“Fahrenheit 11/9”: Michael Moore mostra a “verdade inconveniente” dos novos “ditadores”
“Fahrenheit 11/9” foi apresentado no Doclisboa, na secção Da Terra à Lua (apesar da ausência da correção de som, dessíncrono durante toda a projeção).
How the fuck we get into this?, lamenta a voz de Michael Moore após o prólogo de “Fahrenheit 11/9”. Minutos antes, a unanimidade da euforia mediática parecia abrir a porta da Casa Branca a Hillary Clinton nas últimas presidenciais americanas, em detrimento de um Donald Trump que nunca fora levado a sério. No entanto, sabemo-lo bem como a 8 de novembro de 2016, acordámos todos para uma realidade bem diferente. Será essa a inversão do atual título de Moore, em jeito de sequela, do filme sobre os estilhaços do 11 de setembro? E como será também o day after depois das presidenciais no Brasil, numa campanha também dominada por essa nova politica do ‘invisível digital’ e das acusações de que o ainda candidato Bolsonaro foi alvo. Seguramente, uma leitura a ser atualizada à luz de “Fahrenheit 11/9“, em exibição nas salas portuguesas a partir do último dia de outubro.
A verdade é que a imagem do otimismo que antecedeu a eleição de Trumo acaba por estar indissocialvelmente ligada ao ato eleitoral de 7 de novembro de 2000, quando George W. Bush acabou por herdar o cargo, apesar de nessa mesma noite mítica o candidato rival Al Gore ter sido anunciado vitorioso… Pois é, a história repete-se de novo.
Nesse sentido, da urgência que tem nos dias de hoje, talvez este filme seja mesmo o filme mais importante de Moore. Sobretudo numa época em que a verdadeira política parece ter perdido terreno, do domínio dos valores, para uma discussão bem mais assente na linguagem digital de tweets, fake news, spam de what’sup ou instagram stories.
A certa altura em “Fahrenheit 11/9”, Michael Moore indagará o real efeito da palavra Democracia, para logo ser corrigido e atualizado por um termo que, afinal de contas, é demasiado recente na sociedade americana para grande exercícios de História num país que ainda defende a legitimidade do uso e porte de armas e justifica a pena de morte.
Talvez isso ajudará até a perceber ainda melhor a associação que Moore faz à ascensão de Adolf Hitler, isto num país com uma cultura invejável, mas que cedeu ao populismo. É sob esse prisma que Moore percorre a campanha de 2016, sublinhando a atitude ‘sem nada a perder’ de empresário muito pouco escrupuloso que não tem sequer problemas em alimentar referências sexuais a Ivanka, a sua própria filha. É claro que isto vale o que vale, mas esse é apenas o lado de clown perigoso que Moore pinta do atual Presidente. Até porque é ao adornar o filme de diversos outros problemas laterais, em que nem Obama escapa, que o acento tónico para a criação de um novo paradigma político se instala. E é aí também que “Fahrenheit 11/9” ganha um maior relevo político ainda que possa perder também aí parte da sua consistência de registo fílmico. Como se o seu filme necessitasse de algo mais para se aguentar.
No entanto, há muito para digerir neste filme. Demasiado? Talvez. Como a polémica do serviço de abastecimento de água em Flint, a “cidade mais pobre dos EUA”, e a natal de Moore, frequentemente presente nos seus filmes, por parte do senador republicano Rick Snyder, alvo da acusação de contaminação da água, em 2014, de modo a favorecer os interesses industriais locais.
Embora, talvez, a nota que fica da forma como se faz política nos dias de hoje não deva ser encarada como superficial. É que na falta de dirigentes políticos à altura – mesmo no lado Democrático, com os pecadilhos de Hillary e até a incapacidade em Bernie Sanders se impor no seu partido – justifica-se o destaque que Moore dá aos jovens ativistas americanos a assumir um novo papel na luta política. Mesmo que seja também feita pelo seu lado mais digital.
Nota final: pena é que a sessão que decorreu, sábado, dia 20, na Culturgest, tenha sido perturbada pelo som desíncrono da imagem, uma anomalia nunca corrigida. Ou seja, o som das imagens não estava síncrono com o movimento dos lábios, perturbando a nossa visão. Só mesmo quem nunca tirou o olhar das legendas terá passado um pouco ao lado desta anomalia digital.
Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt