Entrevista. Zita Martins: “É necessário mais investimento na ciência, pois o desenvolvimento científico favorece a viabilidade e o crescimento económico”
Zita Martins é astrobióloga e pioneira da Astrobiologia e da Cosmoquímica como áreas de investigação em Portugal. Licenciou-se em Química pelo Instituto Superior Técnico em 2002, e doutorou-se em Astrobiologia pela Universidade de Leiden nos Países Baixos em 2007, por onde passaram Prémios Nobel como Albert Einstein, Paul Dirac e Enrico Fermi. Acabou por fazer parte do seu trabalho de doutoramento na NASA, a agência espacial norte-americana, sendo este um dos grandes marcos da sua carreira de investigação. Foi também investigadora no Imperial College em Londres, durante dez anos, e Professora Convidada na Universidade de Nice em França.
Actualmente, é Professora Associada no Departamento de Engenharia Química do Instituto Superior Técnico, onde também é vice-presidente para os assuntos internacionais. Participou em diversas missões espaciais e conta com diversas colaborações, não só com a NASA, mas também com a ESA (Agência Espacial Europeia) e com a JAXA (Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial). É também consultora do Presidente da República para as áreas do Ensino Superior, Ciência, Inovação e Transição Digital. A astrobióloga recebeu-nos no passado dia 22 de Fevereiro no Instituto Superior Técnico, instituição onde se formou e onde, actualmente, procede com a sua carreira como investigadora e, também, como docente.
A sua formação base é Química, mas doutorou-se em Astrobiologia, sendo esta a área onde consumou a sua carreira de investigação. Como é que se gerou esta transição, não de uma escala laboratorial para uma escala industrial, como muitas vezes acontece na Química, mas sim de uma escala laboratorial para uma escala espacial? O e-mail que enviou à NASA quando tinha 20 anos terá sido o início da sua descolagem, ou foram mesmo os livros e os programas do Carl Sagan que fomentaram essa transição?
Foram as duas coisas, honestamente [risos]! Foi necessário ler uma série de livros, não só do Carl Sagan, mas lá em casa costumava ter imensos livros. Aliás, quando era muito pequenina, chegou ao cúmulo de ler os livros todos e depois ter que ir para a biblioteca da minha escola ler mais livros porque aqueles que tinha em casa já estavam lidos. Para mim, foi sempre muito importante ler os livros e os filmes do Carl Sagan, nomeadamente o Contacto, que, para mim, foi um marco muito importante. Foi mesmo uma sensação de “Ele está a falar de Química, está a falar de espectroscopia, mas quero aplicar isto à área do Espaço!”. Para mim este foi um ponto de viragem fundamental. Mas, obviamente, as coisas têm que se passar para a acção para se concretizarem. E neste caso, o facto de ter escrito um e-mail para a NASA, e ter também escrito a vários investigadores, foi fundamental. Todos me disseram a mesma coisa quando lhes perguntei “Quero seguir esta área. O que é que devo fazer para trabalhar aqui na Europa?”. E todos me indicaram a mesma pessoa. A partir daí foi todo um passo natural no meu percurso profissional.
“Vivi cerca de dezasseis anos fora de Portugal e saí com o objectivo de voltar. Sabia que não havia Astrobiologia em Portugal, não havia nenhum grupo a fazer formalmente Astrobiologia no nosso país.”
Durante a sua infância, praticou ballet clássico e teve a possibilidade de enveredar por uma carreira na Escola de Dança do Conservatório Nacional quando ainda era muito jovem. Teve também uma hipótese de seguir esta carreira a nível profissional?
Eu apenas tinha professores que davam aulas no Conservatório. Quando tinha nove anos, foram falar com a minha mãe e disseram-lhe: “queremos que a sua filha vá para o Conservatório”, isto logo no 2.º ciclo do ensino básico. Nessa altura, o Conservatório ainda era onde é ali o Bairro Alto. A minha mãe achou que era demasiado nova para ir sozinha para o Bairro Alto, e também para decidir uma carreira de futuro tão jovem. Mas sim, pratiquei ballet clássico durante dez anos. Desde os meus quatro até aos meus catorze, quinze anos.
Consegue encontrar algum paralelismo entre a arte e a dança, neste caso o ballet clássico, e aquilo que faz actualmente? Ou são dois caminhos completamente opostos?
Não são. As pessoas pensam que a arte é muito diferente da ciência. O que aprendemos com a arte, neste caso com o ballet, é a utilizar o corpo como ferramenta no sentido de estar a transmitir uma mensagem. E também sentimento, o sentimento que queremos transmitir quando dançamos. Isso dá-nos presença e aprendemos como devemos estar em cima de um palco. Por exemplo, quando dou aulas, não posso estar de costas para os meus alunos [risos]. Da mesma forma que, se estiver a dançar não posso estar de costas para o público. Há essa noção. Se uma pessoa, por exemplo, for cantora, aprende a projectar a voz. São todas essas ferramentas que nós utilizamos em arte que são fundamentais para dar aulas. Há aqui outra faceta muito importante. A arte dá-nos muita criatividade a nós enquanto seres humanos. É um lado que nos faz crescer a criatividade, e nós cientistas, quando temos uma ideia, estamos a ser criativos. É muito importante quando juntamos estas duas áreas. Ou seja, um cientista que tocou um instrumento musical, ou fez dança, isso ajuda-o muito. Ajuda logo o lado de não estar stressado e de ser criativo. Portanto, as duas componentes juntam-se nesse sentido. A ciência e a arte só têm a ganhar quando andam de mãos dadas!
Sempre sentiu que os mistérios e as razões sobre as origens da vida do nosso planeta e a procura de vida noutros planetas eram dos temas mais misteriosos e desafiantes da ciência. Como pioneira da Astrobiologia em Portugal, sente que, também, tem a missão de cativar investigadores e estudantes para a sua área de investigação e, também, para trabalharem consigo?
Sim, sem sombra de dúvida. Vivi cerca de dezasseis anos fora de Portugal e saí com o objectivo de voltar. Sabia que não havia Astrobiologia em Portugal, não havia nenhum grupo a fazer formalmente Astrobiologia no nosso país. Quando estava a terminar a licenciatura em Química, aqui no Instituto Superior Técnico, disse: “quero terminar a minha formação lá fora, quero aprender com os melhores no mundo e quero trazer mais conhecimento para o nosso país”. Não tinha uma escala de tempo, nunca disse: “daqui a cinco ou dez anos vou regressar”. Mas sabia que era importante trazer este conhecimento para o nosso país. Por isso, voltei para o Técnico, comecei em Janeiro de 2018 como Professora Associada. Desde aí que me tem sido dado o privilégio de criar a minha própria unidade curricular de Astrobiologia. Realmente, somos a primeira universidade do país com esta unidade curricular. Já há outras que também estão a fazer isso, mas nós somos pioneiros. Nesse sentido tenho de agradecer muito ao Técnico porque está a permitir que mais jovens tenham contacto com a Astrobiologia.
Sempre senti a necessidade disso, mesmo quando vivi fora de Portugal. Recebia, e continuo a receber, muitos e-mails de jovens que queriam seguir esta área e não tinham a noção de quais são os passos que deviam dar. Agora, posso dizer-lhes para irem às minhas aulas e eles têm um maior contacto. As pessoas, no futuro, podem nem sequer trabalhar nesta área, mas têm a hipótese de aprenderem sobre o assunto. Por isso, sim, sinto muito a obrigação de dar de volta aquilo que aprendi. E esse é o papel fundamental de um professor, é dar de volta e ensinar as futuras gerações. Para além de cientista, sou professora e sinto muito essa vocação de dar de volta aos meus alunos, ao meu país, e à minha escola de formação.
Durante os dezasseis anos em que esteve fora de Portugal, passou pelos mais bem reputados laboratórios de investigação científica na área da Astrobiologia. Foi mais difícil ter saído de Portugal em 2002 ou ter regressado definitivamente em 2018?
Boa pergunta. Não acho que tenha sido nem um difícil nem outro, honestamente [risos]. Tinha mesmo o objectivo de sair e o começo desse meu percurso começou em Leiden, nos Países Baixos. Adorei! É uma cidade de estudantes, altamente reputada em que grandes nomes da Física passaram, como o Paul Dirac, o Albert Einstein e muitos outros. É um sítio onde se respira ciência! E depois é também uma cidade que facilmente se faz a pé ou de bicicleta. Tive, e tenho ainda, um grupo enorme de amigos ainda desses tempos! Para além da ESA estar também a meia hora de Leiden, não custou. Obviamente houve aquele quebrar do cordão umbilical, porque era a primeira vez que estava a sair de casa dos meus pais. Mas depois comecei a fazer tantas coisas de que gostei que não custou nesse sentido. Facilmente consegui criar um grande grupo de amigos.
