Festival de Veneza: a discussão do sucesso, uma desilusão argentina e mais um documentário de Weiseman
Era uma das grandes promessas da competição do Festival de Veneza, só que o Vox Lux do muito promissor Brady Corbet acaba por não confirmar a excelente impressão da inteligência das primeiras sequências, que nos fizeram lembrar A Infância de um Líder, e não só por evoluir de 1999 a 2017. Talvez também porque este percurso na origem da fama e como ela se desenvolve nos dias de hoje necessita de baixar a fasquia. Como diz Celeste: “as minhas músicas são piores mas tenho cada vez mais sucesso”.
Um novo A Star is Born? Trilha um pouco esse caminho, embora esta estrela que nasceu a partir de uma tragédia, numa prestação muito conseguida de Raffey Cassidy, acaba por cavalgar a onda do pop bimbo, depois do seu manager (Jude Law) a transformar na vedeta que o público deseja, sonha e paga. É nesse processo que estão todas as ideias. Isto porque quando esta estrelinha se assume e Natalie Portman assume o seu papel, é como se o filme desse meia volta. Portman faz o que pode para dar corpo a esta bimba que se deixa devorar pelo culto da celebridade.
De certa forma temos até alguma ligação com o novo filme do alemão Florian Henckel von Donnersmarck, Never Look Away, também ele a assegurar a realização, argumento e, neste caso, também produção. Talvez porque aqui se segue o percurso da afirmação artística, talvez mais do que a fama, embora esta não esteja sequer afastada. Se bem que as cicatrizes da Alemanha estejam sempre à vista neste filme que fascina e seduz, mas que nunca abandona um lado demasiado seguro e asséptico. Há uma história de trauma, baseada em eventos reais, que envolve médicos nazis e a mãe de um jovem artista que herdou dela essa verdade de olhar para as coisas.
Este é um um filme que passa em revista os sinais dos tempos, desde o período nacional socialista, ao socialismo do pós guerra e a euforia da liberdade criativa. É esse diálogo com a História, esse trauma que se converte em arte que o torna fascinante, mas que acaba até com algum cinismo. Um pouco como dizia El Pepe Mujica, no filme de ontem, que o facto de ter estado privado de liberdade o tornou um homem mais lúcido.
Houve ainda uma decepção com Acusada, do argentino Gonzalo Tobal, a ensaiar um filme tribunal pela acusação de um homicídio imputado a Dolores (a estrela argentina Lali Esposito) pela morte de uma amiga na sequência de uma festa. O fascínio mediático de histórias deste tipo foi o que seduziu o realizador a fazer este exercício que não colheu o agrado da imprensa.
Por fim, uma nota para mais um filme de Frederik Weiseman, Monrovia Indiana, exibido fora de competição. Isto apenas um ano depois de ter ganho aqui mesmo o prémio da crítica internacional com Ex Libris – The New York Public Library. Em mais um documento contemplativo e narrativo, Wiseman observa a comunidade rural de Monrovia, com apenas um milhar de habitantes, e os diversos aspectos do seu dia-a-dia. Fiel ao seu estilo, o cineasta devolve-nos mais um documento que fixa um pedaço da América no tempo e no espaço.
Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt