‘Everybody’, de Logic, é um belo álbum que se perde em lugares-comuns
Graças ao passa-palavra típico do género ou ao mecanismo de reprodução automática presente no YouTube, podia dar-se o caso de encontrarmos Logic por acaso. Ainda que ínfima, existe sempre essa possibilidade. E apesar da sua música incorporar um (já recorrente) exercício de storytelling, não ouvirão nada – nem ninguém – semelhante.
A pegada que nos deixa nem sequer é recente: o primeiro trabalho data de 2009, sendo que o rapper de 27 anos conta hoje com 5 EP’s e 3 álbuns. É “Everybody”, lançado este mês, o pretexto para esta análise.
E porque não só de música vive um álbum, a história deste começa ainda antes da primeira melodia soar: a capa foi produzida por Sam Spratt, é inspirada no óleo do renascentista Paolo Varonese “Wedding at Cana” e nela figuram todos os intervenientes do álbum. Entre amigos, conhecidos, colaboradores e familiares, o resultado é um retrato visual carregado de simbolismo.
O álbum, também ele pauta por carregado: ou melhor, afogado. Entre as diferentes e demasiadas temáticas, a execução técnica exemplar e os refrões repetidos até à exaustão e repetidos e repetidos e repetidos.Logic, ao querer falar-nos de raça, de género, de religião, de orientação sexual e de mais uns quantos assuntos pertinentes. E perde-se, a ele e a quem o ouve, durante processo.
Na faixa que intitula o álbum, o verso “Everybody looking for the meaning of life through a cell phone screen!” serve de refrão, mas já não lemos isto noutro lado qualquer? São este tipo de aforismos, tornados verdades de La Palisse, que vão pontuando o projeto. Não são as colaborações que salvam o álbum, embora contribuam para a brisa de frescura que ajuda á digestão do mesmo. Killer Mike aparece em Confess e nem sequer rima: é dele o discurso presente no final da faixa.
Anziety com Lucy Rose e 1-800-273-8255 com Alessia Cara e Khalid abordam questões de saúde mental, ilustrando bem a nobre tentativa de despertar consciências: se é verdade que a temática tenha ganha terreno ultimamente – povoando , há palavras de reconforto, mensagens de esperança através de fórmulas ditas múltiplas vezes. Mas tudo parece tão genérico e tão plástico, não há uma âncora de realidade, de experiência pessoal a que nos possamos agarrar. Logic até vai debitando informações sobre a sua própria infância em jeito de monólogo, um pouco por todas as faixas, pese embora a demagogia barata em que tudo o que diz parece vir embrulhado.
Sejamos claros: filho de um pai afro-americano e mãe de tez branca, Logic desdobra-se não raramente em considerações acerca do dilema da birracialidade. Não sendo um fenômeno estranho aos mais altos patamares do rap – J. Cole e Drake “padecem” da mesma condição – é pouco usual fazer do tópico a principal bandeira e arma de arremesso. E apesar do franco crescimento da base de fãs do rapper de Maryland, parte considerável de quem o ouve identifica-se pouco com esse seu struggle. Tal explica parcialmente o porquê de Logic ser tratado como underdog, até no meio musical onde se insere.
Na última faixa sobrou espaço para o aparecimento de J. Cole: tímido e introspectivo, surge no seu ritmo de embalar característico, fechando o álbum em ascendente.
Porém, é essencial que não se deixem ludibriar pelo fraco desempenho do rapper no presente álbum: mesmo sendo underrated, Logic conta com uma base fiel de fãs, responsáveis pelo esgotar de todas as datas da sua última tour.
Mesmo sem ainda ter completado o primeiro mês de idade, “Everybody” já destronou “DAMN.” de Kendrick Lamar no top 200 da Billboard, com mais de 248.000 unidades vendidas na primeira semana (!). Aqui reside o principal trunfo do miúdo franzino: os números não enganam.
Ainda assim, e de alguém que diz querer deixar uma pegada e passar uma mensagem, não basta que a música soe bem (apesar de toda ela assim soar): é necessário fazê-lo com mestria, de forma concertada e articulada, quase subtil. Pelo menos nisto, apesar do futuro risonho que lhe adivinho, Logic ainda tem muito que maturar.