“Eu Vi Uma Flor Selvagem”: uma viagem ao herbário de Hubert Reeves
Hubert Reeves (1932-2023), astrofísico e divulgador de ciência canadiano, foi professor de cosmologia em Montreal e em Paris, tendo-se destacado em diversas obras de divulgação científica como Um Pouco Mais de Azul, O Banco do Tempo que Passa e ainda O Primeiro Segundo, todas publicadas em Portugal pela Gradiva. Na sua mais recente obra da coleção Ciência Aberta, Eu Vi Uma Flor Selvagem, Hubert Reeves troca o fato de astrofísico pelo fato de botânico, guiando-nos por um universo de flores selvagens que encontramos na sua velha quinta em Malicorne, no norte da Borgonha, um projecto da sua mulher Camille à qual o autor presta homenagem. Traduzido pela primeira vez em português (por Sara Veiga, Teresa Henriques Goulão), esta é uma obra que nos guia pelos pensamentos e pela sabedoria de um dos mais brilhantes astrofísicos do nosso tempo.
Com fotografias tiradas por Patricia Aubertin, algumas delas fora do herbário do astrofísico, o objectivo do livro é “dar a conhecer um dos domínios mais admiráveis da Natureza”, as flores selvagens dos nossos campos. Em cada capítulo é retratada uma flor, bem como as suas propriedades e histórias à medida que deambulamos pelos campos na companhia de Hubert Reeves, como se esse fosse um documentário sobre as flores que vamos observando no decorrer da caminhada. Contando histórias das origens das flores em questão, e o modo como estas cruzaram a sua, acabamos por viajar também por outros mundos para além da botânica e da biologia, como a história, a química, a física a matemática e até mesmo a poesia. Até porque o título é inspirado num célebre haiku japonês: “Vi uma flor selvagem / Quando aprendi o seu nome achei-a mais bela”.
Neste livro ficamos a conhecer em detalhe muitas das flores que nos são familiares nos nossos jardins e florestas, mas também a sua origem etimológica, propriedades e curiosidades a seu respeito. No “Florilégio”, encontramos mais de quarenta diferentes flores. Entre elas temos, por exemplo, as Anémonas-dos-Bosques que, para além de formarem um belo tapete de flores, as pétalas refletem os raios ultra-violetas que atraem insectos polinizadores. A Cenoura-Brava, que muitas vezes é confundida com a cicuta, planta da muito tóxica da qual se extraiu o veneno que matou o filósofo Sócrates quando contenado à morte. A Celidónia, erva-das-verrugas, cuja seiva pode ser tóxica e que existem mitos dos seus puderes curativos na homeopatia. E ainda as camomilas, as margaridas, os dentes de leão e as urtigas que nos são tão familiares e outras flores de enorme interesse.
Reeves não deixa também de fazer referências à actividade humana e as alterações climáticas como principais ameaças às espécies, em particular no segundo grande capítulo “Considerações Botânicas”. Como presidente honorário da Associação Humanidade e Biodiversidade da Agência Francesa para a Biodiversidade, o autor faz questão de expor as suas posições como cidadão e cientista no que toca a esta matéria. Hubert Reeves consegue ainda explicar ao leitor de uma forma bastante acessível fundamentos da evolução Darwiniana, da bioquímica, e até do seu campo de estudo, a astrofísica, que está muito mais relacionado com as questões sobre as origens da vida do que muitos julgam.
Hubert Reeves faleceu em Outubro deste ano, sendo uma das maiores perdas que a ciência teve em 2023. Deixou-nos uma visão diferente de olhar para o universo que nos rodeia e obras fantásticas que nos inspiraram tanto. Em Eu Vi Uma Flor Selvagem, Hubert Reeves mostra-nos a Natureza vista pelos olhos de um astrofísico, que é também um observador do mundo, e uma coleção de flores lindíssimas que mostram um dos lados mais belos da vida no nosso planeta. O catálogo pode ser consultado no site, onde mais de 600 fotografias das flores retratadas podem ser encontradas consoante o seu nome, cor, estação e tamanho, proporcionando ao leitor outras curiosidades sobre as mesmas.
Como astrofísico, Hubert Reeves fez com que olhássemos para o céu de maneira diferente, e que encontrássemos um pouco mais de azul. Como ser humano, conseguiu adoptar outras façanhas que o tornaram também num ser único. Neste livro, o autor mostra os seus conhecimentos de botânica que veio a adquirir com os seus passeios e observações, mantendo a sua simplicidade como ser humano, o que deixa o leitor bastante confortável à medida que percorre as páginas com os seus ensinamentos sempre acompanhados pelas belíssimas fotografias das flores retratadas. Assim, Hubert Reeves revela-nos o que de mais belo existe no universo da flora, num planeta que não é mais do que um pequeno rebento no meio de uma infindável floresta que é o universo.