O regressar já era algo que queria há algum tempo! Quando voltei foi uma sensação de muita alegria e muita satisfação. Muitas vezes, fazem-me aquela pergunta “Arrependeste-te de voltar?”, e digo sempre que não. Tenho sido muito bem recebida e muito bem tratada a todos os níveis. Tenho tido, também, oportunidades de crescer profissionalmente, e isso é fundamental. Tem-me sido dada a liberdade de ser criativa e de conseguir ter o meu grupo de investigação aqui no Instituto Superior Técnico, o primeiro de Astrobiologia do país. O grupo tem vários alunos, de licenciatura, mestrado e doutoramento. E temos também investigadores a nível de pós-doc, estou também a conseguir trazer alguns investigadores estrangeiros para aqui. Por isso, acho que não me custou nem uma coisa nem outra. Foram momentos decisivos, momentos marcantes na minha vida, tanto ter saído como ter voltado.
“Nós sabemos que, na altura dele [do Carl Sagan], havia colegas cientistas que não o levavam muito a sério e diziam “isso que estás para aí a fazer não é nada!”. Nós agora sabemos que não, somos altamente respeitados e temos as diversas agências espaciais, a NASA, a ESA, a JAXA do nosso lado e trabalhamos em conjunto.”
Tendo em conta os avanços recentes na Astrobiologia, com o nível de ambição que há nas missões espaciais e com toda a tecnologia que temos hoje ao dispor, acredita que seja possível encontrar formas de vida, neste caso micro-organismos, ou vestígios de vida fora do planeta Terra ainda este século? Fala-se muito em Marte, mas parece haver outros potenciais candidatos, como a lua Europa, de Júpiter, e até alguns exoplanetas [planetas fora do nosso Sistema Solar].
Acho que a pergunta está muito bem feita, porque não é sobre se é daqui a dez ou vinte anos. Aí, diria que não [risos]! Mas sim, neste século espero que sim. Não sei exactamente se será em Marte, no planeta vermelho. Agora, o foco está muito virado para as luas de Júpiter e Saturno, nomeadamente numa lua chamada Europa [Júpiter] e outra lua chamada Encélado [Saturno], porque têm as condições para a vida lá se ter desenvolvido. Gostava muito, acho que seria uma mudança de paradigma daquilo que nós sabemos e conhecemos. Neste momento, o planeta Terra é o único que conhecemos que tem vida e deixaríamos de ser o único. Isso iria mudar e acho que abriria ainda mais portas sobre mais questões. Iriamos tentar ver se era vida baseada em carbono ou se a origem da vida nesse mesmo local teria sido comum ou diferente e porquê. Mas gostava muito que isso viesse a acontecer.
Neste momento estou a presidir a uma equipa de peritos da ESA [Moons of the Giant Planets]. Já estou há dois anos e pouco, fez-se agora um relatório que será publicado muito em breve e estão muito entusiasmados com os resultados desse painel. Foi-nos mesmo pedido, do ponto de vista científico, quais os locais no Sistema Solar que devemos de ir. O planeamento que estamos a fazer é de que isso seja lançado na década de 40, que é chegar a uma dessas luas geladas depois de 2054. Se começar a fazer as contas, estarei na idade da reforma, com muita saudinha, espero [risos]! E aí voltamos também àquela questão que falámos antes, o objectivo de cativar e formar futuros cientistas. Em 2054, precisamos da geração mais nova para continuar, mas, para mim, isso seria muito interessante. Seria o culminar de toda uma carreira ao poder dizer: “vou-me reformar, mas acabámos de descobrir vida fora do planeta Terra”. Isso era brilhante! Não estou a apontar para antes de 2054 por estas razões que mencionei, mas seria extremamente interessante e excitante para a ciência e até para a sociedade.
Para além de ser astrobióloga, é, também, uma comunicadora entusiasta da Astrobiologia. Teve formação de comunicação de ciência na BBC durante o seu período em Londres. Sente que tem mais dificuldade em comunicar e levar a Astrobiologia às pessoas em comparação com outros cientistas e comunicadores de outras áreas da ciência?
Honestamente, acho que não. É muito interessante estar em determinados painéis e ver colegas de outras áreas virem ter comigo e dizerem-me: “olha que giro, estás a trabalhar numa área [Astrobiologia] que também gostava de trabalhar!”. Fazem-me sempre muitas perguntas e acho que as pessoas têm muito interesse. Aliás, a própria Astrobiologia é incrivelmente interdisciplinar. Tenho colegas e colaboradores de Astronomia, de Geologia, de Biologia, de Química, de Engenharia Aeroespacial… Torna-se muito interessante convidar as pessoas e dizer: “tenho esta ideia e preciso do teu conhecimento. Queres trabalhar neste projecto?”. E depois começamos logo a falar de futuras missões e de outros temas diversos. Também trabalho muito com empresas e torna-se interessante trabalhar com pessoas que não estão propriamente dentro da investigação em Astrobiologia. Mas, no geral, as pessoas conseguem perceber do que é que se trata, felizmente. Não há aquela ideia de que andamos à procura de homenzinhos verdes, mas sim de micro-organismos. Acho que as pessoas percebem que de facto estamos a fazer ciência.
Obviamente que é fácil cativar pessoas na Astrobiologia, porque há esta ideia de que estamos a pensar em missões espaciais e também no futuro. Na Astrobiologia, até temos a vida um pouco mais facilitada nesse aspecto, em termos de explicação. Sabemos que há ciência um pouco mais difícil de explicar e de desconstruir. Mas também temos a vida facilitada, porque outros antes de mim e de toda esta geração de astrobiólogos actuais fizeram esse trabalho de desconstruir. Novamente, voltamos ao Carl Sagan, que fez um trabalho brilhante. E nós sabemos que, na altura dele, havia colegas cientistas que não o levavam muito a sério e diziam: “isso que estás para aí a fazer não é nada!”. Nós agora sabemos que não, somos altamente respeitados e temos as diversas agências espaciais, a NASA, a ESA, a JAXA do nosso lado e trabalhamos em conjunto. Mas, obviamente, nós estamos aqui, porque houve todo um trabalho de outros colegas cientistas que nos permitiram chegar aqui. Da minha parte, estou sempre muito grata a quem faz comunicação de ciência porque permite comunicar entre pares, isto é, com outros cientistas. Mas também o objectivo final é comunicar com o público e explicar o que nós fazemos.
Acaba tem por ser um exemplo de sucesso daquilo que são as mulheres na ciência, principalmente em Portugal que é um país que serve de exemplo no que toca à igualdade de género na ciência. Na sua visão, existe algum segredo para o sucesso da investigação, em particular no feminino, num país pequeno com muito menos recursos e menos investimento na ciência do que a média dos países da União Europeia?
Estamos neste momento em 2024, o ano em que celebram os 50 anos do 25 de Abril. A razão é essa e isso é muito claro. Não precisamos de tentar reinventar a roda [risos]. Nós podemos falar com as nossas mães, com as nossas avós, e nós sabemos qual era o papel da mulher antes do 25 de Abril. Nem vale a pena falar dos nossos direitos enquanto mulheres antes disso [risos]! Mas, claro, nós temos memória e essa é a beleza de quem tem uma certa idade. Nasci depois do 25 de Abril, mas estudei a História, tenho esses conhecimentos como todo o povo português deveria ter. E basta falarmos com familiares mais velhos, nós sabemos bem o que é que se passou antes do 25 de Abril. Sabemos bem aquilo que as nossas mães e as nossas avós nos ensinaram a estudar, e também a ter um papel independente.
Há razões históricas, mas também há todo um trabalho. Tivemos um antigo ministro da ciência, o Mariano Gago, que teve esse papel em formar as novas gerações e em dar bolsas de doutoramento, tanto a homens como mulheres, obviamente. Ajudou também a colocar Portugal nos standards internacionais. Há, também, a criação do Ciência Viva, e nós sabemos que isso foi fundamental. Aliás, os últimos dados do Eurobarómetro mostram claramente que os portugueses, a nível europeu, são o povo que tem mais confiança na ciência. Nós vimos isso, durante a pandemia da COVID-19, com as vacinas. As pessoas foram quase todas vacinar-se, não foi como noutros países em que se desconfiou e se questionou se era seguro ou não. Aqui fomos! Há todo um trabalho que vem detrás, que foi feito tanto por homens como por mulheres. Mas, no caso das mulheres, sem sombra de dúvida que o grande marco foi a revolução do 25 de Abril. Estamos em altura de eleições, e, independente de em quem se vota, é importante ir votar para garantir que os direitos das mulheres e de todos sejam garantidos e não dados como adquiridos.
Para além de fazer investigação, é Professora Associada no Instituto Superior Técnico, tendo assumido em Janeiro o cargo de vice-presidente para os assuntos internacionais. Continua com colaborações em diversas missões espaciais e presidiu também, desde Janeiro deste ano, ao Solar System Exploration Working Group da ESA. É, também, consultora do Presidente da República para as áreas do Ensino Superior, Ciência, Inovação e Transição Digital. Tem sido fácil conseguir gerir todos os cargos que actualmente ocupa?
Não, é todo um enorme desafio [risos]! Voltando àquela pergunta sobre se foi mais fácil ter saído de Portugal ou voltar, isso, para mim, até foi fácil! Acho que agora tenho um desafio maior, conseguir conciliar isto tudo e continuar a ter vida pessoal e familiar. Por isso, sim, é um desafio. Felizmente, todas as pessoas com quem trabalho nestes cargos percebem o que tenho de fazer. Não posso estar 100% do tempo em tudo. Mas as pessoas percebem, por exemplo, que, quando tenho que ir para a ESA uma semana, tenho mesmo que ir para a ESA uma semana e não estarei em Portugal para certas coisas. Este cargo envolve algumas viagens, mas não estou todo o tempo a ir à ESA, porque não trabalho na ESA. No Técnico, obviamente que, neste momento, estou a dar muito menos aulas devido ao cargo da vice-presidência. Mas tudo se vai levando.
Uma das coisas que aprendi enquanto vivi fora de Portugal foi esta questão da produtividade. Percebi que se trabalhava muito menos horas, mas que, no fundo, se conseguia ser mais produtivo. Aqui, tento também aplicar um bocadinho isso. Estou aquelas horas a trabalhar e sou extremamente produtiva. Mas obviamente que os meus dias não são das nove às cinco. Nisso, as pessoas percebem que os meus dias são um pouco mais longos do que isso, e, obviamente, há alguns sacrifícios e menos tempo para outras coisas. Mas, como digo, costumo ser bastante focada e produtiva.
Sendo uma das investigadoras mais promissoras da sua geração, que perspectivas tem em relação à ciência em Portugal e no mundo nos próximos anos, tendo em conta os desafios que se fazem prever?
Os desafios é algo que já ouvimos falar há já algum tempo. Existe agora, por exemplo, os dezassete desafios do desenvolvimento sustentável. Nós sabemos que o mundo está em constante mudança e temos de dar respostas adequadas a um mundo que está cada vez mais rápido. Se fizéssemos esta pergunta há 50 anos, se calhar, o ritmo não era o mesmo. E, neste caso, temos mesmo de dar respostas e a ciência, aí, tem um papel fundamental para dar essas respostas. Acima de tudo, os cientistas têm de ser muito mais criativos. Algumas das respostas que dantes eram aplicáveis, agora são muito diferentes nas variadíssimas áreas, porque os problemas são outros. Aqui, há várias vertentes, há, por um lado, as colaborações, por exemplo. Enquanto comunidade científica, não podemos estar em caixinhas, em estanques, sem ver o que o nosso colega está a fazer e são sempre necessárias colaborações internacionais.
Por outro lado, há aqui uma questão de gestão de recursos. Os recursos não são ilimitados e não estou só a falar de Portugal, estou a falar mesmo a nível internacional. Vejo isso também na minha área, na área do Espaço. É quase impossível haver uma missão espacial feita de pessoas de uma só nação. Estamos muito habituados a colaborações internacionais, partilha de recursos e, na ciência em geral, isso tem de se aplicar, porque os recursos não são ilimitados. Por outro lado, isso leva-nos também para outra questão, a de que é necessário mais financiamento. Nós cientistas estamos sempre a repetir isto, mas é um facto. É necessário mais investimento na ciência, pois o desenvolvimento científico favorece a viabilidade e o crescimento económico. Estes são pontos absolutamente fundamentais, para além de se aumentar também o nível de educação e de conhecimento de uma sociedade. Todos queremos uma sociedade com mais conhecimento, mais educada, com um nível de escolaridade muito mais elevado.
Obviamente que teremos de aguardar neste momento. Portugal encontra-se agora este processo de votação e de eleição de um novo governo. Vamos ver o que aí vem, tento ser sempre positiva. Espero que consigamos chegar aos níveis pedidos da Europa. Nós ouvimos sempre falar dos 3% do Produto Interno Bruto no que toca ao investimento na investigação científica. Esperemos que sim, que, um dia, consigamos chegar a esses níveis. Nós sabemos que a ciência em Portugal é muitíssimo reconhecida pela sua qualidade, tanto a nível interno como externo. Os cientistas portugueses são realmente bons e não estou aqui a puxar a brasa à nossa sardinha. Precisamos é dessa parte, de mais financiamento a nível nacional, a nível europeu, e, também, com ligação a empresas. Mas realmente, e embora pareça um slogan, o que nós queremos é mais financiamento [risos]! No fundo, é isso que queremos para fazer mais e melhor ciência.