FAQs e ENES entram num bar a uma quinta à noite
Quem diz que já não se faz boa música em Portugal, anda com os ouvidos metidos numa parede – ou escondido na Caverna de Platão. Os FAQs e os ENES são duas bandas do Porto, empenhadas em produzir música fiel apenas a si mesmas.
Com Henrik Beck como vocalista, Chico Almeida na bateria, Tommy Hogg no baixo e Vasco Tudela na guitarra, os FAQs estão em atividade desde 2010. A banda assume-se como “o ritual de ressuscitação do punk e do rock ‘n’ roll, que dá uso a desfibriladores em forma de guitarradas e de sons explosivos para trazer de volta o punk old school, misturado com o rock alternativo moderno, sempre em tom de festa e de masturbação atómica”. De estúdio, ainda só existe o EP Back In Line, mas o álbum de estreia pode ser esperado “lá para março ou abril”, segundo Henrik.
Já os ENES andam pela esfera do pop rock. O quinteto é mais recente, mas chegou em peso e com tudo para dar. A banda de Andrés Malta (voz), Pedro Martins (bateria), Jay (baixo), Gonçalo Lemos (guitarra) e Leonardo Pinto (teclados) parece não ter medo de arriscar. Charlie foi lançado em maio do ano passado e a receção do público ao álbum de estreia tem sido bastante boa. Este “cocktail explosivo de rock com arranjos pop e uma secção rítmica dominada por uma electrónica viciante” promete estar aqui para ficar.
Qualquer uma destas bandas tem uma presença incrível em palco e a noite nos Maus Hábitos não foi exceção. O dom inato de pôr uma multidão a mexer manifestou-se. Só não foi mais forte por ser uma noite de – lá está – quinta feira e pelos concertos terem sido marcados para uma hora tardia – e ainda começaram mais tarde devido a atrasos. Apesar disto, os mais corajosos desistiram daquelas horinhas extra de sono para se deslocarem ao quarto piso mais concorrido da Invicta. E ninguém regressou a casa desiludido.
Os FAQs entram em palco com uns bons trinta minutos de atraso, mas os seus ritmos eletrizantes não deixam ninguém parado por muito tempo. Os riffs rápidos, o esforço visível de Chico na bateria e as palavras carregadas de revolta gritadas ao microfone despertam o lado selvagem de qualquer um. “Intro / I’m a Pain” é seguida por “Back In Line”, música do EP de fevereiro de 2017.
Depois de “Party”, Henrik lembra: “a última vez que tocamos aqui foi há 7 anos. Foi o primeiro concerto dos FAQs”. Segue-se “Punk’s Not Dead Yet”, música super bem-recebida pelo público, que se abana freneticamente e entoa a letra com o vocalista. A faixa que lembra bandas como Ramones e Clash pertence também ao EP da banda.
“Nós gostamos de beber, mas não bebemos água, só álcool, por isso nunca podemos estar sóbrios”; assim se introduz “Can’t Live Sober”. “Moral Machine”, “Portugal” e “Song for the Masses” mantêm a temperatura alta na sala, de dedos apontados e sem papas na língua, repletas das críticas tão caraterísticas do punk.
Em constante movimento pelo palco e visivelmente cansado, Henrik brinca: “ainda bem que isto está quase a acabar, senão eu morro”; levando com um “Cala-te!” como resposta. Bem-humorado, ri-se. “Vamos tocar mais uma do EP. Vocês querem ouvir mais uma do EP?”. “Toquem Xutos!”, lança alguém do público – a piada típica.
“Tasks” marca uma paragem nas músicas novas – que Henrik confidencia estarem a ter uma receção incrível do público. “Estão fartos de se mexer, vamos tocar agora umas merdas mais calmas. Mas, antes disso, temos ali umas merdas à venda. Estamos a tentar gravar um álbum e não sabemos como o vamos pagar, comprem o que puderem”. “Give Me Fire”, cantada com o frontman sentado na beira do palco, termina com um “tínhamos muitas saudades de estar aqui”.
“Punhetas” é o hino da banda. Henrik provoca a sala – “ainda se podem mexer mais um bocadinho antes disto acabar, não?” –, mas não precisa. O público canta a letra a plenos pulmões, ao ponto de o vocalista esticar o microfone para este poder cantar à vez. Cria-se um momento de união – e de emoções à flor da pele.
Antes da despedida com “Love and Violence”, Henrik fala ao micro – a faixa em si é mais falada do que cantada. “Há coisas que vocês podem fazer sozinhos, mas não precisam”. Nesta ode à amizade e ao amor, os FAQs agradecem ao público e aos Maus Hábitos, onde prometem regressar “daqui a 7 anos”.
O intervalo para movimentações de técnicos no palco, as trocas entre dinheiro e finos e as conversas paralelas são interrompidos por uma voz robótica. “Vou pedir a vossa atenção e que, nos próximos 45 minutos, desliguem os seus telefones. Esqueçam as redes sociais”. A introdução é a mesma em todos os concertos da banda, mas não é por isso que deixa de ser genial, com a articulação de referências e expressões. Os ENES entram em palco e tocam “Tomorrow’s Breakfast”.
“Boa noite, Maus Hábitos! Isto está muito parado, vou dizer outra vez: boa noite, Maus Hábitos! Nós somos os ENES. Sejam todos bem-vindos à apresentação do nosso disco Charlie, de onde é a próxima música, ‘Lighter Weight’. Espero que se divirtam”. Estas duas músicas, com o seu ritmo animado e contagiante, conquistam de imediato o público (que já não é muito, verdade seja dita; a meia-noite já se aproxima).
Andrés move-se pelo palco com uma energia inesgotável e passos de dança que apenas a si fazem sentido, mas que lhe são já tão naturais. “És linda!”, ouve-se da audiência. “O quê? Qual de nós é que é linda? Ai agora ninguém responde, ficam todos com vergonha”. “És tu, caralho! Até parece que já não sabes.” “Foi assim que a Alemanha perdeu a Guerra, meu amigo. A próxima música chama-se ‘Toxic’”.
Este tipo de interações brincalhonas é habitual a ENES. Outra coisa que é natural a Andrés em palco é ir perdendo roupa à medida que as faixas rolam. Por esta altura, já não tem nem casaco nem t-shirt. Mas não é o único: Henrik também acabou a atuação sem camisa. Este quarto piso é bastante quente; deve ser da diminuição da quantidade de oxigénio no ar.
“Esta próxima música é o nosso último single e o nosso último vídeo. Fala sobre amores mal resolvidos: ‘Unfinished Business’”. As sequências de guitarra conquistam o público, que ouve em silêncio e com aquele pelinho do braço arrepiado. Segue-se “Synthetic Emotions”, mas não sem Andrés apresentar os membros da banda antes – e referir Leonardo como “o mais giro de todos” e Jay como “o sportinguista mouro”.
A sexta música na setlist é “Just Like the First Time”. “Foi o nosso segundo single, o nosso segundo filho, filmado aqui nas ruas do Porto. Uma grande salva de palmas para o Porto”. A fraca resposta da sala solta um desabafo do vocalista. “Isto parece uma segunda feira às cinco da tarde, meu. Estou-vos a dar assim tanta seca?”. “Põe-te todo nu, ó bro!”, provocam-no. “Opá, não peças isso muitas vezes”.
“Happy Trails” e “I’m Leaving You” são tocadas com o mesmo entusiasmo. “Set Ready” é a única música que não pertence a Charlie – o álbum que é tocado na íntegra. “Obrigado a todos por terem vindo. Obrigado aos FAQs. Com esta música, chegamos ao fim. Nós somos os ENES e esperamos ver-vos num futuro próximo. Até lá, divirtam-se”. “Walkout” é a música escolhida para ser a última da noite. É uma composição com bons riffs, que a meio parece mudar para uma completamente diferente, com um crescendo melódico que enche cá dentro. “Don’t wanna forget it all”, entoa Andrés.
O público também não quer esquecer. Mas a lua já vai alta e amanhã é dia de trabalho. Ainda serão precisas algumas horas para o ritmo cardíaco abrandar e o zumbido abandonar os ouvidos, mas todos os presentes podem deitar-se com um sorriso na cara.