Atualmente, Steve Kipner considera que está “quase reformado”, mas aceitou conversar com a Comunidade Cultura e Arte [CCA] acerca do legado que construiu e transmite a quem, como ele, pretende ser uma espécie de camaleão da sétima arte.
Nasceu em Cincinnati, no estado norte-americano do Ohio, mas mudou-se para Brisbane, na Austrália, com apenas um ano. A capital de Queensland tem uma forte componente musical, com uma História consolidada por artistas como os Bee Gees, os The Go-Betweens ou os The Saints. O pai, Nat Kipner, foi um aclamado compositor conhecido por ter produzido o segundo álbum dos Bee Gees, Spicks and Specks. Assim, de que modo esta herança terá influenciado Steve Kipner a trilhar o seu percurso enquanto artista? O produtor musical não dissocia a vocação do meio em que cresceu: “Conheci os Bee Gees quando tinha 11 anos. Tínhamos idades muito semelhantes. Um dia, estávamos a andar de carro, e o Barry, o Maurice e o Robin começaram a cantar em harmonia. Nunca tinha ouvido algo assim antes e eles acabaram por me influenciar muito”, explicou.
Muitos dos artistas que têm familiares ligados à música não gostam de ser associados aos mesmos por sentirem que o seu talento não é devidamente reconhecido. Quase como se o seu trabalho fosse algo herdado geneticamente. “O meu pai sempre me apoiou e faço o mesmo com o meu filho Harrison, que já produziu canções como Hey Porsche do Nelly. Pertencemos a três gerações diferentes mas conseguimos criar êxitos. Por exemplo, o meu pai escreveu a Too Much, Too Little, Too Late para o Johnny Mathis e a Deniece Williams, música que chegou ao primeiro lugar das tabelas pop, R&B e de música contemporânea da Billboard Hot 100”, no caso de Kipner, as conexões familiares são encaradas de modo positivo.
Aos 16 anos, como vocalista dos Steve & The Board, lançou o primeiro single Giggle Eyed Goo que alcançou um sucesso considerável na Austrália. Como terá sido iniciar-se na indústria musical numa tenra idade? “Nunca pensei muito acerca de fazer parte deste universo” começou por confessar o multi-platinado compositor, acrescentando: “Era um miúdo e fui sortudo ao ponto de ter amigos que também queriam formar uma banda. Foi divertido e, à época, não pensava no futuro nem naquilo que aconteceria de seguida. Estava com pessoas que queriam fazer o mesmo que eu”.
Porém, a banda desintegrou-se no início de 1967. No ano seguinte, formou uma dupla com Steve Groves [guitarrista de Jazz e Blues]. Mudaram-se para o Reino Unido pouco tempo depois e, com Robert Stigwood [produtor musical em filmes como Saturday Night Fever ou Grease] e Maurice Gibb como produtores, sob o nome Tin Tin, obtiveram êxito internacional com Toast and Marmalade for Tea. Em 1969, John Vallins juntou-se ao grupo e abriram os concertos dos Bee Gees nos EUA. O início da atividade musical de Kipner coincidiu com movimentos culturais como a Invasão Britânica e a contracultura. A CCA quis entender de que forma a obra que criou foi influenciada por estes acontecimentos e a resposta foi assertiva: “Marcaram-me profundamente. Quando decidi sair da Austrália, o meu destino não poderia ser outro senão Inglaterra”, confirmou.
Em agosto de 1969, juntou-se a Steve Groves, Maurice Gibb e Billy Lawrey e gravaram a canção Have You Heard The Word. Gibb personificou John Lennon e a música acabou por ser associada aos The Beatles. Como terá Kipner reagido a esta curiosidade sendo que, aos 14 anos, decidira que queria ser como eles após vê-los ao vivo, em Brisbane? “Aquilo que aconteceu foi o seguinte: eu e o Steve [Groves] estávamos em estúdio a gravar uma música para a nossa banda [Tin Tin] quando o Maurice Gibb e o cunhado dele, Billy Lawrey, apareceram com uma garrafa de uísque escocês. Ficámos demasiado bêbedos para continuar a trabalhar, mas ainda tínhamos uma hora de aluguer disponível. Por isso, decidimos cantar a canção, mas imitando os The Beatles por brincadeira” recordou com alguma nostalgia, rematando: “Não era suposto ninguém ouvi-la. Muitos anos depois, percebemos que estava presente em cerca de seis bootlegs [gravações de áudio ou vídeo habitualmente captadas num concerto] da banda! A Yoko Ono assumiu que tinha sido o John [Lennon] a compô-la e tentou registá-la, mas alguém deve ter-lhe contado que tínhamos sido nós a criar uma confusão! Não deixo de me sentir orgulhoso por estar conectado a eles, ainda que de uma forma estranha”, afirmou Kipner.
“Era somente a fase seguinte da minha vida, nunca tive um plano” declarou acerca da mudança de Londres para a Califórnia, em 1974. Lá, esteve envolvido em projetos como os Friends, os Skyband ou os Think Out Loud. De que modo as vivências e os conhecimentos adquiridos durante este período o terão moldado? “Tive a hipótese de ir a uma audição para integrar a banda Friends. Já não tinha dinheiro e ofereceram-se para me pagar o voo. Por isso, questionei-me: ‘Porque não?’. Segui o meu instinto para perceber até onde me levaria”, partilhou.
Kipner sentia-se “musicalmente limitado” antes de ter ouvido mais atentamente artistas como Stevie Wonder ou Carlos Santana, tal como é possível ler na pequena biografia disponível no seu site oficial. “Não me sentia propriamente limitado. Ouvia tanta música britânica que nunca dei uma oportunidade à norte-americana. Até que percebi aquilo que estava a perder. Posso dizer que viver nos EUA alterou as minhas atitudes ingénuas e levou a que compreendesse que escrevia músicas especificamente para bandas e isso acabava por me limitar. Havia todo um mundo por descobrir!”, transmitiu, sendo que gravou o primeiro álbum a solo, Knock The Walls Down, em Los Angeles, em 1979. Será que após cerca de treze anos de participação em projetos coletivos, sentiu necessidade de se expressar de modo mais personalizado? “Estava a escrever canções de uma forma mais individual e não sentia a necessidade de ter alguém a cantar comigo. Era livre para fazer qualquer coisa depois de ter estado em bandas, duplas e trios. Quando tive a chance de me estrear a solo, senti-me bem. Todavia, não era um sonho de longa data. Simplesmente aconteceu” contou o também compositor de músicas que integraram bandas sonoras de filmes, como Stressed Out (Close To The Edge) [St. Elmo’s Fire, 1985] ou Original Sin (Jumpin’ In) [Cocktail, 1988].
O álbum foi produzido por Jay Graydon [vencedor de dois Grammy Award] e contou com a participação de artistas prestigiados como Jeff Porcaro e Steve Lukather dos Toto. À época, Graydon estava a produzir quatro músicas para Alan Sorrenti [representante de Itália no Festival Eurovisão da Canção de 1980] e encorajou-o a participar na composição lírica das mesmas. A CCA tentou saber aquilo que Kipner sentiu ao ouvir as palavras que havia escrito serem interpretadas por outros artistas. “O Alan [Sorrenti] tornou-se enorme em Itália e o álbum estreou-se em primeiro lugar nas paradas musicais. Aí, percebi que outras pessoas podiam cantar as minhas músicas e efetivamente era possível viver disso. Pouco depois, o Miguel Bosé [cantor panamense] gravou algumas das minhas canções. O meu álbum a solo falhou totalmente, mas outros artistas fizeram covers bem-sucedidas das canções que o formavam”, esclareceu.
No início da década de 1980, conheceu o manager Roger Davies que, à época, trabalhava com o manager de Olivia Newton-John, Lee Kramer. Na altura, a carreira de Kipner já estava mais conectada à composição e tinha escrito Let’s Get Physical com o compositor Terry Shaddick. Imaginara que a letra se adaptaria a uma voz masculina como a de Rod Stewart. No entanto, acabou por ser interpretada por Newton-John. A música conseguiu estar em primeiro lugar da Billboard Hot 100 no decorrer de dez semanas. Considerará o músico que esta foi a sua grande estreia enquanto compositor? “As minhas músicas tornaram-se populares na Europa, mas não nos EUA. Escrevi uma canção sobre o lado físico do amor e não o romântico. Cantei a demo [gravação musical demonstrativa para avaliação] e senti que devia ser um homem a cantá-la” clarificou Kipner antes de acrescentar: “Conhecia a Olivia [Newton-John] e nunca idealizei que a Physical se adequaria a ela. O Lee [Kramer] conhecia um fisiculturista que havia conquistado o título de Mr. Universo. Ele achou que a música seria uma forma perfeita de promover a Olivia [Newton-John] assim como o tal rapaz. No fim, o body builder nunca esteve envolvido na música, mas foi deste modo que a música foi parar a uma voz feminina”.
Em 1984, compôs o sucesso Hard Habit To Break, para os Chicago, com John Lewis Parker. A banda adorou a música, contudo, quando estava a enfrentar uma tempestade de neve durante umas férias com a esposa, Kipner foi contactado por David Foster, produtor do álbum. Havia a necessidade de escrever mais uma estrofe e a banda estava à espera do resultado no estúdio. A esposa auxiliou-o com um dos versos. Como recordará este episódio? “Estava numa cabana de madeira, nas montanhas, a aproveitar um fim de semana na neve com a minha mulher. Não havia telemóveis, apenas os toques da campainha. Avisaram-me de que tinha um telefonema urgente, mas não permitiram que utilizasse o telefone do escritório principal. Estava a nevar muito e tivemos de conduzir até um pequeno mercado onde havia uma cabine telefónica”, desvendou Kipner antes de revelar o desfecho do episódio peculiar: “Retomei a chamada e o David [Foster] esclareceu que os Chicago tinham cortado alguns versos e precisavam de uma estrofe adicional. Respondi que trabalharia na tal estrofe assim que regressasse a Los Angeles, na segunda-feira. O David [Foster] disse: ‘Estamos no estúdio, neste momento, e precisamos da letra agora’. Sentei-me no carro, telefonei ao meu co-compositor mas só conseguimos escrever um ou dois versos. Estava bloqueado até que a minha mulher Lizzie se lembrou do verso Two people together but living alone, e a canção ficou pronta”.
“Vi muitas das minhas músicas serem gravadas por artistas ao longo dos anos 80. Nunca tentei escrever de acordo com as últimas tendências” aclarou Kipner acerca da década de 80 do séc. XX – que correspondeu à emergência da dance music e da new wave -, na qual compôs músicas como Culture Shock para Newton-John, Angel para Neil Diamond ou Bad Animals para os Heart. Como terá vivido estes anos repletos de versatilidade e fusão musicais? “Fazia aquilo que me parecia bem e os artistas apreciavam as minhas letras. Por isso, sentia-me feliz”, rematou o também autor de quatro músicas nomeadas para sete Grammy Awards.
Na década de 90, compôs canções para variados artistas como Miguel Bosé, Kylie Minogue, The Temptations ou Joe Cocker. Estilos musicais como o rock alternativo ou o grunge nasceram nessa época. À época, com trinta anos de carreira, quais seriam os grandes objetivos profissionais de Kipner? “Não tinha objetivos, apenas pensava que queria continuar a fazer aquilo que amava durante o maior período de tempo possível”, disse. Em 1997, colaborou com os compositores Dane DeViller e Sean Hosein e escreveu Invisible Man. Esta música foi interpretada pelos então recém-formados 98 Degrees, funcionando como rampa de lançamento da banda. Para além dos 98 Degrees, outros artistas iniciaram um caminho de sucesso com base nas composições de Kipner. Por exemplo, Christina Aguilera com Genie In a Bottle ou as Dream com He Loves U Not. A CCA questionou Kipner acerca do segredo para perceber quais são os artistas acertados para interpretar determinadas letras. “Instinto e sorte”, respondeu o vencedor de nove prémios da American Society of Composers, Authors and Publishers [ASCAP] através da escrita de letras como a de Live Like We’re Dying de Kris Allen.
Em 2005, Danny O’Donoghue, Mark Sheehan e Glen Power escreveram um dos seus primeiros singles, Before The Worst. Apesar de acharem que a “magia” das suas sessões musicais não se transformaria em algo mais consolidado, viu algo especial nas primeiras demos e decidiu apoiá-los na criação da banda. Como terá sido trabalhar com este leque variado de músicos desde o primeiro dia? “Adorei conhecê-los, são incríveis. Esforçam-se muito tal como eu, por isso, demo-nos muito bem”, avançou o homem que se viu confrontado não só com a vertente criativa da indústria musical mas também com a empresarial.
No espaço de cerca de onze anos, dirigiu a Phonogenic sob o selo da RCA Label Group e, simultaneamente, esteve à frente da Epic Records U.K. Como terá sido estar “do outro lado” e ter a necessidade de encarar a música não só como paixão mas também como negócio? “Nunca fui um homem de negócios, por isso, preferia trabalhar diretamente com os artistas na composição lírica” reconheceu, adicionando: “Mais tarde, a empresa expandiu-se e tive de me afastar da criatividade e focar-me nos negócios. Abandonei o meu cargo porque aquilo não era para mim”.
Está “quase reformado” e não compõe intensamente como antes. “Por vezes, após um longo período de trabalho, precisava de ter uma pausa ou tirar férias. Começava a sentir falta de compor, da música, e voltava ao trabalho” revelou numa entrevista ao site Songwriter Universe, em 2003. Assim sendo, sentirá que é capaz de se manter afastado da indústria musical? “Sou apaixonado por música, mas a minha vida é mais do que isso. Todas as pessoas têm os seus tempos áureos e eu tive os meus. Agora, chegou o tempo de outros artistas”, concluiu.